Ao atacar Powell, Trump repete populismo de Lula
O Globo
Incapazes de recuar em políticas
inflacionárias, presidentes se voltam contra autoridade monetária
Enquanto, no front externo, Donald Trump mina
o comércio global com sua guerra tarifária, internamente centra baterias contra
Jerome Powell, presidente do banco central americano, o Fed. Numa rede social,
Trump voltou a exigir que Powell baixe a taxa de juros. Não demorou para
desabarem as Bolsas de Valores americanas, subirem os juros pagos pelo governo
americano para tomar dinheiro emprestado no mercado, e aumentar a crise de
confiança no dólar. Mesmo com pequena recuperação depois, a corrida em busca de
um porto seguro para os capitais fez o preço do ouro romper, pela primeira vez,
a barreira simbólica dos US$ 3.500 a onça.
A estratégia de Trump se assemelha à do presidente Luiz Inácio da Silva quando Roberto Campos Neto era presidente do Banco Central (BC). Num primeiro momento, o governo adota políticas irresponsáveis e inflacionárias. No caso de Trump, as tarifas. No de Lula, a expansão do gasto público. Em seguida, ciente da missão das autoridades monetárias de proteger o valor da moeda, o presidente tenta passar adiante a culpa pelo problema que criou. Não há coloração política imune ao populismo econômico.
Pelo menos dois motivos tornam as
manifestações de Trump mais preocupantes. Primeiro, a perspectiva de
desmoronamento do controle da inflação na maior economia do mundo teria
implicações globais. Segundo, mesmo nos momentos menos edificantes das declarações
contra Campos Neto (e eles foram vários), Lula nunca ameaçou passar por cima da
lei que garante a autonomia do BC. Na Casa Branca, não parece haver limites
para Trump. Contrariado com declarações de Powell sobre o efeito inflacionário
das tarifas, ele declarou mal poder esperar por sua demissão. Que Powell tenha
sido escolhido para o cargo pelo próprio Trump em 2018 e que seu mandato acabe
somente em maio de 2026 parecem detalhes. Quando repórteres pediram que Trump
esclarecesse, ele disse: “Se eu quiser que ele saia, ele sairá de lá muito
rápido, acredite em mim”.
A independência das autoridades monetárias
está calcada no bem comum. Políticos, como demonstram os casos de Trump e Lula,
preferem juros baixos para que a economia cresça mais rápido, com efeitos
positivos no emprego, na renda e nos votos. Mas o crescimento artificial é
passageiro. Quanto mais tempo se leva para subir os juros e combater a
inflação, mais difícil fica a tarefa. No fim, todos perdem. A blindagem dos
bancos centrais contra influência política é essencial justamente por permitir
decisões impopulares nos momentos apropriados. Países com bancos centrais
independentes têm inflação menor e menos volátil.
Trump tem se referido à possibilidade de uma
retração econômica de grandes proporções durante seu governo como “1929” — ano
da crise financeira global. Foi esse temor que o fez recuar do tarifaço. Com o
derretimento dos mercados de ações e, principalmente, de títulos da dívida do
governo americano, ele anunciou uma pausa de 90 dias, exceto para a China. Um
decreto com a demissão de Powell seria contestado na Justiça, mas, antes,
levaria o mercado financeiro ao pânico. Trump pode estar somente em busca de um
bode expiatório. O certo é que, por enquanto, o temor de 1929 tem mantido
Powell no cargo. Em meio a toda a confusão, o FMI já prevê que a inflação
americana deverá aumentar, e o crescimento global perderá fôlego.
Também é preciso fiscalizar o fiscal de
contas públicas estaduais
O Globo
Em 22 estados, conselheiros dos tribunais de
contas recebem acima do teto salarial do setor público
Criados no âmbito do Poder Legislativo para
fiscalizar os gastos públicos, os tribunais de contas estaduais (TCEs) também
precisam ser fiscalizados. Levantamento feito pelo GLOBO constatou que a média
dos salários recebidos pelos conselheiros dos tribunais de 26 estados e do
Distrito Federal no primeiro trimestre ultrapassou o teto constitucional — R$
46.366,37 mensais, o equivalente ao salário de ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF). Em 22 estados, na média os conselheiros receberam acima do teto.
Mesmo nos cinco em que ficaram abaixo — São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato
Grosso, Santa Catarina e Rio de Janeiro —, nenhum embolsou menos de R$ 40 mil
mensais.
