O Globo
Adoro Londres, onde moro e que defino como
a melhor Nova York do mundo. O que não significa que eu não goste de Nova York.
Pelo contrário, gosto e muito.
Por isso mesmo, tive o maior prazer em
rever a série “Faz de conta que NY é uma cidade”, do diretor Martin Scorsese,
com a escritora Fran Lebowitz. Revi os sete episódios, a que já havia assistido
em janeiro deste 2021, entre o início da noite de sábado e a madrugada de
domingo retrasado.
Sempre gostei de Scorsese. Dos seus
longas-metragens, como “Taxi driver” e “Touro indomável”; dos seus
documentários, como aquele sobre os Rolling Stones, filmado no Beacon Theatre,
da Broadway com a Rua 74; e dos seus vídeos, como “O cinema por Scorsese”, com
observações interessantíssimas sobre os filmes italianos.
Sempre gostei de Lebowitz.
Já no fim dos anos 1970, época das minhas primeiras idas a Nova York, eu comprava a Interview, do Andy Warhol, numa das bancas de jornal do Village e lia entusiasmado os textos de Lebowitz, apesar de perder muitos detalhes, devido à ruindade do meu inglês.
Sempre gostei dos dois. Assisti ao
documentário que eles fizeram juntos em 2010, chamado “Public speaking”, mas
este “Faz de conta que NY é uma cidade” me entusiasmou muito mais.
Por mostrar lugares que eu gostaria de ter
frequentado, como o The Players, no Gramercy Park, e lugares que eu me cansei
de frequentar e pretendo continuar frequentando, como o Village Vanguard, na
Sétima Avenida. Por exaltar a beleza da Grand Central Station e do Queens
Museum.
E por causa do magnífico senso de mau humor
de Fran Lebowitz, que, além de tudo, é apaixonada pela leitura e por grandes
bibliotecas, como a exuberante New York Public Library.
Pouca gente sabe, mas a famosa frase de
Fran Lebowitz — “Pense antes de falar, leia antes de pensar” — foi imitada por
publicitários do mundo inteiro, a partir dos anos 1980, quando passaram a dizer
a seus clientes a frase “Na nossa agência, a gente primeiro pensa e depois
faz”.
Gosto muito também de Fran Lebowitz quando
ela se irrita com bobagens do tipo o barulho que as pessoas fazem comendo
pipocas nos cinemas ou a maneira ridícula com que alguns nova-iorquinos
caminham pelas ruas da cidade, carregando tapetes para fazer ioga nos parques.
Mas gosto ainda mais da sua capacidade de
enfurecer as pessoas com comentários tipo “casamento e serviço militar são as
instituições mais aprisionantes do planeta”.
Me encanta sua predileção pelo talento das
crianças, que ela ilustra com o raciocínio de Pablo Picasso: “Todas as
criaturas nascem artistas. A dificuldade é continuar artista enquanto se
cresce”.
Adoro também sua sinceridade quando diz
para Spike Lee que não gosta de esportes, mas que amava Muhammad Ali porque não
é preciso gostar de boxe para amar Muhammad Ali.
Fran Lebowitz sabiamente não tem celular, o
que me fez lembrar uma frase que li, anos atrás, no cardápio do restaurante
Cipriani, do hotel The Sherry-Netherland da Quinta Avenida, dirigida aos
executivos bobinhos que ficavam falando nos celulares durante o almoço:
“Informamos aos senhores frequentadores que o uso do telefone celular interfere
na preparação do risoto”.
Assistindo a essa série, imaginei que o Rio
de Janeiro merecia ter, sem nenhum complexo de culpa ou inferioridade, algo
assumidamente parecido.
Uma série feita por um grande cineasta com
uma mulher inteligente, que conhecessem profundamente a cidade, a ponto de
lamentar a ausência do Chiko’s Bar com o piano do Luizinho Eça e a voz da Leny
Andrade; o fechamento da Livraria Timbre, na Gávea; e a quantidade de pedras
quebradas no calçadão de Ipanema.
Gente capaz de observar que esse negócio de
correr às 6h, entre o Arpoador e o Posto 12, engorda e envelhece. Basta olhar
pela janela de qualquer apartamento da Vieira Souto ou da Delfim Moreira para
ver que a maioria dos que estão correndo a essa hora é gorda ou velha.
Imaginei o Cacá Diegues e a Danuza Leão
perfeitos para realizar essa série.
Quem sabe eles se animam.
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