terça-feira, 8 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Anistia: bolsonaristas pressionam por urgência

O Povo (CE)

A consciência democrática e as instituições não podem deixar impunes aqueles que atentaram com o Estado Democrático de Direito

Depois do ato no Rio de Janeiro, que reuniu 18 mil pessoas, os bolsonaristas fizeram nova manifestação no domingo passado, em São Paulo. A principal reivindicação dos manifestantes é a anistia aos participantes do ataque e depredação da sede dos três poderes, em 8 de janeiro de 2023, com benefícios para o ex-presidente Jair Bolsonaro. Duas mil pessoas são investigadas e 371 (até janeiro) já foram condenadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes.

Organizado pelo pastor Silas Malafaia, o ato teve a participação de 45 mil pessoas, segundo o Monitor do Debate Político do Cebrap, que usa critérios científicos para calcular multidões. Em Fortaleza, houve uma manifestação reunindo um pequeno grupo de pessoas.

A quantidade de participantes do ato na avenida Paulista é significativa, porém muito abaixo da estimativa de um milhão de pessoas feita pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Depois que institutos de credibilidade passaram a utilizar critérios objetivos para o cálculo do público em determinados eventos, ficou mais difícil inflar ou reduzir o número de participantes, de acordo com o "achissmo" de um ou outro lado. O Datafolha calculou o número de presentes em 55 mil pessoas, ficando próximo ao levantamento do Monitor, que tem margem de erro de 12%.

Os seguidos protestos convocados por Bolsonaro têm o objetivo de pressionar o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar em regime de urgência o projeto de anistia que tramita na Casa. Silas Malafaia foi direto nesse sentido, ao classificar Motta em seu discurso como "vergonha da Paraíba".

Malafaia, a propósito, é o militante que verbaliza aquilo que Bolsonaro evita dizer, porém, concordando com o que é dito. Também é poupado de um confronto direto com Motta o presidente do PL, Sóstenes Cavalcante. Mas, até agora, o presidente da Câmara dá sinais de que não vai capitular a essas investidas. A pressão pode, inclusive, produzir efeito contrário ao esperado pelos bolsonaristas.

Para defender o general Braga Neto, que está preso, Malafaia atacou outros oficiais de alta patente: "Cadê esses generais de quatro estrelas, do alto comando do Exército? Cambada de frouxos, cambada de covardes, cambada de omissos. Vocês não honram a farda que vestem. Não é para dar golpe, não, é para marcar posição". Apesar da ressalva de que "não é para dar golpe", a fala do pastor dá margem à interpretação que a sua queixa refere-se também a situações anteriores, que vão além de "marcar posição".

O fato é que a consciência democrática e as instituições não podem deixar impunes aqueles que atentaram com o Estado Democrático de Direito.

Gastança de Brasília se espalha pela Federação

Folha de S. Paulo

Infladas por medidas do Planalto e do Congresso, despesas de estados e municípios superam desembolsos diretos da União

Quando se analisa a situação das contas públicas, o foco da preocupação se direciona ao governo federal —e por boas razões.

Trata-se, de longe, do maior ente da economia, capaz de se apropriar de um quinto da renda nacional, por meio de impostos e contribuições sociais, e de gastar ainda mais, dada sua elevada capacidade para obter crédito no mercado.

Só os títulos vendidos pelo Tesouro Nacional somam hoje o equivalente a 52,5% do Produto Interno Bruto, mais de dois terços da exorbitante dívida pública do Brasil, de 75,3% do PIB.

Assim como as despesas da União podem afetar toda a demanda do país, com transferências de recursos a famílias ou compras de produtos e serviços de empresas, os juros dos papéis federais servem de base para as demais taxas do mercado.

Tudo isso considerado, há motivos para dedicar maior atenção aos gastos de estados e municípios —que avançam sem os limites existentes em âmbito federal.

Segundo cálculos do economista Bráulio Borges, colunista da Folha, os desembolsos dos governos regionais somaram R$ 645 bilhões por trimestre, em média, no ano passado, enquanto os realizados diretamente pelo Tesouro Nacional ficaram em R$ 508 bilhões, como mostra série de reportagens neste jornal.

Os primeiros tiveram aumento de 26% acima da inflação desde 2019, ante 5% dos segundos.
Note-se, porém, que grande parte da gastança estadual e municipal tem origem em Brasília, por meio de decisões temerárias do Executivo e do Legislativo.

