Folha de S. Paulo
Brutalidade, exibição de vergonhas e artes
do espectro fascista são projeto eleitoral
O espetáculo, a massificação da mentira e a
propaganda da morte são atitudes típicas de políticos do espectro
fascista. Jair
Bolsonaro não é lá diferente. Foi assim a virada de ano da extrema
direita brasileirinha, ainda mais repugnante na sua decomposição avançada, mas
até por isso mesmo capaz de causar mais pestes.
O país se degrada, mais gente padece de
fome, doença ou desgraças como as enchentes
da Bahia. A administração pública se desorganiza mais, ora em revolta
contra caprichos sectários desse tipo que ocupa a cadeira de presidente, que
quer agradar polícias a fim de manter consigo falanges armadas.
Há operações-padrão de auditores
da Receita, o que ameaça por exemplo a importação de combustíveis; há
ameaça de greve geral de servidores. A produção da indústria encolheu pelo
sexto mês seguido, o que não se via desde a recessão de 2015. Azares do tempo
podem fazer com que a safra de grãos seja menor que a do ano passado —se esperava
recorde, um anteparo mínimo para a recessão que começa a aparecer no horizonte.
Mas não há governo, tentativa de reação ou remédio. Ao contrário.
O capitão da morte vadiava, indiferente a sofrimentos e desordens, rindo com sua catadura selvagem e sua boca espumante. Fazia o show do tiozão grosseiro desfilando com brinquedos caros e barulhentos. Era parte da palhaçada da autenticidade, show que em breve voltaria quase à indecência teratológica dos tempos das cirurgias, durante a internação indigesta do tapado. Uma parte do espetáculo de Bolsonaro é a exposição de suas entranhas morais e quase literalmente físicas: intimidades com a mulher com quem se casou, o corpo nu cheio de tubos, as cicatrizes e, agora, sua indigestão monstruosa.
"Foi domingo. Eu não almoço, eu
engulo. Foi uma peixada, tinha uns camarõezinhos também. Eu mastiguei o peixe e
engoli o camarão", disse, ao explicar sua mais
recente internação.
A indecência, a brutalidade e a feiura são
parte da estética política do bolsonarismo. Entender porque o despudor ainda
comove suas falanges e um tanto mais do eleitorado é um problema, mas desde a
irrupção de Bolsonaro tal exposição faz algum efeito. A exibição do desmazelo
pessoal, corporal e social, sua boca-suja, seu linguajar iletrado e cafajeste,
o chinelão, o leite condensado com migalhas espalhadas pela mesa, tudo faz
parte da fantasmagoria da autenticidade.
O espetáculo vai além, claro. Há motociatas
e comícios golpistas, assim como a nomeação de inimigos da pátria, do cardápio
tradicional do espectro fascista. Há o heroísmo de fancaria de quem diz lutar
contra o "sistema" e a difusão de mentiras conspiratórias que tempera
esse brutesco. Há o farisaísmo, as blasfêmias e o uso do nome de Deus em vão, o
que espantosamente não abala muita gente religiosa. Há a propaganda da morte, a
crítica aos "tarados por vacina" e a indiferença quanto à morte de
crianças. Tudo isso é tolerado, como se o salvador da pátria e da família
tivesse de vir travestido de anticristão (o que também é o caso de Donald Trump).
E daí? Esse é o monstro que, daqui a
outubro, tentará obter votos para a reeleição ou algum modo de sobreviver
politicamente ou fora da cadeia. Esses são seus recursos. Bolsonaro não tem
nada que qualquer governante no limite do universo da razão e da decência
pudesse apresentar como realização. Seus instrumentos são a ameaça de morte,
baderna armada, golpe e tirania, o grotesco nauseabundo e a apelação aos
sentimentos mais baixos e desumanamente lunáticos _o tipo é indiferente à morte
de crianças, ressalte-se.
Foi assim o Ano Novo de Bolsonaro. Por que
acreditar que o ano eleitoral será diferente? O que mais lhe resta além da
fuga? A desordem imunda.
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