Folha de S. Paulo
É bom ter indivíduos sem vínculos
partidários para organizar eleições
Vivo falando mal da Justiça
Eleitoral, que completou 90 anos. Ela é, na minha avaliação, excessivamente
autoritária e intervencionista. Tais críticas não me impedem de reconhecer que
é uma mão na roda poder contar com um corpo de indivíduos sem vínculos
partidários para organizar eleições. Pela inversa, seria um problema se
incumbíssemos candidatos e legendas de gerenciar os aspectos mais concretos dos
pleitos.
O tamanho da encrenca potencial pode ser observado olhando para os EUA, país que tem muito a ensinar em termos de democracia, mas nada em termos de eleições. Os EUA utilizam o voto distrital majoritário para definir os representantes dos estados na Câmara e a composição dos legislativos locais. A cada dez anos, os estados precisam redesenhar os distritos, para acompanhar a evolução demográfica captada no Censo.
O resultado é um desastre. O partido com
maioria na ocasião do redesenho puxa a brasa para a sua sardinha, moldando os
distritos com o propósito de favorecê-lo. A manobra ganhou até termo próprio na
língua inglesa: "gerrymandering", contração do nome de um político do
século 19, Elbridge Gerry, e salamandra, numa referência à aparência de um
distrito criado em Boston para beneficiá-lo.
Um dos campeões em
"gerrymandering" era Michigan. O estado tem um eleitorado bem
dividido entre democratas e republicanos, mas, nas instâncias legislativas
decididas em distritos, a posição dos republicanos era inexpugnável, devido ao
acúmulo de décadas de "gerrymandering" pró-republicano. A situação
ficou tão escancarada que, no último pleito, os michiganders aprovaram em
plebiscito uma lei que transferiu do Legislativo para uma comissão independente
a incumbência de redesenhar os distritos. Este ano, pela primeira vez em
décadas, haverá eleições legislativas equilibradas no estado.
Não é porque alguns perigos não estão
imediatamente à vista que eles não existem.
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