Pela Constituição, parcelas fixas da arrecadação federal são transferidas aos demais entes federativos. Logo, quando a União eleva impostos, como o fez sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT), governadores e prefeitos ganham mais dinheiro para gastar.

Tais repasses foram majorados nos últimos anos, como se deu na ampliação do Fundeb, o fundo de financiamento da educação básica. Ademais, o Congresso Nacional determinou um generoso socorro financeiro às administrações regionais durante a pandemia.

Deputados e senadores aprovaram programas sucessivos de renegociação de dívidas estaduais, o mais recente deles foi sancionado em janeiro. O governo Lula também propagandeou o crédito de bancos públicos aos parceiros da Federação.

Por fim, caixas de governos estaduais e prefeituras foram reforçados nos últimos anos pela multiplicação desmesurada de emendas parlamentares, que ainda por cima não preenchem requisitos de prioridade e transparência.

Em quaisquer desses casos, o erro não está na divisão de recursos e atribuições, que é a base do sistema federativo. O problema é a escassez de controles sobre as finanças regionais, que se resumem a limites de endividamento e de gastos com pessoal como proporção da receita, e a pouca disposição para a disciplina fiscal que emana de Brasília.

Inevitável, vigilância por câmeras exige responsabilidade

Folha de S. Paulo

Smart Sampa auxilia no combate ao crime, mas sistema deve ser expandido com transparência de objetivos e sigilo de dados

Espécie de mal necessário dos tempos modernos, a suscitar dúvidas sobre privacidade e liberdades individuais, a vigilância ostensiva por meio de câmeras é realidade há décadas em Londres, uma das capitais pioneiras na prática, e constatação vertiginosa em Xangai, que já soma quase 2 milhões de unidades espalhadas nas ruas.

Na cidade de São Paulo, o modelo ganhou mais impulso desde novembro, quando começou oficialmente a operação do Smart Sampa, consórcio que venceu a licitação para um programa de vigilância e reconhecimento facial.

São atualmente 25 mil câmeras —5.000 delas particulares, cujas imagens são compartilhadas para o sistema da prefeitura.

Esses equipamentos esquadrinham rostos de transeuntes, 24 horas por dia, em busca de foragidos da Justiça, além de ajudarem na localização de pessoas desaparecidas e como apoio em operações policiais.

O programa tornou-se a menina dos olhos do prefeito Ricardo Nunes (MDB) para a delicada segurança pública da cidade, acometida há tempos por uma epidemia de roubos de telefones celulares, entre outros crimes.

Nesta segunda-feira (7), o totem de LED de 3 metros de altura —batizado de "Prisômetro" pelo prefeito e instalado na região central— exibia o total de fugitivos recapturados, sempre atualizado em tempo real: 976 (203 deles apenas em março), além de 2.185 presos em flagrante.

Espalhafatos à parte, é inquestionável a relevância da vigilância como linha auxiliar no combate à criminalidade, cuja prática efetiva também carece de mais policiamento ostensivo e comunitário, investigação, inteligência e até zeladoria e iluminação pública.

Está nos planos de Nunes ampliar o programa para 40 mil câmeras até o fim do mandato, em 2028. Mais do que isso, é imperioso que a tecnologia seja absolutamente transparente em seus objetivos, com proteção rigorosa das imagens gravadas, e não ofereça vieses raciais ou de gênero nas identificações —risco que preocupa a Defensoria Pública.

Como a escalada orwelliana parece inevitável, a prefeitura deveria também acelerar o plano de implementação de câmeras corporais pela Guarda Civil Metropolitana, alvo de inquérito no Ministério Público. Para uma tropa que pode ser rebatizada de "Polícia Municipal", o equipamento é indispensável, tanto para munícipes como para os guardas-civis.

Se o cidadão comum é submetido involuntariamente a monitoramento, nada mais óbvio que o agente do Estado também o seja no exercício de suas funções.

Tarifaço de Trump amplia risco de recessão global

O Globo

Imprevisibilidade e alcance inédito das tarifas espalham incertezas pela economia e inibem investimentos

Com os mercados financeiros globais mais um dia em chamas — houve queda na Ásia, na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil —, na Casa Branca só faltou a harpa. Enquanto Donald Trump não dá o menor sinal de ceder em seu tarifaço incendiário, uma palavra expressa o temor que tem derrubado as Bolsas de Valores mundo afora: recessão.

O banco de investimento Goldman Sachs divulgou nota afirmando que a chance de recessão nos Estados Unidos já é de 45%. Em carta, o presidente do banco JPMorgan Chase, Jamie Dimon, também alertou sobre a probabilidade de contração econômica. Analistas de todas as instituições estão alarmados com os riscos trazidos pela guerra comercial deflagrada por Trump.

