EDITORIAIS
Guerra traz incerteza à economia global
O Globo
Enquanto se assiste aos bombardeios e ao
desespero de civis na Ucrânia, invadida pela Rússia nesta semana sem ter
cometido nenhuma provocação, os analistas tentam avaliar as consequências do
conflito na economia global. É tarefa árdua, praticamente impossível, porque
depende da resposta a uma pergunta: quais são os planos de Vladimir Putin? Além
dele, aparentemente ninguém sabe.
Se Putin decidir mudar o governo ucraniano
e, em seguida, mandar suas tropas retroceder às bases, o efeito econômico será
menor. Caso decida aumentar o escopo da guerra para redesenhar o mapa
geopolítico da Europa, o estrago será imenso, no mínimo uma nova recessão
global. É um cenário menos provável, mas longe de impossível. Diante da
incerteza, as principais Bolsas de Valores sofreram queda acentuada nesta
semana. Foram surpreendidas pela invasão, mas ainda não estão numa situação que
denote a proximidade de uma crise financeira.
O certo é que a economia mundial cresceria
mais neste ano sem a guerra na Ucrânia. Por não saber o que esperar,
consumidores e empresários, principalmente nas regiões mais próximas, perdem
esperança no futuro e tendem a adiar planos de consumo e investimento. Quanto
mais tempo a guerra levar para acabar, maior será a corrosão da confiança.
A Europa depende do gás russo para gerar energia, sobretudo a Alemanha e a Itália. O inverno europeu, agora próximo do fim, foi ameno. O estoque de gás na região está em nível superior ao previsto pelos analistas. Por isso a questão do abastecimento perdeu urgência, pelo menos no curto prazo. Mas não se tornou irrelevante. Um conflito prolongado a tornaria prioritária. Por ora, o mais imediato é o temor de descontrole maior da inflação já em alta, como resultado da escassez dos produtos exportados pela Rússia — como gás, petróleo e grãos.
No Brasil, o trabalho do Banco Central para
controlar a alta de preços provocada pela pandemia se tornou mais complicado. A
prévia da inflação de fevereiro ficou acima do esperado — 0,99%, o maior nível
para o mês desde 2016. Agora com a agressão de Putin à Ucrânia, a tarefa de
trazer o índice para a meta neste ano e em 2023 exigirá ainda mais rigor do BC.
Uma das possíveis consequências é a manutenção dos juros em patamar elevado por
mais tempo. Outro ponto de preocupação na área financeira é a eventual
debandada dos investidores de países emergentes, em busca de ativos menos
arriscados. Inflação e fuga de capitais são dois dos possíveis canais de
contágio dos efeitos da guerra na economia brasileira.
No agronegócio, o que tira o sono é a possibilidade
de o conflito atrapalhar a chegada de fertilizantes. A Rússia lidera as
exportações globais de fertilizantes nitrogenados, é o segundo fornecedor de
nutrientes derivados do potássio e o terceiro nos fosfatados. Pouco mais de 20%
dos produtos usados nas lavouras brasileiras vêm de empresas russas. Na
eventualidade de as entregas serem interrompidas, uma saída é o Brasil aumentar
os carregamentos dos demais mercados de onde importa. Se isso será necessário,
ninguém sabe. A marca do atual momento, quando a guerra não completou ainda nem
uma semana, é a incerteza.
Senado precisa tratar legalização dos jogos
com racionalidade
O Globo
Em que pese o oportunismo do presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao privilegiar uma agenda pessoal, foi positiva a
aprovação, por 246 votos a 202, do projeto de lei que legaliza os jogos de
azar, proibidos desde 30 de abril de 1946. Apesar de todas as pressões da
bancada evangélica e do próprio presidente Jair Bolsonaro, que prometeu vetar a
proposta, os parlamentares tiveram o mérito de tratar a questão de forma
racional, sem o viés moralista e religioso que costuma impregnar as discussões
sobre o assunto.
