Valor Econômico
Projeto não atende as necessidades mais
urgentes e pode trazer maiores dificuldades para os contribuintes
Qualquer iniciativa de reforma tributária
no Brasil deveria considerar, no mínimo, quatro fatos incontestáveis da nossa
realidade: a péssima distribuição de renda, a elevada carga de impostos, a
frágil situação fiscal e a extrema complexidade da legislação tributária.
Infelizmente, o projeto de reforma do Imposto de Renda encaminhado pelo governo
ao Congresso Nacional parece ter ignorado alguns desses fatos e, por isso,
merece ser modificado pelo Legislativo ou simplesmente ser rejeitado.
Inicialmente, é bom lembrar que o governo
colocou a reforma do IR como prioritária em relação às demais iniciativas que
tramitam no Congresso, inclusive no que diz respeito ao projeto do próprio
Executivo que unifica o PIS e a Cofins. Trata-se de um equívoco pois as maiores
dores sofridas pelos contribuintes brasileiros são devidas à péssima legislação
relativa aos tributos indiretos e não àqueles que incidem sobre a renda. A
colocação das mudanças do IR à frente dos demais temas de reforma tributária
parece indicar a falta de compromisso do governo com a necessidade de melhorar
o ambiente de negócios no país, com vistas a trazer ganhos de produtividade
indispensáveis para a aceleração do crescimento econômico.
Sobressai especialmente a omissão do governo federal no tema da reforma do ICMS e do ISS e a criação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) que, abarcando também tributos federais como o IPI, possa desmontar o manicômio tributário ao qual estão sujeitos os contribuintes no Brasil. Há bons projetos com esse objetivo no Congresso Nacional, notadamente o PEC 45/2019 que se baseia em estudos liderados pelo economista Bernardo Appy. Como se trata de uma reforma que impacta os três níveis de governo, a presença do governo federal no debate é condição necessária ao avanço da iniciativa. O que se viu, ao contrário, foi o Executivo colocar o seu próprio projeto de unificação das contribuições (PIS e Cofins), agora também escanteado para segundo plano.
Com relação à proposta de reforma do
Imposto de Renda, colocados na balança seus pontos positivos e negativos, o
resultado seria a piora do ambiente de negócios, o aumento da complexidade do
sistema tributário e da insegurança jurídica, além provavelmente d elevação da
carga tributária sobre as empresas e sobre parcela da classe média. Vale
ressaltar que hoje o Brasil já tem a décima pior colocação no ranking global do
“Doing Business” no quesito tributação.
Tome-se como exemplo a questão da
tributação dos dividendos. A opção brasileira pela tributação exclusiva do
lucro e isenção no pagamento de dividendos foi resultado principalmente do
pragmatismo do então Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, tendo em
vista as dificuldades para coibir a distribuição disfarçada de lucros para
evitar o pagamento de IR. Como assinalou o ex-secretário, o projeto de reforma,
ao retomar a tributação dos dividendos, torna o sistema mais complexo, estimula
o planejamento tributário e aumenta a litigiosidade entre os contribuintes e o
Fisco.
Por outro lado, os argumentos a favor da
tributação de dividendos são frequentemente falaciosos. Fala-se que no Brasil o
capital não é taxado o que favorece os mais ricos. Ora, o argumento esquece a
existência da tributação sobre os lucros das empresas, com alíquotas elevadas para
padrões internacionais, ainda que as alíquotas efetivas sejam díspares entre
empresas, tendo em vista a existência de uma miríade de situações especiais que
favorecem grupos de contribuintes.
Outro argumento que não resiste a uma
análise mais profunda é o de que a tributação de dividendos e simultânea
redução do IR sobre os lucros estimulam o investimento. O que importa na
decisão de investir é o retorno esperado e o reinvestimento ocorrerá ou não em
função dessa expectativa, estando o recurso dentro da companhia ou fora dela.
O projeto original do Executivo sofreu
algumas mudanças por seu relator, com destaque para uma maior redução na
alíquota do IR sobre os lucros e a isenção de tributação dos dividendos quando
distribuídos entre empresas do mesmo grupo econômico. Porém, em que pese esse
esforço, o projeto continua com problemas, inclusive pelo risco de prejudicar
Estados e municípios em detrimento da União que mantém inalteradas as alíquotas
das contribuições, principalmente da CSLL que incide também sobre os lucros.
No caso das pessoas físicas, o projeto do
governo comete uma maldade ao restringir a utilização da declaração
simplificada. Não vejo qualquer justificativa para tanto, exceto o de tributar
mais uma parcela da classe média, o que nada contribui para melhorar a
distribuição da carga tributária.
Em suma, o projeto não atende as
necessidades mais urgentes do Brasil e, ao contrário, pode trazer maiores
dificuldades para os contribuintes num país em que o ambiente de negócios já é
inóspito, largamente em razão da atuação deficiente do Estado. Mesmo como
remendo tributário, deixa a desejar.
*Gustavo Loyola Doutor em Economia pela EPGE/FGV. Ex-presidente do Banco Central
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