Seu protecionismo tem duas características fora do comum, que o tornam potencialmente recessivo. A primeira é o alcance. Na avaliação do Nobel de Economia Paul Krugman, o tarifaço foi o maior choque comercial da História dos Estados Unidos. A tarifa média americana subiu para 22,5%, acima do patamar atingido na última onda protecionista, logo depois da crise de 1929. Como hoje o volume de comércio exterior é maior em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o impacto será muito superior.

A segunda característica é a imprevisibilidade. A incerteza sobre o mundo que emergirá das disputas comerciais alimenta os temores de recessão. Os executivos à frente de empresas dependentes dos Estados Unidos estão diante de dilemas não triviais. Não sabem se as tarifas se manterão altas tempo suficiente para justificar investimentos em produção no território americano. Não sabem como as cadeias de suprimento serão afetadas pelo encarecimento das mercadorias e serviços importados. E não sabem se conseguirão novos mercados para suprir as perdas nos Estados Unidos. Com tantas incógnitas, é natural haver redução no apetite por investimentos — portanto um freio na economia.

Outra consequência inevitável do tarifaço será a inflação. Consumidores terão de pagar mais pelos mesmos produtos, mesmo nos setores em que a substituição das importações for imediata (já que o preço de mercado subirá). Mais inflação significa maior necessidade de subir juros, portanto maior risco de recessão.

É sintomático que, no pacote econômico mirabolante elaborado pelos artífices das tarifas, haja pressão para o Fed, o banco central americano, reduzir os juros pagos àqueles de quem toma dólares emprestados — ou alongar os perfis das dívidas dos credores. Essa política monetária menos restritiva num momento de escalada de preços e paralisia de investimentos poderá ser fatal e repetir o cenário que assombrou o mundo depois da crise do petróleo nos anos 1970, conhecido como “estagflação”.

Por natureza, a volatilidade é uma das marcas do mercado acionário. Analisadas em retrospecto, algumas reações dos pregões se revelam exageradas. Desta vez, porém, há motivos abundantes para justificar a preocupação. Trump está disposto a acabar com a ordem mundial que prevaleceu desde o fim da Segunda Guerra e a jogar fora as regras do comércio global. Em vez de esboçar concessões diante do choque dos mercados, anunciou nova tarifa de 50% depois da retaliação da China à primeira rodada do tarifaço. Até agora, não dá sinal de entender o estrago do fogo que continua a alastrar.

Não há exagero em alertas da Defesa Civil contra riscos da chuva

O Globo

Ainda que temporais depois arrefeçam, melhor se preparar para o pior — e evitar tragédias

Desacostumados a uma rotina de prevenção, moradores do Sudeste podem pensar que houve exagero nos alertas sobre tempestades severas emitidos na semana passada por diferentes instituições meteorológicas e de Defesa Civil. Eles previam volumes excepcionais de chuva, especialmente no Litoral Norte de São Paulo e nas regiões Serrana e Metropolitana do Rio. É verdade que, em muitos lugares, não houve o dilúvio esperado, embora noutros o aguaceiro em apenas 24 horas tenha superado a média para todo o mês de abril. Mas as medidas tomadas por estados e prefeituras não foram em vão. É assim que deve ser num cenário de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos.

Diferentemente do que geralmente acontece, desta vez autoridades resolveram se preparar. Em São Paulo e no Rio, foram montados gabinetes de crise para monitorar as áreas mais atingidas e reduzir o tempo de resposta à população. Moradores receberam alertas em seus celulares informando sobre as condições. Prefeituras suspenderam aulas ou chegaram a decretar ponto facultativo. A recomendação era que cidadãos permanecessem em casa. Melhor prevenir do que repetir a ladainha de que foram pegas “de surpresa” ou de que os volumes de chuva foram excepcionais.

O governo federal reconheceu situação de emergência nas cidades fluminenses de Petrópolis e Angra dos Reis. Trechos de estradas importantes foram interditados. Nesta segunda-feira, Angra, Teresópolis, Petrópolis e Duque de Caxias, no estado do Rio, ainda enfrentavam risco alto de deslizamentos, segundo a Defesa Civil e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Em São Paulo, São Sebastião chegou a entrar em estado de atenção. Um trecho da rodovia Tamoios precisou ser interditado na altura de Ubatuba.