O projeto estabelece o Marco Regulatório
dos Jogos no Brasil e propõe legalizar cassinos voltados para a atividade
turística, jogo do bicho, bingos, videobingos, apostas on-line e em corridas de
cavalos. Pela legislação atual, os jogos de azar são enquadrados como
contravenção penal.
É preciso reconhecer que, em sete décadas
de proibição, os jogos de azar nunca estiveram na prática proibidos. Só no
papel. Apontadores do jogo de bicho recebem apostas às claras nas ruas do Rio
de Janeiro, às vezes nas imediações de quartéis da Polícia Militar e de
delegacias. Apostas on-line em sites hospedados noutros países são
corriqueiras. Máquinas caça-níqueis nunca deixaram de funcionar, enchendo os
bolsos de gângsteres, como comprovam inúmeras apreensões feitas pela polícia.
Todo mundo sabe que o jogo existe, mas finge-se que a lei é cumprida, e fica
tudo por isso mesmo.
Importante dizer que o Estado não arrecada
1 centavo. Estima-se que os jogos ilegais no Brasil movimentem mais de R$ 27
bilhões por ano, superando em 60% o montante dos legalizados (R$ 17,1 bilhões).
Dados apresentados em audiências públicas na Câmara durante a discussão do
projeto mostram que o país poderá arrecadar R$ 22 bilhões por ano em tributos e
mais R$ 7 bilhões em outorgas de cassinos. A legalização dos jogos, além de
incentivar o turismo, ainda poderá gerar 200 mil novos empregos e formalizar
outros 450 mil. Nos Estados Unidos, onde existem mais de mil cassinos — destino
de muitos brasileiros —, a indústria gera 1,7 milhão de empregos.
O projeto aprovado na Câmara cria um
imposto, o Cide-jogo, que recolherá 17% da receita bruta dos empresários. A
ideia é que os recursos arrecadados sejam usados nas áreas de turismo, meio
ambiente, cultura, segurança pública e desastres naturais.
É preferível legalizar os jogos e
submetê-los ao controle do Estado a fingir que eles não existem. O Ministério
da Economia tem instrumentos e competência para regulamentar o setor e mantê-lo
sob vigilância. O projeto prevê a criação de uma agência reguladora, ligada a
esse ministério, que teria entre suas missões coibir a lavagem de dinheiro, uma
das preocupações sensatas dos que são contra a legalização.
Espera-se que o debate no Senado, para onde
seguirá o projeto, ocorra em bases racionais, sem ceder aos lobbies da bancada
religiosa. Os senadores precisam levar em conta que os jogos já estão aí de
forma clandestina. Muitos ganham com isso. Só quem perde é o Estado.
Sem negociação
Folha de S. Paulo
Policiais de MG extrapolam os limites
legais com atos e ameaças por reajuste
Com uma atitude em que se misturam
desfaçatez e perfídia, forças de segurança de Minas Gerais iniciaram
um movimento destinado a arrancar do governador Romeu Zema (Novo) um
reajuste salarial prometido no início de mandato.
Não haveria nada anormal se estivessem
sentados numa mesa de negociação. Policiais apresentariam suas demandas,
enquanto o governador mostraria as limitações orçamentárias do estado, pediria
desculpas pela oferta inconsequente feita anos atrás e tentaria chegar a bom
termo.
Os agentes, contudo, tomaram as ruas na
segunda-feira (21), numa manifestação que reuniu policiais militares da ativa,
policiais civis e agentes penitenciários.
Como se fosse pouco, distribuíram
ameaças de novos protestos, decidiram reduzir o volume de serviço prestado
à população pagadora de impostos e, o que é pior, deliberaram sobre o que
chamaram de paralisação ou greve.
Há muitos problemas nessa sequência
desabrida, a começar pela escolha das palavras. Falar em
"paralisação" ou "greve" não passa de um escárnio, pois o
nome correto dessa atitude criminosa é motim.
