O Globo
Na semana passada, li um pequeno livro do
francês Jacques Attali, chamado “A economia da vida”, em que ele descreve como
se preparar para uma nova pandemia dentro de dez anos.
O autor esboça uma história das epidemias
desde quando as pessoas começaram a se reunir em grande número, na Mesopotâmia,
na Índia e na China.
Uma de suas conclusões que me interessam
aqui é que as epidemias derrubam governos, impérios e, às vezes, arrastam até
religiões.
Até hoje, impressiona-me a ignorância de
Bolsonaro e seus gurus, que se recusaram a perceber a dimensão gigantesca desse
fenômeno e foram atropelados por ele, produzindo com sua política de avestruz
mais de meio milhão de mortos.
Sei que muitos não concordam, mas, na minha
opinião, Bolsonaro foi destruído pela pandemia, e não vejo como se recuperar,
apesar da decantada memória fraca dos brasileiros.
Quando olho para seus passos, penso: em
termos políticos, está lá um corpo estendido no chão. A tática de se unir aos
grupos fisiológicos não é nada mais que uma continuidade da miopia, por outros
caminhos.
Interessante é que declara ter entregado a alma do seu governo ao Centrão. Como se esse espaço político estivesse povoado por piedosos pastores que colecionam almas para sua salvação, e não por vorazes caçadores do tesouro.
Diante de minhas retinas fatigadas, vejo
uma reedição da aliança de militares e políticos decadentes que já fracassou no
passado. E, o que é o pior, o corpo estendido no chão depois que uma jamanta
histórica passou sobre ele não consegue perceber que veículos menores se
aproximam para esmagá-lo de novo. Refiro-me à crise hídrica e à consequente
dificuldade energética que o Brasil certamente enfrentará em novembro. De novo,
a mesma displicência obtusa com que enfrentou a pandemia.
A Coreia do Sul obteve o mapa genético do
vírus, produziu testes, toneladas de máscaras e rastreou diligentemente todos
os casos. Isso não aconteceu aqui, assim como não surgirão campanhas pelo uso
racional da água e da energia. O impacto de uma crise energética, embora muito
menor que de uma pandemia, foi suficiente para desequilibrar o PSDB no início
do século.
Estamos diante de um imenso fracasso da
extrema direita. O que se vê no horizonte é a ascensão de uma nostalgia por um
governo de 20 anos atrás. Sem entrar no mérito, é importante lembrar que a
História não se repete, que as condições foram alteradas em duas décadas. No
mínimo, considere-se que o país foi sacudido por duas poderosas forças
destrutivas: a pandemia e o governo Bolsonaro.
Certas convicções na chamada “inteligência
brasileira”, com tantas pessoas talentosas e queridas, não mudam com o tempo.
Uma delas é o apego romântico à Revolução Cubana.
O pau quebra na ilha, e surgem notas de
apoio ao governo e ao povo cubano, como se fosse possível apoiar
simultaneamente opressores e oprimidos. É difícil imaginar que milhares de
pessoas nas ruas sejam mercenários a serviço dos EUA, que jornais europeus como
El País e Le Monde mintam para fortalecer o império.
Impossível ignorar o movimento de artistas
chamado San Isidro, que se bate contra um decreto que exige que toda produção
cultural tenha autorização do governo.
Já estou resignado em achar que certas
ideias são levadas ao túmulo, apesar do curso dos fatos. No entanto há mudanças
que não podem ser ignoradas. Uma delas é a questão ambiental. O tema subiu ao
topo da agenda dos líderes mundiais. Fundos de pensão e empresas o consideram
como uma variável decisiva.
O que há de apenas retórico nessas teses
será arrastado para a prática diante dos eventos extremos que se sucedem: onda
de calor no Canadá, enchentes na Europa, declínio dos rios voadores que vêm da
Amazônia.
As eleições não podem nos jogar na máquina
do tempo, onde tenhamos de escolher, entre as nostalgias, aquela que for a mais
recente.
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