Os danos materiais costumam ser inexoráveis diante de tempestades arrasadoras. No entanto, com preparação, é possível reduzir a perda de vidas. Avisos da Defesa Civil são uma ferramenta importante. Deslocamentos sem urgência podem ser cancelados ou adiados, reduzindo a circulação e evitando que cidadãos fiquem ilhados em vias facilmente inundáveis. Sistemas de alerta, como as sirenes que disparam quando os volumes de chuva aumentam, contribuem para que moradores de áreas de risco procurem abrigo.

Tais iniciativas não desobrigam os governos de tomar medidas de médio e longo prazo, como obras de contenção de encostas ou limpeza de rios. Nem de realocar os moradores que ocupam áreas de alto risco em encostas e margens de rios. Tragédias, porém, não esperam a burocracia. Por isso é essencial que autoridades se planejem para o pior, mapeando as áreas críticas, instalando forças-tarefa, reservando abrigos, acionando seus sistemas de Defesa Civil e estabelecendo planos de resgate. Nada disso impedirá estragos ou consolará os desalojados, mas a estratégia se mostra bem-sucedida para poupar vidas.

Mercados estão desorientados com guerra tarifária de Trump

Valor Econômico

Trump deveria voltar atrás na história das tarifas, mas será difícil que faça isso. O que é certo é que quanto mais tempo demorar, maiores serão os estragos na economia mundial

Os mercados financeiros estão desnorteados, fazendo uma correção dos preços dos ativos com visibilidade perto de nula sobre o futuro e que parece ter apenas uma direção - para baixo. Efeito retardado da sexta-feira infernal nas bolsas de Europa e EUA, as bolsas asiáticas viraram um pandemônio ontem. Os pregões foram interrompidos pela avalanche negativa dos índices em Tóquio e Seul. A Hang Seng, com ações negociadas em Hong Kong, teve as maiores perdas, caindo 13,22%. Os pregões asiáticos ameaçavam tornar os demais ao redor do mundo uma mera repetição das enormes quedas de quinta e sexta-feira, que eliminaram US$ 5,4 trilhões da S&P 500 americana. Uma notícia falsa, de que Donald Trump postergaria as tarifas que anunciou no “dia da libertação”, interrompeu movimentos drásticos baixistas em Nova York e Europa. As bolsas americanas fecharam com pequenas quedas, mas as da Europa foram expressivas.

Há quase um consenso sobre os efeitos que as tarifas de Trump provocarão. Tanto Jamie Dimon, CEO do JP Morgan Chase, o maior banco dos EUA, quanto Larry Fink, da BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, apontaram que a economia vai desacelerar e os preços vão subir, sem que haja a mínima certeza de que o Federal Reserve reduzirá os juros. Os investidores fizeram uma pausa na liquidação de ativos quando esperavam que Trump fosse prorrogar a entrada em vigor das tarifas ou calibrá-las abaixo das alturas absurdas em que foram fixadas. Trump não fez nada disso.

Na verdade, o único sinal real dado pelo presidente americano - em sua rede Truth Social, disse que não há inflação e os preços estão caindo - foi o de que imporá mais 50% sobre os 34% já estabelecidos para a China se o país não recuar até amanhã de retaliar com 34% de imposto sobre mercadorias vindas dos EUA. Quando os burocratas chineses tomaram essa decisão, Trump havia dito que eles tinham entrado em pânico, mas o governo chinês disse sem estardalhaços que tem muitas armas para diminuir os danos que os EUA poderiam provocar e ampliaram a desvalorização de sua moeda, que teve ontem a cotação mais baixa em relação ao dólar em quatro meses.

A exegese de que Trump usa tarifas como arma de negociação é um poço de dúvidas. A China fez uma “reciprocidade” tarifária com os EUA à espera de uma discussão entre iguais. Trump, porém, indica que quer submissão incondicional. Em uma maratona de entrevistas da equipe de Trump, no domingo, o secretário de Comércio, Howard Lutnick, disse que as tarifas perdurarão por um bom tempo. Mais explícito, o falcão anti-China, Peter Navarro, escreveu um artigo ontem para o “Financial Times” em que aponta uma vasta conspiração contra os EUA em um “sistema manipulado” do qual não escapa sequer a Organização Mundial do Comércio. Sobre as tarifas, escreveu: “Isso não é uma negociação. Para os EUA é uma emergência nacional deslanchada por déficits comerciais em um sistema viciado”. Navarro criticou os líderes que agora, após o tarifaço americano, propõem baixar suas tarifas - o que supostamente estaria na estratégia transacional de Trump. O conselheiro sênior para comércio do presidente ameaçou-os: “Saibam: isso é apenas o começo”.