A
Constituição proíbe a greve de membros das Forças Armadas e de
policiais militares. Desde 2017, o Supremo Tribunal Federal estendeu o veto a
policiais civis e federais.
A restrição existe por razões óbvias.
Agentes de segurança desempenham atividade essencial à população, o que já
seria motivo suficiente. Mas o principal é que são profissionais armados, cuja
mobilização não só representa um risco inegável para a sociedade como se
confunde com um gesto de ameaça.
Coube ao coronel Rodrigo Sousa Rodrigues,
comandante-geral da Polícia Militar de Minas, acrescentar pinceladas
surrealistas a esse quadro. Atuando como líder sindical, não como chefe de uma
organização pautada pela hierarquia, deu sinal verde para seus subordinados
agirem contra as leis.
Embora greves oportunistas de policiais não
sejam novidade, é evidente que o contexto do bolsonarismo insufla o espírito
corporativista das categorias armadas. O presidente Jair Bolsonaro (PL) é o
primeiro a apostar na cooptação de policiais civis e militares com a
distribuição de benesses concretas e promessas vazias.
A prática, condenável pelo que tem de
obscuro e espúrio, ainda contamina as forças nos estados. Como se vê em Minas,
até profissionais de alta patente encampam o discurso da ilegalidade.
É inegável que a estrutura das forças de
segurança deixa a desejar, assim como a de boa parte do serviço público
brasileiro. Mas não há negociação possível quando uma das partes rasga a
Constituição que deveria proteger.
O futuro da Petrobras
Folha de S. Paulo
Estatal põe ênfase em rentabilidade em
detrimento de plano de descarbonização
O inédito lucro
anual de R$ 106,6 bilhões em 2021 e a promessa de distribuir R$ 37,3
bilhões em dividendos põem a Petrobras em posição brilhante. À vista curta,
parece uma das empresas petrolíferas mais atraentes do mundo.
A rentabilidade da companhia se destaca no
setor, com 34,6% de margem líquida, segundo dados da base Economática nos 12
meses até 30 de setembro. Gigantes como ExxonMobil (-2,5%), Chevron (7,1%) e BP
(4,6%) ficam bem atrás.
No entanto o valor de mercado da Petrobras
equivale a meras 2,3 vezes sua geração de caixa (Ebitda). Uma indicação de que
a confiança na robustez da petroleira é limitada, na comparação com essas
congêneres: ExxonMobil (9,6 vezes), Chevron (7,8) e BP (7).
Existem várias razões para explicar a
valoração contida, que incluem os caprichos de um governo disfuncional e
populista como o de Jair Bolsonaro (PL) —sempre pronto a ameaçar o interesse de
investidores minoritários intervindo na alta direção da companhia e atacando
sua política de preços.
No Brasil se dá pouca atenção, contudo, ao
risco estratégico implícito na atitude da Petrobras diante das mudanças
climáticas e das políticas de governança que o mundo vem desenhando para
enfrentá-las. Todos agem como se o Acordo de Paris (2015) e a COP26 (2021) não
tivessem sido mais que simpósios acadêmicos.
Com maior ou menor grau de consequência,
outras petroleiras propõem transformar-se em empresas de energia limpa.
Posicionam-se para o provável encarecimento do crédito e a tendência de
desinvestimento impostos a combustíveis fósseis pela meta de cortar pela metade
emissões de carbono até 2030 e zerá-las em 2050.
Na contracorrente, a Petrobras manteve
decisão, em seu plano estratégico de cinco anos, de não investir na geração de
energia renovável, como usinas eólicas e fotovoltaicas. O tema permanece mais
restrito à sua área de pesquisas, enquanto o foco da produção prossegue no alto
rendimento do pré-sal.
A estatal aderiu ao compromisso de
neutralizar emissões de carbono até 2050, mas se esquiva de apostar de modo
criterioso e decidido em fontes alternativas, as quais renderiam menos que seus
poços de profundidade.
Para alcançar a descarbonização, a empresa
dependente de combustíveis fósseis terá de contar em poucas décadas com
tecnologias ainda incertas e provavelmente custosas.
