Revista Veja
Lula e Kassab dão sinais de que atuam
juntos para assegurar embate entre PT e Bolsonaro
Luiz Inácio da Silva e Gilberto Kassab não
deixam a menor dúvida. São dois políticos graduados e doutorados em astúcia no
ramo. Por isso mesmo o primeiro não dá por decidida a parada eleitoral de
outubro apesar da folgada dianteira; o segundo não põe fé sincera num embate
diferente do indicado desde já nas pesquisas e ambos sinalizam a execução de
uma operação casada. Parecem atuar juntos para obstruir o caminho da dita
terceira via.
Se o bloqueio será exitoso, veremos. Política,
notadamente a brasileira, não se submete a regras perenes. Muda, diz a
tradição, na cadência das nuvens. Mas, hoje, o que temos nos quatro principais
colégios eleitorais do país é um quadro de cerco às chamadas forças de centro.
No primeiro, São Paulo, firma-se
candidatura própria do PT ao governo na pessoa de Fernando Haddad, com a
retirada da cena estadual de Geraldo Alckmin, que estava apalavrado com o PSD
de Kassab para se filiar e concorrer ao Palácio dos Bandeirantes, mas cogita
integrar a chapa de Lula como candidato a vice-presidente.
No segundo colégio eleitoral, Minas Gerais, o PT articula apoio ao prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, do PSD. No terceiro, Rio de Janeiro, o apoio do PT seria a Marcelo Freixo, do PSB, com morde e assopra que talvez possa mudar de posição o prefeito Eduardo Paes (PSD). No quarto colégio, a Bahia, Lula já admite abrir mão do senador Jaques Wagner na disputa ao governo para apoiar a candidatura do senador Otto Alencar. De qual partido? PSD de Gilberto Kassab.
Como se vê, embora Lula praticamente não saia de casa, não circule, não vá às ruas, não significa que esteja jogando parado, como registram alguns analistas. Ao contrário, movimenta-se muito. Já o presidente Jair Bolsonaro circula, vai às ruas, cria de fatos a factoides, mas até agora não conseguiu fechar acordos ou encaminhar negociações político-partidárias nos colégios mais poderosos tão inicialmente consistentes quanto as de seu principal adversário.
Bolsonaro fechou com a candidatura de seu
ministro (Infraestrutura) Tarcísio Gomes de Freitas em São Paulo, consolidou
aliança com o governador do Rio, Cláudio Castro, mas ainda não obteve
confirmação de apoios promissores nesses dois estados. Nos outros em que Lula
atua fortemente, Bahia e Minas, o presidente conta com mais dúvidas que
certezas.
Na realidade, o cenário é adverso no geral.
Seus aliados do Centrão em algumas localidades estão divididos, em outras, como
no Nordeste, ficam com Lula. Isso a despeito de todas as benesses ofertadas, da
entrega da agenda do Congresso ao mando do presidente da Câmara e da cessão do
manejo do Orçamento da União e da função de arbitrar divergências entre
ministérios ao PP de Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil. O presidente
deu de tudo e até agora não lhe foi assegurada a esperada reciprocidade.
Enquanto Lula joga sua rede de pesca no mar
do centro e da direita, Bolsonaro resiste a sair da bolha de fiéis. Insiste em
agradá-los com a produção de conflitos ora inúteis, ora francamente
prejudiciais à saúde da democracia. O ambiente de repúdio contra si construído
pelo presidente faz dele o adversário ideal para o PT.
Gilberto Kassab tem sido de grande ajuda
nesse projeto. Ao atrair o governador Eduardo Leite para o PSD, robustece os
acenos de Lula ao centro, especificamente à ala do PSDB insatisfeita com a
candidatura do governador João Doria. Semearia, assim, terreno para o segundo
turno. Em princípio não haveria interesse dele em se aliar ao PT já no
primeiro, quando os candidatos regionais do partido estariam livres para
conquistar votos entre eleitores de todos os matizes.
O trabalho de interdição de outras
candidaturas consolida a ideia de que nenhum cenário é possível além da disputa
entre Lula e Bolsonaro. A profecia vai, assim, sendo escrita como realidade
inescapável. Um movimento em nada saudável para a democracia, pois, se tudo se
resume a impedir a reeleição de Bolsonaro, o PT se desobriga de dar respostas
consistentes às demandas da sociedade.
Fica livre de dizer, por exemplo, como
seria a relação com o Congresso e como o governo faria para impedir a repetição
de condutas que levaram à compra de votos de parlamentares e às ligações
perigosas que resultaram no assalto à Petrobras.
Os textos dos colunistas não refletem,
necessariamente, a opinião de VEJA
Publicado em VEJA de 2 de março de
2022, edição nº 2778
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