Hoje começam a valer as tarifas ultrajantes, que nada têm de recíprocas, de Trump. A União Europeia está debatendo medidas de retaliação que poderão ser anunciadas hoje ou amanhã. Pequim marcou para quarta-feira a estreia das suas, se o presidente americano não resolver dobrar a aposta. No princípio, e sem um fim à vista, a guerra comercial dos EUA contra o mundo desestabilizou os mercados, que ainda não encontraram um ponto de reequilíbrio. Mas isso não pode demorar, sob pena de os pontos frágeis dos mercados financeiros começarem a aparecer ruidosamente. A reprecificação é caótica, ampliando as chances de erros.

Os títulos do Tesouro americano subiram muito na quinta para desabar na sexta - o de 2 anos tem rendimento de 3,71%, 22,5% abaixo da cotação de um ano atrás, e o de 10 anos, 8,8% inferior. As cotações das moedas e das commodities, em especial do petróleo, seguem a mesma direção. O óleo já caiu 14% desde 1 de abril. Há vasos comunicantes entre os mercados, e prejuízos em um levam à venda de ativos em outros para cobrir perdas.

Investidores mais alavancados estão em maus lençóis, assim como devedores de grau especulativo, como os junk bonds, cujos spreads estão subindo muito. A situação se complica ainda mais quando até pouco mais de um mês atrás uma forte corrente dos mercados apostava no “excepcionalismo” dos EUA, na visão de que a economia cresceria mais rápido e os cortes de gastos e impostos de Trump a tornariam ainda mais sólida. Essa ilusão desapareceu como uma miragem no deserto.

Trump deveria voltar atrás na história das tarifas, mas será difícil que faça isso. Os protestos de rua já ressurgiram nas principais cidades americanas, enquanto a popularidade do presidente declina e republicanos liberais rangem os dentes de contrariedade com políticas que são opostas às que professaram por muito tempo. Não se sabe quanto tempo Trump resistirá. O que é certo é que quanto mais tempo demorar, maiores serão os estragos na economia mundial.

Bolsonaro vai à guerra

O Estado de S. Paulo

Na Paulista, ex-presidente usa governadores interessados em seu espólio para dar peso político a seu golpismo, na forma de ataque frontal ao STF e à decisão soberana dos eleitores em 2022

Nos 26 minutos em que, no domingo passado, discursou na Avenida Paulista para pregar a anistia a si mesmo e aos presos do 8 de Janeiro, o ex-presidente Jair Bolsonaro mandou às favas todos os escrúpulos de consciência e escancarou em definitivo a guerra aberta ao Supremo Tribunal Federal (STF) e às instituições democráticas.

Em circunstâncias normais, na iminência de serem julgados, réus costumam adotar a prudência e o comedimento diante dos julgadores. Mas Bolsonaro não é afeito a normalidades, sobretudo em matéria democrática. Dele, portanto, não se esperaria outra coisa senão o discurso moldado para eletrizar a militância, deixar de lado argumentos jurídicos e concentrar-se no embate político a fim de sustentar seu martírio.

Foi assim que Bolsonaro falou menos sobre a anistia aos golpistas e muito mais sobre a própria inocência e sua eventual candidatura em 2026. Afirmou, por exemplo, que ter eleições sem o seu nome nas urnas significará “negar a democracia”. Voltou a pôr em suspeita as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral, em ataque frontal à decisão soberana dos eleitores. Insinuou que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, seria o autor de um “golpe” que elegeu Lula da Silva em 2022, e que a “mão pesada” do ministro teria perseguido a direita. Por fim, mas não menos espantoso, admitiu que sabia de algo que “ia acontecer”, ao reconhecer que saiu do Brasil em dezembro daquele ano por saber que, se estivesse no País, seria preso na noite de 8 de janeiro.

A maior novidade, contudo, é que agora Bolsonaro leva consigo os sete governadores presentes – quatro deles possíveis candidatos à Presidência. Se discursos de confronto ao STF são desde sempre parte inerente à cartilha bolsonarista, a inclusão de universo tão relevante de governadores presidenciáveis é coisa nova. Estavam no palanque de Bolsonaro os governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Ronaldo Caiado (Goiás), Romeu Zema (Minas Gerais), Ratinho Junior (Paraná), Wilson Lima (Amazonas), Jorginho Mello (Santa Catarina) e Mauro Mendes (Mato Grosso).

