Mas foi durante um desses festivais, no ano
44 a.C., que Júlio César foi assassinado. Os Idos de Março adquiriram uma
conotação ambígua e séria a partir de então, e finalmente marcaram a transição
da República para o Império.
Plutarco nos conta que um vidente alertou
Júlio César sobre o perigo que o ameaçava, mas ele o ignorou e até mesmo
ressaltou que os Idos já haviam começado. O vidente respondeu: “Sim, mas eles
não estão terminados”.
É melhor então seguir o conselho de
Shakespeare em sua peça Júlio César, quando ele diz “Cuidado com os idos de
março!”
Ele nos legou As Frias Flores de Abril e com elas mês difícil. O outono está começando, e o recesso momesco acabou, o ano letivo está recomeçando, é hora de pagar as contas geradas e, ao mesmo tempo, projetos são iniciados e desafios da vida precisam ser enfrentados.
A crise em curso foi abrupta, inesperada,
violenta (pelo número de mortos abissal) e será prolongada, abala o planeta que
vivia pacificamente tentando reencontrar os progressos econômicos, sociais e
políticos desde o fim da emergência sanitária com um andamento democrático,
que, claro, era imperfeita e problemática, como toda democracia.
Ocorre que a crise social global do
pós-pandemia revela suas assimetrias e limitações, revelando o desencanto que
se acumulou entre grande parte da população desde que o ímpeto inicial do
retorno do lockdown diminuiu, seus defeitos se acentuaram e suas
virtudes diminuíram.
A questão fulcral era como isso podia ser
evitado fortalecendo o sistema democrático, e não destruindo-o com as distopias
propaladas, fortalecendo a convivência cívica e acabando com o pior da crise: o
surgimento de um arquipélago de violência permanente e diária, de destruição
material e simbólica e que não é democrático nem quer reformas. Eles não estão
interessados no diálogo.
Foi o que destacou um expoente dessa linha,
com uma desvairada pós-verdade onde o Nobel da Paz de 1964 Martin Luther King
Júnior (1929-1968) e Rosa Parks (1913-2005), símbolos da luta democrática e da
não violência são usados para justificar atos de violência contra a Democracia.
O caminho para sair da situação atual é
observar como fez em 1868 John Stuart Mill (1806-1873), que usou o conceito
distopia para se referir a governos muito reais que estavam levando seus países
a situações piores, a condições negativas e/ou mesmo aterrorizantes da vida.
Isso não agrada aos defensores dos desvarios
que aspiram o quanto pior melhor, cujo conteúdo é anticonstitucional, pois a
estagnação desejada mascara uma nostalgia indizível por um passado ditatorial.
Devemos, apesar dessas distopias, abrir
estoicamente o caminho como o filme Vitória (2025) mostra, para darmos
sequência ao processo constitucional vigente, porque é o único caminho onde a
razão democrática é forte.
Em outras palavras, é fortalecendo a
legitimidade da ordem democrática que seremos capazes de restaurar a ordem
pública. Não podemos esperar que a ordem pública desejada exista para reforçar
a legitimidade da ordem democrática.
Infelizmente, no Brasil de hoje se promove
confusão e mentiras entre aqueles que apoiam a democracia. Assim, apesar da
maioria da opinião pública apoiar a democracia, a vontade democrática muitas
vezes parece paralisada, murmurando em privado e não sendo ouvida.
Alguns se deixam ir pelos cantos de sereias
de um pessimismo sem esperança, e podem até terem boas razões para isso, mas
essa posição nos deixa com as mãos atadas diante do manto da profecia
autorrealizável. Eles são escravos do “politicamente correto”.
A democracia não é perfeita e nunca será; é
feito por nós e com todas as nossas falhas.
Entre nós há todos os tipos: gananciosos e
generosos, discriminatórios e imparciais. A vantagem da democracia é que há uma
voz cidadã e regras a serem seguidas, e aqueles que governam podem ser
substituídos em eleições periódicas pré-agendadas, por meio do voto.
A história nos ensina que houve muitas
experiências em que o pensamento utópico pode levar à pior diante das
distopias, seguindo um sábio ditado medieval francês, que diz que o caminho
para o inferno está cheio de boas intenções. Por isso apesar de não ser ainda o
que desejamos, o que parece ruim com o estado de coisas que aí está, será
infinitamente pior sem.
Por isso é necessário acabar com os medos e
as pretensões, deixar de lado as fronteiras entre os democratas em todo o
espectro político e além, típicos de um Tancredi Falconeri da série da Netflix
O Leopardo (2025), e criar um espaço democrático que isole e impeça o
arquipélago da antidemocracia que nos ronda. Fiquemos longe das mesquinharias e
das discussões inúteis para que possamos fortalecer o debate democrático e a
cooperação democrática. Esse é o tom essencial a se seguir.
*Ricardo Marinho é Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário