Folha de S. Paulo
Editoriais mostram governador fazendo o que
Haddad já faz
Nos últimos dias, os três maiores jornais do
país, inclusive esta Folha ("Plano de SP
prevê o que todos deveriam fazer", dia 24 de maio), O Globo
("São Paulo mostra a Brasília como fazer ajuste de gastos",
27 de maio) e O Estado de S. Paulo ("São Paulo aponta o caminho das pedras", 24 de maio),
escreveram editoriais apoiando o plano de ajuste fiscal anunciado pelo
governador Tarcísio de
Freitas e contrastando-o com um suposto desinteresse do governo Lula pelas
contas públicas.
Esse contraste é falso.
Nesses debates, é sempre bom que as propostas
sejam acompanhadas de números e estimativas. Os editoriais da Folha e
do Globo citam duas estimativas, o dobro do número apresentado no editorial do
Estadão.
A primeira é um cálculo do que São Paulo
economizará com a revisão de benefícios fiscais. É exatamente a mesma coisa que
Haddad está fazendo no governo federal, com a diferença de que Tarcísio começou
a mexer nisso com um ano e meio de atraso. Acho bom que Tarcísio reveja
privilégios fiscais, pelos mesmos motivos que apoio a política econômica de
Haddad.
Agora, quando Haddad leva essas propostas
para o Congresso, os amigos bolsonaristas de Tarcísio votam contra a revisão
dos privilégios. Se o que Tarcísio propôs está certo, a bancada bolsonarista
vota errado. O governador de São Paulo vai dar a ordem para que votem
diferente? Ou nem essa margem de manobra Jair lhe dá?
A outra estimativa presente nos editoriais é
a redução da dívida por renegociação com o governo federal. Ou seja, parte
grande do plano de Tarcísio que os editorialistas defenderam como contraste com
a política de Haddad consiste em pedir dinheiro ao Haddad.
Talvez faça sentido renegociar a dívida paulista, mas se renegociar dívida
conta como rigor fiscal, um monte de gente na esquerda merece pedidos de
desculpas do mercado.
No que se refere a corte de gastos, não há
nada específico no plano de Tarcísio, mas isso é bom. Cortes de gastos, como
investimentos, têm que ser bem planejados. Tarcísio anunciou que haverá estudos
para saber onde dá para cortar. Está certo.
Mas no âmbito do governo federal o ministério
de Simone Tebet já
vem fazendo isso desde 2023. Se o editorialista do Estadão reclama que Lula não
ouve as propostas da ministra sobre desvinculação do piso da Previdência,
deveria, ao menos, ouvi-la sobre o trabalho que vem sendo feito.
E aí chegamos no ponto principal: os
editoriais estão mostrando Tarcísio fazendo, com um ano e meio de atraso, o que
Haddad já faz, enfrentando a oposição bolsonarista; e estão usando isso para
pedir que Haddad faça coisas incomparavelmente mais difíceis politicamente (e
arriscadas), como desvincular o piso da Previdência do salário mínimo ou
revisar os pisos de gastos com educação e saúde.
A propósito: se Lula fizer, digamos, a
desvinculação do piso da Previdência, o que circulará nos grupos de WhatsApp
das igrejas que apoiam Tarcísio? "Realmente, o varão está preocupado com
as contas públicas"? Ou "Lula mata velhos para implantar
comunismo"?
Todo mundo tem o direito de apoiar quem quiser para presidente. Mas este governo descrito nos editoriais, que se preocupa mais que Haddad com as contas públicas, não é o governo Tarcísio. É um governo imaginário, que não ganhou eleição em lugar nenhum.
Um comentário:
Excelente!
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