Decerto sabedor de que todos eles estão de olho em seu espólio político com vista a 2026, Bolsonaro tentou torná-los cúmplices de sua artilharia irresponsável contra a democracia. Não só porque os atraiu para a armadilha de defender o indefensável, isto é, o perdão a um golpista que se mostrou incapaz de curvar-se ao princípio mais comezinho da democracia – a transferência pacífica de poder –, como também porque os fez chancelar o discurso delirante segundo o qual é um perseguido político de uma suposta ditadura do Judiciário. Tal ditadura só existe mesmo na cabeça de Bolsonaro e dos bolsonaristas mais fiéis. Uma provável condenação, se houver, se dará porque são fartas as provas do golpismo que, gestado no entorno do então presidente, quase levou o País, isso sim, a uma ruptura institucional.

E os cúmplices de Bolsonaro, seja por convicção, seja pelo mais puro cálculo político, não decepcionaram. A começar por Tarcísio de Freitas. Em mais uma prova de que tentará até o limite exibir-se como leal ao ex-presidente para herdar seus votos no futuro, o governador de São Paulo recorreu a estultices típicas dos bolsonaristas mais empedernidos, exibindo uma interpretação singular da lei e da política. Disse, por exemplo, que “pedir anistia não é uma heresia, é algo justo”, e que quer “prisão, sim”, mas para quem rouba celular, para corruptos e para quem “invade terra”, como se tentativa de golpe fosse coisa menor. Ora, o julgamento atual está amparado na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, que em 2021 substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional. Logo, não é um recurso abstrato.

Compreende-se o esforço de Tarcísio e dos demais governadores para caracterizar um golpista assumido como perseguido político, porque este ainda é capaz de levar milhares de pessoas às ruas, um fato político nada desprezível. No entanto, será preciso muito malabarismo retórico para conciliar esse gesto, devidamente registrado por imagens e som, com o compromisso de respeitar a democracia e as instituições republicanas, algo diametralmente oposto ao que faz Bolsonaro há mais de 30 anos.

O múltiplo desafio do envelhecimento

O Estado de S. Paulo

Falta de instituições de acolhimento para idosos mostra necessidade de adaptações. Não há lugar para pessimismo, e há oportunidades, mas é preciso encarar o custo da mudança inexorável

O Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu um pedido do Ministério Público e determinou que a Prefeitura da capital duplique a oferta de vagas em Instituições de Longa Permanência para Idosos (Ilpi) de grau 3 – ou seja, idosos com alto grau de dependência para cuidados diários – destinadas àqueles em situação de vulnerabilidade, providenciando 60 vagas em 180 dias. São Paulo não é um caso isolado e a oferta de acolhimento é só um elemento de um mosaico de desafios impostos pelo envelhecimento populacional.

Como na maioria dos países do mundo, a população brasileira está envelhecendo e em breve começará a encolher. Segundo a ONU, a população no Brasil deve crescer dos atuais cerca de 212 milhões para 219,3 milhões em 2042, quando começará a encolher até chegar a 163,4 milhões em 2100. Em 1950, o grupo de idosos representava 4% da população; hoje, são 15,8%; em 2100 serão mais de 40%.

Hoje, quase dois terços dos municípios não possuem nenhuma Ilpi, e em alguns Estados houve redução da oferta de vagas em 15 anos. Além da carência de vagas, há problemas no encaminhamento e no financiamento. Quem determina se um idoso preenche os requisitos para uma vaga pública é o Sistema Único de Assistência Social (Suas), mas, a exemplo do que ocorre com os parceiros privados do Sistema Único de Saúde (SUS), como as Santas Casas, as Ilpis conveniadas são subfinanciadas. Para cada idoso, o governo federal repassa via Suas ridículos R$ 72 por mês.

Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam outras opções de cuidado. O ideal é privilegiar o máximo de autonomia da família. Em termos de políticas públicas, isso pode significar subsídios diretos aos familiares que decidem manter o parente em casa, como no Chile e no Uruguai. Outra opção são os centros-dia, comuns no Japão, para acolher idosos enquanto os familiares estão no trabalho. A Ilpi deveria ser a última opção, em caso de impossibilidade da família de oferecer os cuidados necessários.

Do ponto de vista dos gestores públicos, se há uma vantagem no envelhecimento populacional é o fato de ser previsível. As reformas são inevitáveis. O desafio é equilibrá-las num quadro de necessidades multissetoriais, que envolvem desde o sistema de saúde, o mercado de trabalho, até adaptações urbanísticas e de infraestrutura.