Guerra, sombra e água fresca
O Estado de S. Paulo
Como se o Brasil não fizesse parte do
mundo, Bolsonaro passeia e faz campanha eleitoral em vez de preparar o País
para os efeitos da guerra na Ucrânia
Enquanto dirigentes dos principais países
se mobilizavam para evitar o agravamento da crise internacional provocada pela
invasão da Ucrânia pela Rússia e minimizar seus múltiplos impactos sobre a
economia mundial, despreocupadamente o presidente Jair Bolsonaro caminhava no
meio de apoiadores em nítido clima de campanha eleitoral fora de época e
participava de “motociata” no interior de São Paulo. Era como se o Brasil
estivesse livre das consequências que com certeza terá de enfrentar. Pressões
sobre os preços internos por conta do aumento da cotação do petróleo,
dificuldades de suprimento de bens essenciais, como fertilizantes e trigo, e
queda da demanda de importantes itens da pauta de exportações do País são
alguns dos efeitos previsíveis, embora seu impacto ainda seja difícil de
aferir. A atividade econômica interna, já baixa demais, pode diminuir.
Agindo de modo irresponsável na questão
russo-ucraniana, inclusive com um encontro em Moscou com o autocrata russo,
Vladimir Putin, e uma declaração antecipada de “solidariedade” ao país poucos
dias antes da invasão da Ucrânia, Bolsonaro apenas se mostra, mais uma vez,
como efetivamente é. Desde sua posse, exibe incrível inaptidão para o cargo,
desconhecimento de seu papel nos planos interno e internacional e desprezo por
tudo que não lhe renda supostos ganhos eleitorais.
Mas não quer perder a pose. Quando soube
que o vice-presidente da República, general da reserva Hamilton Mourão, cobrara
um posicionamento mais firme do Brasil em defesa da soberania das nações, o que
significa uma crítica clara ao governo russo, Bolsonaro reagiu à sua moda. Em
sua live semanal das quintas-feiras, afirmou que “quem fala sobre o assunto
(relações exteriores) é o presidente da República, e chama-se Jair Bolsonaro”.
Nem precisava dizer: a desastrosa política externa brasileira tem a assinatura
inconfundível de Jair Bolsonaro.
Sempre que resolve exercer a autoridade que
julga não ser reconhecida, o País padece. Que o digam os que sofreram ou sofrem
com a pandemia de covid-19 e com a crise econômica e social que trava o
crescimento, retarda a recuperação do mercado de trabalho, comprime a renda de
quem consegue manter uma ocupação e empurra milhões de cidadãos para abaixo da
linha de pobreza.
A respeito da agressão russa contra a
Ucrânia, que lançou o mundo em grave incerteza, Bolsonaro, malgrado reivindicar
o poder que a Constituição já lhe garante, não teve nada relevante a dizer.
Pior: tampouco anunciou qualquer iniciativa para demonstrar que seu governo
está mobilizado para elaborar medidas coordenadas no sentido de minimizar o
impacto da crise no Brasil, que tende a ser considerável.
Com a iminência da chegada ao Brasil das
consequências mais diretas da invasão da Ucrânia sobre a atividade econômica,
Bolsonaro provavelmente já está empenhado em arranjar mais desculpas – sua
especialidade – para fugir da responsabilidade que, esta sim, é própria de seu
cargo.
Especialista em criar ilusionismos,
Bolsonaro talvez diga ao eleitorado que o País vinha bem, mas a guerra na
Europa, ora vejam, impediu que a recuperação se acelerasse. Se fizer isso,
mentirá duas vezes: uma, porque o País já vinha mal, mesmo antes da pandemia de
covid-19, e a guerra, assim como o vírus, nada tem a ver com a incompetência do
governo; outra, porque, se a questão ucraniana afetar a economia brasileira,
como se presume, apenas acentuará os erros que se acumularam nos últimos três
anos.
