segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Washington Olivetto - Vejo o Rio de Janeiro

O Globo

Adoro Londres, onde moro e que defino como a melhor Nova York do mundo. O que não significa que eu não goste de Nova York. Pelo contrário, gosto e muito.

Por isso mesmo, tive o maior prazer em rever a série “Faz de conta que NY é uma cidade”, do diretor Martin Scorsese, com a escritora Fran Lebowitz. Revi os sete episódios, a que já havia assistido em janeiro deste 2021, entre o início da noite de sábado e a madrugada de domingo retrasado.

Sempre gostei de Scorsese. Dos seus longas-metragens, como “Taxi driver” e “Touro indomável”; dos seus documentários, como aquele sobre os Rolling Stones, filmado no Beacon Theatre, da Broadway com a Rua 74; e dos seus vídeos, como “O cinema por Scorsese”, com observações interessantíssimas sobre os filmes italianos.

Sempre gostei de Lebowitz.

Já no fim dos anos 1970, época das minhas primeiras idas a Nova York, eu comprava a Interview, do Andy Warhol, numa das bancas de jornal do Village e lia entusiasmado os textos de Lebowitz, apesar de perder muitos detalhes, devido à ruindade do meu inglês.

Sempre gostei dos dois. Assisti ao documentário que eles fizeram juntos em 2010, chamado “Public speaking”, mas este “Faz de conta que NY é uma cidade” me entusiasmou muito mais.

Por mostrar lugares que eu gostaria de ter frequentado, como o The Players, no Gramercy Park, e lugares que eu me cansei de frequentar e pretendo continuar frequentando, como o Village Vanguard, na Sétima Avenida. Por exaltar a beleza da Grand Central Station e do Queens Museum.

E por causa do magnífico senso de mau humor de Fran Lebowitz, que, além de tudo, é apaixonada pela leitura e por grandes bibliotecas, como a exuberante New York Public Library.

Pouca gente sabe, mas a famosa frase de Fran Lebowitz — “Pense antes de falar, leia antes de pensar” — foi imitada por publicitários do mundo inteiro, a partir dos anos 1980, quando passaram a dizer a seus clientes a frase “Na nossa agência, a gente primeiro pensa e depois faz”.

Gosto muito também de Fran Lebowitz quando ela se irrita com bobagens do tipo o barulho que as pessoas fazem comendo pipocas nos cinemas ou a maneira ridícula com que alguns nova-iorquinos caminham pelas ruas da cidade, carregando tapetes para fazer ioga nos parques.

Mas gosto ainda mais da sua capacidade de enfurecer as pessoas com comentários tipo “casamento e serviço militar são as instituições mais aprisionantes do planeta”.

Me encanta sua predileção pelo talento das crianças, que ela ilustra com o raciocínio de Pablo Picasso: “Todas as criaturas nascem artistas. A dificuldade é continuar artista enquanto se cresce”.

Adoro também sua sinceridade quando diz para Spike Lee que não gosta de esportes, mas que amava Muhammad Ali porque não é preciso gostar de boxe para amar Muhammad Ali.

Fran Lebowitz sabiamente não tem celular, o que me fez lembrar uma frase que li, anos atrás, no cardápio do restaurante Cipriani, do hotel The Sherry-Netherland da Quinta Avenida, dirigida aos executivos bobinhos que ficavam falando nos celulares durante o almoço: “Informamos aos senhores frequentadores que o uso do telefone celular interfere na preparação do risoto”.

Assistindo a essa série, imaginei que o Rio de Janeiro merecia ter, sem nenhum complexo de culpa ou inferioridade, algo assumidamente parecido.

Uma série feita por um grande cineasta com uma mulher inteligente, que conhecessem profundamente a cidade, a ponto de lamentar a ausência do Chiko’s Bar com o piano do Luizinho Eça e a voz da Leny Andrade; o fechamento da Livraria Timbre, na Gávea; e a quantidade de pedras quebradas no calçadão de Ipanema.

Gente capaz de observar que esse negócio de correr às 6h, entre o Arpoador e o Posto 12, engorda e envelhece. Basta olhar pela janela de qualquer apartamento da Vieira Souto ou da Delfim Moreira para ver que a maioria dos que estão correndo a essa hora é gorda ou velha.

Imaginei o Cacá Diegues e a Danuza Leão perfeitos para realizar essa série.

Quem sabe eles se animam.

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