Os dois setores em que as reformas são mais urgentes são, por óbvio, a Previdência Social e a Saúde. Alguns países já ensaiam uma espécie de reforma da Previdência permanente, na qual a idade mínima da aposentadoria, por exemplo, acompanha automaticamente elevações na expectativa de vida. Adaptações nos sistemas de saúde passam por foco em prevenção e medicina primária para reduzir custos com doenças crônicas, ou em telemedicina e cuidados domiciliares para melhor atender os idosos e evitar hospitalizações desnecessárias.

Essencial é a promoção de um envelhecimento ativo no mercado de trabalho, para oferecer condições produtivas às pessoas que precisam ou querem trabalhar na terceira idade. Isso envolve desde programas de requalificação e treinamento até políticas de conscientização contra o etarismo. Com efeito, o envelhecimento populacional não traz apenas custos, mas oportunidades, como mostram os estudos sobre a chamada “economia prateada”.

O Brasil precisa fazer um diagnóstico de riscos, necessidades e potencialidades. Um estudo comparado de 2020 da Economist Intelligence Unit com os países do G-20, por exemplo, sugere áreas mais e menos vulneráveis na oferta de um ambiente sustentável para a longevidade. No quesito “oportunidades econômicas”, por exemplo, o Brasil ficou em 5.º lugar, com 73,9 de 100 pontos, acima da média global de 62,4 pontos. Já nos quesitos “saúde adaptativa e sistemas de proteção social” e “estruturas e instituições sociais inclusivas”, o País ficou abaixo da média mundial. No geral, o Brasil ficou em 11.º lugar, com 59,6 pontos, ligeiramente acima da média mundial, de 59,4. Não é ruim. Mas está longe de ser bom.

O fato é que situações dramáticas, como a carência de instituições de acolhimento, mostram que o desafio do envelhecimento precisa entrar rápida e sistematicamente na pauta das políticas públicas.

Trump dobra a aposta

O Estado de S. Paulo

Presidente ignora críticas até de aliados diante do derretimento dos mercados

F oi uma segunda-feira caótica nos mercados globais. Queda generalizada de preços de ativos, volatilidade extrema, circuit breaker (suspensão de negócios quando há movimentos bruscos nas bolsas) em Tóquio, muita boataria e muitos desmentidos.

Não é de estranhar que os mercados reajam ao tarifaço do presidente dos EUA, Donald Trump, e ao contra-ataque da China, que retaliará os americanos impondo os mesmos 34% sobre importações que Trump anunciou sobre os importados chineses. Anormal seria se a belicosidade entre as duas maiores economias do mundo fosse ignorada pelos investidores.

Ocorre que o pânico se dá em momento em que apoiadores entusiasmados de Trump, como o bilionário Bill Ackman, pediram ao presidente que evitasse um “inverno econômico nuclear” e suspendesse o tarifaço por 90 dias para negociar “assimetrias tarifárias” com os países envolvidos.

Na rede social X, Ackman afirmou ainda que negócios dependem de confiança, e que Trump “está perdendo a confiança de líderes empresariais ao redor do mundo”, o que prejudica os EUA e os milhões de cidadãos que apoiaram o republicano, sobretudo os mais pobres.

A ilusão de que Trump, notório por seu comportamento errático e imprevisível, anunciaria uma suspensão do tarifaço por 90 dias chegou a causar uma reviravolta nas bolsas norte-americanas.

Mas a trégua durou pouco. O governo Trump não apenas qualificou como “fake news” uma suspensão do chamado “Dia da Libertação”, como ameaçou aumentar para 50% a tarifa sobre as importações chinesas caso Pequim não desista de retaliar os EUA.

E enquanto líderes de Wall Street, como o presidente do J.P. Morgan, Jamie Dimon, afirmavam que as tarifas provavelmente resultarão em inflação maior, Trump resolveu interpretar a queda nos preços do petróleo, por exemplo, como um sinal de que sua ofensiva protecionista já está funcionando.

Nada mais dissociado da realidade, já que o recuo da commodity se deu pelo temor de recessão e consequente arrefecimento na demanda. Em apenas uma semana, o banco Goldman Sachs elevou em duas vezes a probabilidade de que os EUA caiam em uma recessão: primeiro para 35%, e agora para 45%.

Se a recessão será evitada, ainda é difícil saber. Mas o fato de que gente influente em Wall Street, até mesmo aqueles que apoiaram Trump vigorosamente, está claramente se manifestando contra o tarifaço tal como ele foi concebido expõe fissuras nas hostes trumpistas.

