segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Gustavo Loyola* - Remendo tributário

Valor Econômico

Projeto não atende as necessidades mais urgentes e pode trazer maiores dificuldades para os contribuintes

Qualquer iniciativa de reforma tributária no Brasil deveria considerar, no mínimo, quatro fatos incontestáveis da nossa realidade: a péssima distribuição de renda, a elevada carga de impostos, a frágil situação fiscal e a extrema complexidade da legislação tributária. Infelizmente, o projeto de reforma do Imposto de Renda encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional parece ter ignorado alguns desses fatos e, por isso, merece ser modificado pelo Legislativo ou simplesmente ser rejeitado.

Inicialmente, é bom lembrar que o governo colocou a reforma do IR como prioritária em relação às demais iniciativas que tramitam no Congresso, inclusive no que diz respeito ao projeto do próprio Executivo que unifica o PIS e a Cofins. Trata-se de um equívoco pois as maiores dores sofridas pelos contribuintes brasileiros são devidas à péssima legislação relativa aos tributos indiretos e não àqueles que incidem sobre a renda. A colocação das mudanças do IR à frente dos demais temas de reforma tributária parece indicar a falta de compromisso do governo com a necessidade de melhorar o ambiente de negócios no país, com vistas a trazer ganhos de produtividade indispensáveis para a aceleração do crescimento econômico.

Sobressai especialmente a omissão do governo federal no tema da reforma do ICMS e do ISS e a criação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) que, abarcando também tributos federais como o IPI, possa desmontar o manicômio tributário ao qual estão sujeitos os contribuintes no Brasil. Há bons projetos com esse objetivo no Congresso Nacional, notadamente o PEC 45/2019 que se baseia em estudos liderados pelo economista Bernardo Appy. Como se trata de uma reforma que impacta os três níveis de governo, a presença do governo federal no debate é condição necessária ao avanço da iniciativa. O que se viu, ao contrário, foi o Executivo colocar o seu próprio projeto de unificação das contribuições (PIS e Cofins), agora também escanteado para segundo plano.

Com relação à proposta de reforma do Imposto de Renda, colocados na balança seus pontos positivos e negativos, o resultado seria a piora do ambiente de negócios, o aumento da complexidade do sistema tributário e da insegurança jurídica, além provavelmente d elevação da carga tributária sobre as empresas e sobre parcela da classe média. Vale ressaltar que hoje o Brasil já tem a décima pior colocação no ranking global do “Doing Business” no quesito tributação.

Tome-se como exemplo a questão da tributação dos dividendos. A opção brasileira pela tributação exclusiva do lucro e isenção no pagamento de dividendos foi resultado principalmente do pragmatismo do então Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, tendo em vista as dificuldades para coibir a distribuição disfarçada de lucros para evitar o pagamento de IR. Como assinalou o ex-secretário, o projeto de reforma, ao retomar a tributação dos dividendos, torna o sistema mais complexo, estimula o planejamento tributário e aumenta a litigiosidade entre os contribuintes e o Fisco.

Por outro lado, os argumentos a favor da tributação de dividendos são frequentemente falaciosos. Fala-se que no Brasil o capital não é taxado o que favorece os mais ricos. Ora, o argumento esquece a existência da tributação sobre os lucros das empresas, com alíquotas elevadas para padrões internacionais, ainda que as alíquotas efetivas sejam díspares entre empresas, tendo em vista a existência de uma miríade de situações especiais que favorecem grupos de contribuintes.

Outro argumento que não resiste a uma análise mais profunda é o de que a tributação de dividendos e simultânea redução do IR sobre os lucros estimulam o investimento. O que importa na decisão de investir é o retorno esperado e o reinvestimento ocorrerá ou não em função dessa expectativa, estando o recurso dentro da companhia ou fora dela.

O projeto original do Executivo sofreu algumas mudanças por seu relator, com destaque para uma maior redução na alíquota do IR sobre os lucros e a isenção de tributação dos dividendos quando distribuídos entre empresas do mesmo grupo econômico. Porém, em que pese esse esforço, o projeto continua com problemas, inclusive pelo risco de prejudicar Estados e municípios em detrimento da União que mantém inalteradas as alíquotas das contribuições, principalmente da CSLL que incide também sobre os lucros.

No caso das pessoas físicas, o projeto do governo comete uma maldade ao restringir a utilização da declaração simplificada. Não vejo qualquer justificativa para tanto, exceto o de tributar mais uma parcela da classe média, o que nada contribui para melhorar a distribuição da carga tributária.

Em suma, o projeto não atende as necessidades mais urgentes do Brasil e, ao contrário, pode trazer maiores dificuldades para os contribuintes num país em que o ambiente de negócios já é inóspito, largamente em razão da atuação deficiente do Estado. Mesmo como remendo tributário, deixa a desejar.

*Gustavo Loyola Doutor em Economia pela EPGE/FGV. Ex-presidente do Banco Central 

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