O Globo
Boa parte das carreiras federais ganha mais
que o cidadão médio. E as privilegiadas pelo presidente tiveram os maiores
aumentos
No último mês, eclodiram reivindicações
salariais no funcionalismo federal. Frente a uma proposta ventilada pelo
governo de conceder reajuste salarial aos policiais federais e policiais
rodoviários federais, outras categorias reagiram.
Houve protestos em Brasília. Os servidores
do Banco Central paralisaram suas atividades. Ministros do Supremo Tribunal
Federal alertaram que reajustes para categorias particulares poderiam gerar uma
série de ações na Justiça.
Mas como o salário dos servidores públicos
se compara ao resto dos contribuintes?
Os dados mais abrangentes sobre a renda de profissões distintas vêm da Receita Federal. Todo ano, a Receita processa os dados do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) e publica tabulações contendo a renda média declarada por ocupação dos declarantes.
Como os dados incluem toda a população
tributária, eles têm um grau de precisão e granularidade muito maior do que
aqueles vindos de pesquisas em domicílio. Mas eles também têm suas
particularidades.
A primeira é o fato de que nem todo mundo
declara IRPF no Brasil. Na verdade, quase ninguém fora do quinto mais rico
declara renda. O contribuinte médio do IRPF, portanto, não é o brasileiro
médio. O contribuinte médio tem uma renda mensal média de R$ 9,7 mil, enquanto
o brasileiro ganha em média R$ 2,6 mil por mês.
E os funcionários públicos? Há uma variação
muito grande entre as carreiras. Mas muitas delas estão no topo da distribuição
de renda.
Em 2020, dado mais recente da base da
Receita, militares das forças federais ganharam, em média, R$ 12 mil por mês,
em valores atualizados pela inflação. Policiais civis (federais e estaduais),
R$ 15,5 mil. Servidores do Ministério Público, R$ 16 mil. Professores de ensino
superior, R$ 17 mil. Servidores do Legislativo e Judiciário (federais e
estaduais), R$ 19 mil. Servidores do Banco Central, R$ 33 mil. Advogados do
setor público, R$ 35 mil. Diplomatas, R$ 50 mil. Juízes, desembargadores e
ministros do Judiciário, R$ 58 mil. Promotores e procuradores, R$ 61 mil.
Alguns detalhes importantes. Primeiro: essa
conta inclui todas os rendimentos, tributáveis e não tributáveis, mesmo que
eles não sejam o salário dos funcionários públicos. A vantagem de trabalhar com
esse número é que ele inclui penduricalhos, como auxílios que são isentos de
imposto. Caso haja tentativa de compensar perda de salário com esse tipo de
mecanismo, esse dado não é afetado.
Além disso, cada carreira tem suas
particularidades. Por exemplo, diplomatas aparecem entre as carreiras que mais
recebem. A remuneração deles de fato é muito boa, mas o valor que aparece na
base da Receita tem uma distorção para cima, uma vez que os diplomatas que
moram no exterior ganham em dólar, mas declaram IRPF o equivalente em real,
hoje desvalorizado.
Essa é a fotografia do momento: diversas
categorias do funcionalismo ganham mais do que o contribuinte médio, que, por
sua vez, já é bem mais rico que o brasileiro médio. Mas qual foi a evolução
desses salários ao longo da última década?
Antes de mais nada, um pouco de contexto.
Os últimos dez anos incluem duas grandes crises: a Crise da Nova Matriz
Econômica (2014-16) e a Recessão do Coronavírus (2020). Houve ampla perda de
renda e de emprego durante esses períodos. Também por isso, a renda real (isto
é, ajustada pela inflação) do contribuinte médio caiu 2,1% entre 2011 e 2020.
Entre funcionários públicos, os principais
ganhadores foram delegados e policiais, com um ganho real de quase 24% no
período. Também se destacam: servidores do Ministério Público e Judiciário, com
ganhos de 14% a 17%; e militares, com ganhos reais entre 4,6% e 12,6%, a
depender da Força.
Juízes e promotores/procuradores, que têm
seus rendimentos perto do teto do funcionalismo público, tiveram queda de 6,8%
e 3,2% no período, respectivamente. Portanto, observa-se que a decisão política
de reajustar o teto do funcionalismo abaixo da inflação na última década
alcançou o resultado desejado, contendo o aumento dos supersalários.
Por causa da legislação eleitoral, o
governo tem de decidir sobre reajustes salariais até março. Neste debate, é
importante ter o contexto acima em mente. Boa parte das carreiras federais já
ganha muitas vezes mais que o brasileiro típico. E as carreiras privilegiadas
pelo presidente Bolsonaro são justamente aquelas que já tiveram os maiores
aumentos na última década.
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