O bilionário Ackman, por exemplo, acusou o secretário de Comércio, Howard Lutnick, de lucrar com a debacle econômica. Posteriormente, se desculpou. Já Elon Musk, eminência parda do governo, se indispôs com o conselheiro de Comércio de Trump, Peter Navarro.

Como se vê, não são apenas os mercados que estão ruindo, embora no caso dos ativos financeiros sempre haja espaço para recuperação.

Ao fazer ouvidos moucos para os importantes alertas de aliados que foram fundamentais para seu retorno à Casa Branca e que não rasgam dinheiro, Trump arrisca perder apoio e ficar cercado apenas por quem não ousa dizer que ele talvez não tenha razão.

Fim da revista vexatória em presídio é desafio

Correio Braziliense

Todas as unidades prisionais do país têm 24 meses para abolir a prática — tempo que pode ser insuficiente considerando fatores como agenda polarizada que tende a dominar as próximas eleições

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, proibir a revista íntima vexatória em quem visita os que cumprem pena nos presídios brasileiros. Uma ação desumana, invasiva e ofensiva à dignidade humana, na avaliação da Corte e de especialistas, que se tornou praxe a partir da edição da Resolução nº 1/1999, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Todas as unidades prisionais do país têm 24 meses para abolir a prática — tempo que pode ser insuficiente considerando fatores como a articulação entre poderes para coibir abusos e a agenda polarizada que tende a dominar as próximas eleições, em 2026.  

A justificativa para a prática é impedir o repasse de armas e drogas aos presos. Argumento falho, quando a equipe de funcionários dos presídios poderia inspecionar as celas e revisar os detentos. A ação se torna ainda mais descabida diante do que determina a Constituição de 1988 nos artigos 1º e 5º, entre outros, que reforçam os princípios fundamentais da dignidade humana, como o direito à intimidade e à privacidade. Mandamentos da Lei Maior afrontados pela revista íntima vexatória.  

Na avaliação da advogada Caroline Neves, especialista em direitos humanos, as revistas íntimas têm como intenção humilhar os parentes dos custodiados. "São realizadas de forma invasiva, com requisito para que pessoas, sobretudo mulheres, adolescentes e crianças, possam visitar seus familiares", afirmou ao Correio. Segundo ela, a justificativa de que se trata de procedimentos de segurança não procede. "Na verdade, têm o objetivo de humilhar e subjugar os parentes, como se fossem uma extensão do 'inimigo' que o sistema prisional quer combater".

A decisão do STF não impede a revista de visitantes. O procedimento deve ser feito por escâneres corporais, equipamentos de raio X e detectores de metais. A revista corporal não está abolida, mas só poderá ocorrer quando for impossível utilizar os equipamentos de rastreio. Também passarão a ser ilícitas as provas eventualmente encontradas por meio de procedimentos que envolvam a retirada de roupas e a realização de exames invasivos que humilhem os visitantes.

Hoje, o Brasil conta com 1.424 unidades prisionais, que abrigam 662.906 presos, apesar de a capacidade das celas ser de 488.91 pessoas.  Há, portanto, um deficit de 174 mil vagas. A  população carcerária nacional chega a 888.791 pessoas, entre os que estão em regime fechado e os sentenciados monitorados fora dos presídios. Faltam dados, porém, de quantas unidades adotam a revista íntima vexatória — mais um possível obstáculo na mudança de protocolos determinada pelo Supremo. Investimentos em modernização das unidades e em cooperação entre gestores precisam, no mínimo, de um plano de ação estruturado.

Também pode dificultar o processo o atual momento de violência exacerbada que vive o país. O legítimo clamor social por segurança tem fortalecido um movimento a favor do endurecimento de penas aos criminosos — com desdobramentos, obviamente, na rotina das cadeias. Esse descontentamento coletivo exerce, ainda, forte influência na pauta eleitoral, como vêm mostrando as pesquisas, com toda a polarização que tem dominado o debate e o enfrentamento a temas essenciais para o desenvolvimento do país.

Detentores de cargos políticos e os que almejam tais postos vão concentrar todas suas energias e recursos em busca da disputa eleitoral que se aproxima. Se até agora não providenciaram equipamentos e protocolos menos agressivos no acesso a presídios, não será às vésperas das eleições que cumprirão uma decisão da Alta Corte ou vão garantir um atendimento digno e humano aos que têm parentes ou amigos atrás das grades.

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