O Globo
Chegamos a um ponto em que só Lula e Bolsonaro mobilizam os eleitores. Sem os dois no páreo, abre-se uma imensa gama de alternativas ao eleitor brasileiro
Levar milhões de pessoas às ruas ficou difícil depois que a moderna tecnologia possibilitou contar com exatidão as grandes manifestações. Os bolsonaristas dizem que 1 milhão estiveram presentes na manifestação da Avenida Paulista a favor da anistia, mas os números verdadeiros sugerem que havia entre 45 mil e 60 mil manifestantes. Pela visão dos vídeos do pico de presença, era gente que não acabava mais. Os números podem enganar, mas não é possível nem ao mais fanático petista negar que Bolsonaro é o único líder político hoje capaz de colocar tanta gente na rua, com a convocação pelas redes sociais.
O aparente fracasso da manifestação anterior,
em Copacabana, não significou que o bolsonarismo houvesse refluído, mas algum
erro de convocação aconteceu. Mesmo assim, houve mais gente no Rio que na
manifestação contra a anistia promovida pelo líder do PSOL Guilherme Boulos em
São Paulo. Desde que os sindicatos perderam o subsídio obrigatório recebido dos
associados, perderam igualmente a capacidade de mobilizá-los, que dava à CUT e
ao PT a aparência de controlar as manifestações populares.
Quando não se podia contar com precisão
pessoas presentes nas ruas, falar em Passeata dos Cem Mil contra a ditadura
militar era uma maneira de realçar a grandiosidade da manifestação,
especialmente naquele momento em que recrudescia a opressão. Hoje, não dá mais
para negar se uma manifestação flopou. A demonstração de força da Paulista, no
entanto, não quer dizer que a pressão popular tenha força para obrigar os
parlamentares a aprovar a anistia aos presos da tentativa de golpe do 8 de
Janeiro.
Não parece haver disposição para comprar mais
uma briga com o Supremo Tribunal Federal (STF), sobretudo uma briga perdida,
pois é óbvio que, aprovada a anistia no Congresso, o Supremo decidirá que ela é
inconstitucional. É uma briga indesejada, a não ser para os fanáticos
bolsonaristas, que jogam na anistia a possibilidade de Bolsonaro ser liberado
para disputar a eleição presidencial de 2026. No entanto anistia restrita aos
punidos pela tentativa de golpe não anularia a decisão do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) de torná-lo inelegível, tomada devido a abuso de poder político e uso
indevido dos meios de comunicação na campanha presidencial de 2022.
Sua punição não tem nada a ver com a
tentativa de golpe. Por isso, o projeto de anistia não se refere à data de 8 de
janeiro de 2023, mas fala num prazo mais amplo, que pegaria a condenação
eleitoral de Bolsonaro. O ex-presidente enfrenta um paradoxo difícil de
superar. Não podendo se candidatar, ele se torna um excelente cabo eleitoral,
mas não para quem ostenta seu próprio nome. As pesquisas mostram que somente
ele pode enfrentar Lula em igualdade de condições.
Qualquer um que tenha seu sobrenome, a mulher
Michelle ou os filhos Eduardo e Flávio, não tem chance eleitoral e, colocado
como vice na chapa de alguém, enfraquece o candidato a presidente.
Especialmente porque ficará pairando no ar a suspeita de que o candidato a
presidente está ali apenas para guardar o lugar para um Bolsonaro assumir a
Presidência e governar sob orientação dele.
Resta testar a possibilidade de Bolsonaro
apoiar um dos governadores de direita que estiveram na manifestação da
Paulista. Enquanto sua sombra permanecer encobrindo os candidatos de direita,
um grupo dividido não chegará a lugar nenhum. Ao contrário, aumenta a chance de
o presidente Lula se reeleger, apesar das dificuldades que enfrenta. Chegamos a
um ponto em que só Lula e Bolsonaro mobilizam os eleitores. Sem os dois no
páreo, abre-se uma imensa gama de alternativas ao eleitor brasileiro.
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