Folha de S. Paulo
Até agora, Bolsonaro só pediu ao centrão
que evite o impeachment enquanto o Planalto articula o golpe
Na live presidencial da última
quinta-feira, Jair
Bolsonaro voltou a ameaçar a democracia brasileira. Incapaz de arcar com o
ônus da prova, resolveu sacar provas do ânus e mentiu
que há risco de fraude nas eleições. Bolsonaro mente para dar um golpe.
Quer dar um golpe para fugir da cadeia.
Isso aconteceu durante uma nova rodada de
circulação do argumento
“o centrão vai moderar Bolsonaro”. A nova rodada foi iniciada com a indicação
de Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil. Nogueira é
um dos chefes do centrão.
Na última quinta-feira, a Folha publicou um
artigo do jornalista Mario Rosa dizendo que “Bolsonaro não pode ser
acusado de fascista, golpista, antidemocrata e, ao mesmo tempo, ao atrair um
político experiente e presidente de um partido tradicional, receber a pecha de
‘contraditório’, ‘velha política’”.
Rosa está errado.
Não há qualquer contradição entre ser
golpista e ladrão, muito pelo contrário. Pode ter havido uma ou outra ditadura
honesta na história do mundo, mas a regra é que a turma sempre dá golpe para
roubar, para roubar coisa grande. Sempre foi assim no Brasil, continua sendo.
A tese do “moderado pelo centrão” não é, vejam bem, absurda desde sempre. Os bolsonaristas querem dar golpe para roubar. Se pudessem roubar sem correr o risco de morrer durante um golpe fracassado, talvez o “Bolcentrão” nos levasse à moderação. Não era impossível que o centrão moderasse Bolsonaro.
Mas já faz mais de um ano que a
aproximação de Bolsonaro com o centrão começou. É hora de julgar a
estratégia pelos resultados.
Eles são claros: até agora, o centrão não
moderou o golpismo
de Bolsonaro. O plano de melar
a eleição de 2022 é cada vez mais claro, os ataques às instituições
são diários, a maioria parlamentar cooptada não é utilizada para aprovar
qualquer agenda de governo. Até agora, Bolsonaro só pediu ao centrão que evite
o impeachment enquanto
o Planalto articula o golpe.
O centrão entregou a mercadoria que lhe foi
solicitada. Graças ao acordão de 2020, Bolsonaro não caiu enquanto se
recusava a comprar vacina que viesse sem suborno. Morreram, até
agora, 550
mil brasileiros.
Às vezes a tese “o centrão vai moderar”
aparece casada com uma outra, a de que o Congresso não aprovou as pautas
autoritárias de Bolsonaro, como os projetos da extremista Bia
Kicis (PSL-DF) que aposentariam
compulsoriamente ministros do STF.
Seria, entretanto, absurdo atribuir essa
resistência do Congresso à constituição do “Bolcentrão”. Um Congresso não
cooptado teria feito mais
coisas que Bolsonaro queria?
O que a experiência internacional sugere é
que as pautas autoritárias não passaram no Congresso porque Bolsonaro, ao
contrário, por exemplo, do húngaro Viktor
Orbán, não conseguiu montar um partido fascista poderoso no Congresso.
O trato implícito na ideia “o centrão vai
moderar” era que a turma roubaria, mas impediria o golpe. Estão roubando:
na compra
de vacinas, no “Orçamento
paralelo”, na expansão
sem justificativa razoável do fundo eleitoral. Mas os ataques à democracia
continuam.
Se o centrão não castrar definitivamente o
golpismo bolsonarista, será o caso de nos perguntarmos se essa rapaziada estava
mesmo moderando Bolsonaro ou se só utilizou a ameaça golpista do presidente
para roubar nosso dinheiro.
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