Folha de S. Paulo
Desviar resultado da CPI é permitir crimes
contra a população
A obstrução mental de Jair
Bolsonaro não o impede, como
a outra, de expelir suas produções repulsivas. Foi assim que, abalado ainda
por uma das obstruções —a que o pôs em pânico e em prantos pelo medo de estar morrendo—
retomou as falas incisivas contra a vacinação preventiva da Covid em
crianças e suas consequências, já avançada mundo afora. A razão que outra vez
liberou sua voracidade homicida só pode estar no apagamento aplicado às
conclusões da CPI da Covid.
A proteção assegurada desse modo a
Bolsonaro por Augusto Aras,
procurador-geral da República, contém, no entanto, duas contradições. Uma,
óbvia, está na finalidade de (também) obstrução da Justiça por parte de quem
deve combater esse recurso criminoso.
A segunda vem de Bolsonaro contra Bolsonaro: suas falas antivacinação infantil confirmam de viva voz as conclusões sobre sua perversidade intencional, as determinações aos vassalos Pazuello e Queiroga, a indução de tratamento impróprio. E, sinal definitivo logo ao início, a dispensa e depois, como agora, a protelação da compra de vacinas.
Por si só, esse novo capítulo da obra
homicida de Bolsonaro seria suficiente para ações no Tribunal Internacional, na
Corte de Direitos Humanos da OEA quando Luis
Almagro for retirado de lá e na Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Mesmo que o Judiciário brasileiro venha a deixá-lo em paz com seus atos
mortíferos, a cada é dia mais improvável que Bolsonaro e asseclas passem por
inocentes, e livres de problemas, no exterior.
Mas tal probabilidade não decorre, como
substituta, da atitude
de Augusto Aras. Nesta surgiu o ponto de partida da pregação e da
inoperância governamental comprometidas na situação de crianças indefesas,
dezenas de milhões, ao adoecimento e demais riscos por falta do principal
preventivo. Nem as esperáveis represálias internacionais atenuam o dever
do Supremo de encarar a conduta de Aras com o rigor requerido pela gravidade.
Para não instaurar de imediato o inquérito
subsequente à CPI, Aras pretextou a necessidade de investigações preliminares.
Era, porém, o que já estava em suas mãos, nas conclusões da CPI, e aí levadas
até muito adiante. O Supremo não endossou o desvio. Nem por isso a tramitação
do caso tomou o rumo e o ritmo próprios de qualquer caso. E nesse mais
prementes, por se voltar para quase 630 mil
mortes, além das incontáveis subnotificações.
Silenciar ou desviar o extraordinário
resultado da CPI consiste não só em impunidade, mas também em permissividade
para a continuação de crimes contra a população. É o que fazem Bolsonaro, o
ex-médico Marcelo
Queiroga e o engavetador-mor Augusto Aras, três aventureiros do
cinismo e da exploração criminal do Estado e dos poderes de governo.
Os prazos
fixados pelo Supremo, para certas medidas de Bolsonaro e do Ministério da
Saúde, foram um começo. Não o necessário em respeito às instituições ultrajadas
por práticas criminosas, como provado pela CPI. E em igual respeito aos pais e
mães, filhos, netos e avós, cientistas, médicos e enfermeiros, escritores e
músicos, trabalhadores de todos os trabalhos, atingidos pela mortandade a que
foi juntado, sim, um genocídio —ainda não cessado e agora dirigindo-se a
crianças.
É puro ouro
O general Augusto Heleno, do Gabinete de
Segurança Institucional, anulou
suas sete autorizações para garimpo de ouro em áreas preservadas do
Amazonas e onde vivem dezenas de povos indígenas. Assim justificou o recuo:
"Considerando as novas informações técnicas e jurídicas, apresentadas
diretamente ao GSI", e segue.
A justificativa é falsa —velha
característica das justificativas de Augusto Heleno.
Nada gerou informação nova sobre a área. Ou
Augusto Heleno presenteou as
concessões apesar do que sabia a respeito da área e dos privilegiados,
ou as fez sem saber mais do que os
interesses a serem agraciados. Nas duas hipóteses, cometeu prevaricação.
Mais uma delinquência.
A anulação se deu, meio às pressas, em
vista da decisão de Lucas Furtado, um procurador da República de olhos abertos:
investigar no Tribunal de Contas as concessões a grupos já embargados pelo Ibama
e a chefes de garimpo ilegal com dragas fluviais.
Investigar o motivo dessas concessões, e de
mais 74 feitas antes por Augusto Heleno, aborreceria organizações originárias
de São Paulo e Rio, mas seria muito interessante. Na política, na Justiça e na
caserna.
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