O Estado de S. Paulo.
Estamos aprendendo que, na política, é
preciso ir além do enunciado de objetivos meritórios, que não suscitam
divergência maior
“Mais
do mesmo?”. Foi este, com a interrogação para expressar certo espanto, o título
de artigo que publiquei neste espaço em junho de 2014, quatro meses antes das
eleições presidenciais nas quais Dilma concorria a um segundo mandato.
Havia sido eleita em 2010, escolhida por Lula, que assim a apresentou em longa e imperdível entrevista ao jornal Valor Econômico (17/9/2009): “Hoje, com sete anos de convivência, não conheço ninguém que tenha a capacidade gerencial da Dilma”. Aquele artigo de 2014 dizia: “É bem possível que a máquina de propaganda do governo (...) convença mais da metade dos eleitores de que eles devem votar de olhos postos nas ‘conquistas’, que seriam – todas – ‘dos últimos 12 anos’ e que ‘eles’ (quaisquer oposições) iriam destruí-las se eleitos fossem. É lamentável, pela mentira, desfaçatez e hipocrisia, mas alguns dirão: ‘Isso é do jogo simbólico da política’. (...) O que realmente importa é que problemas de curto, médio e longo prazos estão levando a esta preocupante combinação (...) de muito baixo crescimento e relativamente alta inflação. (...) E mais: esses problemas terão de ser enfrentados depois de outubro, qualquer que seja o resultado das urnas. Ao que tudo indica, o discurso do ‘mais do mesmo’ tem prazo de validade estampado no rótulo”.
Não surpreende que Lula prefira falar de
seus oito anos que do período completo do lulopetismo no poder. Sabe que Dilma
não é grande ativo político e conhece, claro, sua responsabilidade pela escolha
da sucessora.
Mas nem Lula nem Bolsonaro poderão se referir
apenas ao que chamarão de “conquistas” de seus respectivos governos. Ambos,
assim como os demais candidatos, precisam discutir sua visão de futuro. Em
particular, as dificuldades de gestão do País no quadriênio 2023-2026.
Assim como Dilma em 2014, Bolsonaro – ou
alguns de seu círculo mais próximo – sabe que o presidencialismo de
confrontação tem prazo de validade, cujo limite foi testado nas intensas
preparações para o 7 de setembro de 2021. A despeito da grande mobilização de
fiéis seguidores, Bolsonaro foi obrigado a recuar de seus planos. Mas,
aparentemente, Trump, que pode voltar em 2024, continua sendo sua fonte
inspiradora.
Após três anos completos, parcela
expressiva da opinião pública deve ser capaz de avaliar o que tem sido o
governo Bolsonaro, o que se pode esperar deste último ano de mandato e, muito
mais importante, o que seriam mais quatro anos de “mais do mesmo”.
Alguém consegue imaginar um Bolsonaro
repaginado por marqueteiros políticos, como Lula em 2002? Ou três anos já
teriam demonstrado os perigos e riscos da continuidade de seu estilo de
governar? Mais quatro anos do mesmo seriam agravar a já precária situação
econômica, político-institucional e social em que nos encontramos. Para ela são
determinantes a falta de coordenação e articulação no âmbito do Executivo
federal e a disfuncionalidade de sua relação com os demais Poderes e com a
sociedade em geral; e a incapacidade de conceber e implementar políticas
públicas de Estado dignas deste nome, em áreas-chave para definir o futuro do País
– como educação, saúde, segurança, ciência e tecnologia, cultura, relações
internacionais e meio ambiente.
Todos os candidatos à Presidência, Lula
inclusive, deveriam indicar com clareza como veem os principais problemas do
País e apontar diagnóstico e prioridades de ações de governo. Há gente
competente no Brasil a ser mobilizada para tal.
Sabemos que, em política, é fundamental
manter sempre viva a chama da esperança em dias melhores para todos. Que isso é
feito, tipicamente, por meio de discursos que enfatizam promessas e
compromissos de mudanças. Mas é também verdade que estamos, governo e
sociedade, aprendendo que é preciso ir além do enunciado de objetivos
meritórios, formulados genericamente, que não suscitam divergência maior. A
discussão relevante é sobre como avançar, de forma eficaz, no encaminhamento
prático de soluções para nossos inúmeros e inegáveis problemas, que demandarão
tempo, esforço, energia, dedicação e competência para as articulações técnicas
e políticas necessárias.
Fazer um bom governo é, em última análise,
assegurar o aumento da eficiência dos gastos, das ações e políticas
governamentais, em particular nas áreas social, regulatória, de segurança e
econômica. E, com isso, contribuir para a redução das incertezas que afetam o ânimo
empresarial, a confiança dos consumidores e poupadores e as expectativas sobre
o País e seu futuro.
Não prestam serviço ao País aqueles que o
dividem de maneira simplória e maniqueísta entre um vago “nós” e um não menos
vago “eles”, recurso retórico destinado a incendiar a militância nas redes
sociais que, no entanto, em nada contribui para a elevação da qualidade do
debate e a clareza da opinião pública.
Toda sociedade precisa ter alguma consciência social de seu passado, algum entendimento do presente como história e um mínimo de senso de perspectiva. Mesmo quando sabemos que o que realmente importa é sempre o incerto futuro – e que a história nunca se repete, com frequência ensina... e nunca deve ser esquecida.
*Economista, foi ministro da fazenda no governo FHC.
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