O Globo
Às vezes, parece que o STF não entende quanto
está desgastado
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi a última barreira de contenção quando a democracia brasileira esteve sob ataque. Foram momentos excepcionais, e a instituição esteve à altura dos acontecimentos. Mas, narcisicamente encantada com seu papel histórico, ela tem se descuidado de tal maneira da própria reputação que será difícil defendê-la quando a contraofensiva vier. O último passo rumo ao acelerado suicídio da legitimidade institucional foi a decisão monocrática de Dias Toffoli declarando a nulidade absoluta de todos os atos praticados em desfavor de Marcelo Odebrecht.
Antes de tudo, preciso observar que alguns
fundamentos da decisão são inquestionavelmente verdadeiros. A série de
reportagens com base na troca de e-mails entre procuradores e o então juiz
Sergio Moro (que ficou conhecida como Vaza-Jato) mostrou um conluio entre
acusação e juiz que comprometeu o devido processo legal nos processos da
Lava-Jato. Diálogos travados pelo Telegram que se tornaram públicos mostram
orquestração de estratégias entre ambos para condenar os investigados,
incluindo Marcelo Odebrecht. Essas conversas mostram também acertos entre Moro
e o procurador Deltan
Dallagnol para obter provas de forma não oficial e o uso de
medidas coercivas, como prisões preventivas, para forçar acordos de colaboração
premiada.
Mas também preciso observar que os fatos
descobertos pela Lava-Jato são igualmente verdadeiros, para além de qualquer
dúvida. A Odebrecht (hoje Novonor) e outras empreiteiras formaram um cartel
para fraudar licitações de grandes obras públicas, especialmente da Petrobras.
Em troca dos contratos fraudulentos, pagaram propinas a políticos e agentes
públicos. A Odebrecht chegou a criar um departamento específico, o Departamento
de Operações Estruturadas, dedicado exclusivamente a administrar e pagar propinas.
A partir da confissão de executivos das empresas e de documentos e planilhas
descobertos nas investigações, temos bastante certeza de que tudo isso ocorreu.
Sabemos também a dimensão que a coisa tomou, até no exterior. Estima-se que
tenham sido desviados mais de R$ 10 bilhões (bilhões, com “b”).
Diante do comportamento obviamente impróprio
dos procuradores e do juiz, mas também das evidências incontestáveis de um
esquema de corrupção de proporções nunca vistas, o ministro do Supremo optou
por desmontar pilar por pilar as punições, livrando as empreiteiras das
obrigações financeiras e os executivos e políticos das punições? É essa a
solução que o STF encontrou para o dilema? Não havia respostas intermediárias
que preservassem a punição a corruptores e corrompidos, mas corrigissem os
desvios de conduta de Moro, Dallagnol e companhia?
E, se o Supremo não encontrou solução
intermediária, Toffoli precisava fazer valer a sua por meio de uma decisão
monocrática, publicada digitalmente numa noite de terça-feira? Não seria mais
adequado, dada a suma importância da matéria, fazer um longo debate presencial,
no colegiado, ponderando prós e contras e explicando ao Brasil por que o maior
escândalo de corrupção da História do país terminará impune?
Às vezes, parece que o Supremo não entende
quanto está desgastado. Chegará o momento em que a Corte será cobrada por suas
declarações parciais, por sua contaminação pelo jogo político e por suas
inconsistências. Nós, defensores das liberdades constitucionais e do sistema de
freios e contrapesos, teremos de sair em defesa dela, mas teremos pouco em que
nos apoiar. Ainda dá tempo de o STF se corrigir e resgatar uma postura de
sobriedade técnica, comedimento, equilíbrio, ponderação e circunspecção.
Um comentário:
Brilhante! O atual presidente do STF é um falastrão, que fala muito quando não deve, mas quando deveria realmente se manifestar, prefere se calar, como vários dos seus colegas! O colunista foi muito preciso na sua análise! Parabéns ao autor, e ao blog por divulgar seu trabalho!
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