O País já se acostumou, e até faz piada
disso, com as seguidas promessas de “recuperação em V” anunciadas pelo
desacreditado ministro da Economia, Paulo Guedes, mesmo diante de indicadores
que demonstram crescimento medíocre, inflação e persistente desemprego. O
problema é que a piada está ficando muito sem graça – e o isolamento
progressivo do Brasil no cenário internacional, intensificado por ações,
inações e declarações obtusas de Bolsonaro sobre a crise europeia, somado à dedicação
exclusiva do presidente à reeleição, tende a piorar uma situação que já seria
ruim mesmo se o Brasil tivesse um governo decente.
Um drible inaceitável na ANS
O Estado de S. Paulo
Criada para resolver disputa por vagas em
agências, lista de substitutos é completamente desvirtuada quando interinos
ocupam cargos por anos
A criação das agências reguladoras foi uma
conquista republicana, mas sua independência não é natural e precisa ser
defendida dia a dia pela sociedade. Estabelecidas por lei como órgãos de
Estado, e não apêndices do governo de plantão, às agências foi garantida
autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira, bem como ausência
de tutela ou de subordinação hierárquica. Um dos pilares que sustentam a
soberania das decisões das diretorias colegiadas é o fato de que seus
dirigentes detêm estabilidade e mandato fixo: após aprovação em sabatina no
Senado, não podem ser demitidos nem pelo presidente da República. Por isso é
inaceitável o drible que tem ocorrido na Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS).
O arranjo, revelado pelo Estadão, consiste
num rodízio ininterrupto de servidores alçados a diretores substitutos, de
forma que o que era para ser algo temporário – a ocupação de funções por
superintendentes até a nomeação dos definitivos – assumiu caráter permanente no
órgão regulador. Dos cinco cargos de diretoria na ANS, apenas o presidente,
Paulo Rebello, passou pelo crivo no Senado. Os demais são todos funcionários
públicos que estão no ofício “interinamente” há dois anos consecutivos – César
Brenha Rocha Serra, Bruno Martins Rodrigues e Maurício Nunes da Silva.
Não se trata de questionar a competência
dos servidores, mas a lei determina um limite de 180 dias para que um
funcionário público permaneça como diretor substituto. O que ocorre na ANS é
uma deturpação que já ganhou até apelido: “escravos de Jó”, uma referência à
conhecida brincadeira de criança. A manobra consiste em, a cada 180 dias,
alterar os nomes dos ex-diretores que esses servidores estão substituindo, como
se estivessem sempre numa nova suplência.
Tudo isso ocorre com aval da
Advocacia-geral da União (AGU), que emitiu parecer que respalda essa ciranda.
“Embora a situação não tenha sido prevista expressamente pelo legislador, é
preciso buscar uma interpretação que assegure a maior efetividade à
continuidade do serviço público e à capacidade decisória da agência, desde que
a interpretação se mantenha dentro dos limites do texto legal”, disse a AGU. Em
nota, a ANS afirmou que “segue estritamente o que determina a legislação no
processo de nomeação e substituição da diretoria”.
Embora o Senado tenha aprovado o nome de
duas pessoas para assumir o mandato da diretoria da ANS em dezembro, o
presidente Jair Bolsonaro ainda não os nomeou – um deles é justamente um dos
substitutos, Maurício Nunes da Silva, e o governo não explicou por que razão
ele não foi confirmado no cargo até agora. Outras duas indicações aguardam
escrutínio dos senadores há três meses. A desculpa oficial para a demora, nesse
caso, é o avanço da covid-19 – as sabatinas são obrigatoriamente presenciais e
têm sido continuamente adiadas.
É impressionante a criatividade do setor
público para desvirtuar o cumprimento da legislação. A lista de substituição,
que não existia até junho de 2019, nasceu para resolver um problema recorrente
no governo da presidente Dilma Rousseff: vagas que ficavam abertas por anos em
razão de disputa política, não raro impedindo que as agências tivessem quórum
mínimo para deliberações. Com a lista de substitutos, isso não acontece mais.
