Folha de S. Paulo
O distritão é efeito da hiperfragmentaçao e
fraqueza dos partidos
Muito já se escreveu sobre o distritão como
modelo eleitoral exótico, mas pouco se falou sobre quem se beneficia de sua
adoção. Afirma-se que o modelo favorece candidaturas individuais de grande
apelo em detrimento dos partidos, mas quem ou o quê está por trás das mudanças
—uma coalizão de celebridades? Um abissal desconhecimento técnico?
Para além das celebridades, há um grupo que
ganha com o distritão: os deputados federais cuja votação é expressiva mas
inferior ao quociente eleitoral, os quais necessitam de votos de outras
candidaturas da lista partidária. Eles formam uma maioria expressiva:
correspondem a 94,7% dos parlamentares eleitos.
A proposta já foi derrotada duas vezes, mas
a situação atual é nova porque a proibição de coalizões em eleições
proporcionais abalou o perverso equilíbrio existente. Sem o mercado persa de
negociatas em torno da formação de chapas (e que envolvia também tempo de TV),
a meta do quociente torna-se mais difícil.
E, quanto maior o quociente eleitoral (que varia de 1,5% do total de votos em São Paulo a 12,5% no Acre), maiores as dificuldades para atingi-lo individualmente, já que não será possível agregar “cauda” de outras legendas.
Todas as agremiações são pequenas ou médias: não há partidos grandes. A hiperfragmentação é estratosférica. Fora os dois maiores que detêm 10% do total de cadeiras, há dez partidos médios com algo entre 5%-7% das cadeiras, situação absolutamente inédita no mundo e que tem causado profundo cinismo cívico que está na base da situação em que vivemos.
Todos os atuais deputados do ES, RR, RO,
RN, SE, AL e AP provêm de partidos diferentes. O maior partido das bancadas de
GO, TO, MT, MS, AC, AM, e PI tem dois representantes, os demais apenas um. Dois
terços das bancadas são praticamente uninominais: ou seja, o Congresso é uma
coleção de indivíduos pertencentes a partidos distintos. Eis a chave para se
entender a proposta do distritão.
Ela reflete a hiperfragmentação e a
fraqueza dos partidos. É efeito e não causa dela.
O distritão maximiza os interesses dos
atuais titulares das cadeiras; conjugado com o fundo eleitoral multibilionário,
torna-os infalíveis. Quem perde com o modelo: todos os atores que operam no
mercado de chapas (donos de partidos etc.).
Mas o centrão é a solução para um problema dos parlamentares individuais; não resolve, agrava os problemas centrais da representação política no país. A solução não é reverter para o status quo e ante reforma de 2017. Ao contrário, a reforma aprovada é golpe profundo no mercado de formação de chapas ao mesmo tempo que reduz a hiperfragmentação.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universidade Yale.
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