O Globo
O Projeto de Lei 2.630/2020, apelidado de
PL das Fake News, vive tantos impasses, que é difícil saber onde vai parar. Ele
pode tanto ser aprovado na semana depois do carnaval como ser engavetado. Pode
vir a ser um robusto marco regulatório ou também terminar como um conjunto
mal-ajambrado de regras ruins. Há pelo menos quatro grandes impasses.
O primeiro é a moderação de conteúdo em mídias sociais. Facebook, Twitter e outras precisam moderar o que é publicado pelos usuários — apagar, reduzir o alcance ou rotular conteúdo que viola os termos de uso dos serviços. Sem moderação, as plataformas seriam inundadas por spam, pornografia e discurso de ódio.
Só que a moderação é muito custosa porque o
conteúdo publicado é abundante, e as regras complexas. Para reduzir o custo, as
empresas automatizaram o procedimento com inteligência artificial. A moderação
automática, porém, é pouco precisa e, por isso, muitas publicações lícitas são
apagadas. O problema é particularmente agudo em conteúdos políticos. Ativistas
de direita e esquerda alegam perseguição e censura.
Para enfrentar o problema, o PL determinou
regras de transparência, notificação e recurso, de maneira que os usuários
cujos conteúdos sejam apagados ou restritos sejam avisados de que a publicação
foi moderada, sejam informados sobre que regra foi infringida, tenham a
oportunidade de recorrer da decisão, e eventuais erros sejam reparados. As
empresas alegam que esses novos procedimentos, por ser onerosos,
desestimulariam a moderação, resultando em mais conteúdo impróprio. Alegam
também que as regras de reparação são mal desenhadas.
O segundo impasse envolve o tratamento da
publicação dos políticos nas mídias sociais. É um tema sensível para o
Congresso, que ainda não assimilou a prisão do deputado Daniel Silveira depois
de atacar ministros do Supremo. A punição foi vista por muitos congressistas
como violação do princípio da imunidade parlamentar.
O relator do PL, deputado Orlando Silva,
incluiu no projeto um artigo sobre imunidade parlamentar. Segundo ele, a
inclusão não faz mais do que relembrar o princípio já vigente. Mas, se fosse
apenas redundante, não precisaria ter sido incluído. A presença desse artigo
num PL que regula mídias sociais seguramente dará margem a interpretações de
que a publicação de políticos não pode ser moderada. Isso é preocupante, porque
seguidos estudos têm mostrado que os maiores difusores de desinformação são
justamente os políticos com mandato.
O terceiro impasse é a regulação dos
serviços de mensagens privadas. A versão do PL aprovada no Senado incluía a
rastreabilidade de conteúdos virais, o que permitiria identificar a cadeia de
encaminhamento das mensagens em aplicativos como o WhatsApp. Hoje, mensagens
ilícitas viralizam, e não há nenhum instrumento que permita investigar sua
origem.
A rastreabilidade de mensagens virais
enfrenta forte oposição das empresas que não querem ser reguladas, de
organizações de direitos digitais contrárias à guarda de metadados e de
políticos que fazem uso malicioso dessas mensagens. Embora o deputado Orlando
Silva esteja tentando construir um consenso sobre a retirada da
rastreabilidade, ela pode muito bem voltar no Senado (e, em seguida, ser vetada
pelo presidente).
Por fim, o quarto impasse é a exigência de
que empresas com grande participação no mercado constituam representantes no
país, sob pena de sanções. O artigo não foi pensado para nenhuma empresa em
particular, mas ganhou grande repercussão com a recusa do Telegram — que não
tem representante no Brasil —a cumprir determinações judiciais.
O tema é politicamente sensível porque o
Telegram tem sido usado pelo presidente Bolsonaro e por seus apoiadores. Para a
Justiça Eleitoral, há o temor de que o jogo sujo político que vimos no WhatsApp
em 2018 migre em 2022 para o Telegram. Da parte dos bolsonaristas, há o temor
de que a medida seja usada pelo TSE e pelo STF para censurar o discurso da
direita.
O relator mais uma vez parece estar
construindo um consenso, criando sanções escalonadas e proteções contra o abuso
judicial. Mesmo assim, a medida terá a oposição de bolsonaristas nas duas Casas
e será vetada pelo presidente. Com o tempo de aprovação, o tempo de veto, o
tempo para derrubar o veto e a vacatio legis (prazo para entrar em vigor), um
eventual bloqueio do Telegram aconteceria perto demais da campanha eleitoral,
causando enorme tumulto político.
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