O que a ANS não explicitou é que os
integrantes dessa lista, como estabelece a lei, são designados pelo presidente
da República “entre os indicados pelo Conselho Diretor ou pela Diretoria
Colegiada”. Ou seja, desde o ano passado, cabe apenas e unicamente a Paulo
Rebello escolher os substitutos que tomarão, ao lado dele, decisões sobre um
setor tão relevante como o de planos de saúde. É precisamente por isso que há o
limite de 180 dias para ocupar essas funções. Do contrário, parece – e é – concentração
de poder na mão de uma só pessoa. Foi para evitar essa distorção que o
Executivo propôs, e o Legislativo aprovou, há 22 anos, dar ao Senado a
prerrogativa de aprovar ou reprovar os diretores. É em nome da lei que esse
princípio deve ser respeitado.
Jogatina com incentivo fiscal
O Estado de S. Paulo
Com aval dos deputados para retirada dos
jogos da clandestinidade, País está nas mãos do Senado para evitar o pior
Em mais um sinal da crise moral que o País
atravessa, a Câmara deu aval à atuação legal de cassinos, bingos, apostas online
e jogo do bicho. Desrespeitando todas as vozes contrárias à jogatina, como se a
atividade fosse mera diversão condenada apenas por falsos moralistas, os
deputados aprovaram, em apenas dois dias, um projeto condenado não só por
religiosos, mas por todos os órgãos de controle e fiscalização e por
especialistas em saúde pública e assistência social. É mais uma façanha da
gestão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara.
Ao insulto somou-se a injúria: não bastasse
ter ignorado os sólidos argumentos dos que se opõem à liberação da jogatina, a
maioria dos parlamentares não viu problemas em aprovar um projeto que impõe uma
singela alíquota de 17% sobre a operação de apostas, por meio da Contribuição
de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) – mesmo tratamento dado a empresas
de entretenimento, como justificou o relator, deputado Felipe Carreras
(PSB-PE).
Desse modo, uma atividade historicamente
associada a tráfico de drogas, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e
financiamento do crime organizado, e que ademais arruína a vida financeira,
social e familiar dos jogadores compulsivos, terá uma tributação mais favorável
do que aquela incidente sobre itens essenciais, como energia elétrica,
combustíveis, medicamentos e até alimentação, conforme informações do Impostômetro
da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e do Instituto Brasileiro de
Planejamento e Tributação (IBPT). É como se houvesse um incentivo fiscal à
degradação da sociedade.
Pelo texto, os jogos de azar serão
supervisionados por um “órgão regulador e supervisor geral”. A essa agência
nacional da jogatina caberá garantir que as operadoras trabalhem com recursos
de “origem lícita” e identificada, além de exigir dos controladores das
empresas “reputação ilibada”. A agência ainda estabelecerá limites:
selecionará, por meio de licitação, cassinos e casas de bingo e elaborará um
cadastro nacional dos viciados para impedi-los de entrar nos estabelecimentos.
Todos os processos judiciais sobre aqueles que exploram a atividade ilegal
serão extintos, e os acusados, anistiados. Seria cômico se não fosse trágico,
mas a Câmara dos Deputados realmente se superou.
Nem a mobilização da bancada evangélica,
apoiadora de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro, conteve o deletério
ímpeto dos parlamentares. Agora, restará ao País contar com o juízo dos
senadores para evitar que o Brasil se torne um paraíso fiscal da jogatina, na
feliz expressão do vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos – que lembrou que
os países que legalizaram os jogos impõem uma tributação de até 50%.
De Bolsonaro, por sua vez, não se deve
esperar nada: o sempre eloquente presidente mal falou sobre o assunto. A
apoiadores, lavou as mãos, pregou a autonomia do Legislativo e sinalizou que
vetará a proposta caso seja aprovada pelos senadores, mas, roteiro pronto e
manjado, não fará o menor esforço para manter o veto.
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