No país das disparidades sociais e das
aberrações no setor público, nem a instituição que tem como dever zelar pelo
destino do dinheiro dos impostos dá bom exemplo. Exatamente como nas
corporações do funcionalismo incrustadas no Judiciário e no Ministério Público,
também proliferam nos TCEs supersalários construídos com respaldo em decisões
do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). É assim
que a média da remuneração mensal dos conselheiros atingiu, no trimestre, R$
69,7 mil. Os maiores supersalários são pagos aos conselheiros dos TCEs de
Alagoas (R$ 134,7 mil), Roraima (R$ 108,8 mil) e Pernambuco (R$ 100,6 mil).
Embora flagrantemente imorais, tais
supersalários são urdidos com base em interpretações legais do STF e do CNJ. A
manobra crítica para permitir o estouro do teto constitucional é a distinção
entre o salário em si e as “verbas indenizatórias”, auxílios de toda sorte
sobre os quais não se paga Imposto de Renda nem se recolhe contribuição à
Previdência. São os populares “penduricalhos”, até hoje à espera de
regulamentação no Congresso. Os integrantes dos TCEs já têm salário-base alto
(entre R$ 37 mil e R$ 41 mil), mas os “penduricalhos” lhes garantem remuneração
consistentemente acima do teto do setor público. Os mais comuns são
auxílio-saúde, gratificação por acúmulo de função, licença-prêmio e
indenizações retroativas. No TCE de Alagoas, um conselheiro recebeu num único
mês R$ 180 mil.
Tem sido grande a criatividade para criar
adicionais aos salários que, em algum momento, gerarão pagamentos
“indenizatórios”. Os TCEs se inspiram no mecanismo consagrado no Judiciário e
no Ministério Público. Também buscam vincular a remuneração dos conselheiros às
carreiras no Judiciário, embora ainda com pouco êxito. A intenção, comum no
universo da burocracia estatal, nas três esferas da administração pública, é
usar aumentos concedidos a uma categoria como gatilho para obter reajustes
noutras funções. Ao investigar os ralos por onde escoam recursos que faltam
para melhorar os serviços básicos de que carece a população, os conselheiros
dos TCEs poderiam começar examinando o próprio contracheque.
Com Trump, mundo cresce menos, com mais
inflação
Valor Econômico
Com o ritmo errático das decisões “instintivas” que Trump diz seguir, os golpes na economia mundial possivelmente serão mais fortes do que os previstos pelo FMI
A economia global vai crescer menos em meio a
condições financeiras muito adversas e enormes incertezas, revela o Fundo
Monetário Internacional (FMI) em seu Perspectivas da Economia Mundial. O
panorama negativo se agravou por um só motivo: Donald Trump e suas tarifas.
Elas farão com que o comércio global tenha queda de 1,5 ponto percentual em
relação a projeções de janeiro e evolua 1,7% em 2025, um encolhimento de US$
500 bilhões no ano. O PIB mundial deve recuar 0,5 ponto percentual e crescer
2,8% este ano, para apresentar uma recuperação modesta no ano que vem, e
avançar 3%. Estes números parecem otimistas diante da balbúrdia que o
presidente dos Estados Unidos provoca nos vários quadrantes da economia global.
Sua mais recente investida pode ter consequências imensuráveis - ele sugeriu
demitir o presidente do Federal Reserve, o mais poderoso banco central do
mundo, e eliminar sua independência. Ontem, diante da reação negativa dos
mercados, voltou atrás e disse que essa não é sua intenção.
As peripécias destrutivas de Trump se
acrescentam a um cenário anterior em que os riscos apontavam para cima pela
teimosia da inflação em não se submeter às metas de inflação dos BCs do mundo
desenvolvido, com especial drible do setor de serviços, e pela manutenção de
taxas de juros altas para obter a estabilidade monetária, em um ambiente
agravado por um aumento forte do endividamento público global. Esses problemas
foram exacerbados pelo choque tarifário de Trump que, como afirma
Pierre-Olivier Gourinchas, economista-chefe do FMI, jogou o mundo em uma “nova
era”, com a mudança súbita do modus operandi pelo qual a economia mundial
operou nos últimos 80 anos. O nível das tarifas da principal economia do
planeta, os EUA, ultrapassou o alcançado durante a Grande Depressão dos anos
1930, colocando desafios complexos, de difícil e demorada resolução para a
integração produtiva entre os países, ameaçada de desintegração depois de
acelerada pela globalização.
Os efeitos das medidas de Trump tendem a
agravar as tendências anteriores já manifestas, em especial a da relutante
inflação, que se recusava a descer e agora certamente vai subir com as tarifas
estratosféricas de Trump e a provável cisão produtiva entre os EUA e a China.
Ainda que seja certo que todos os países serão afetados negativamente, com
alguns atenuantes, os dois principais contendores sentirão os maiores efeitos.
A expansão econômica americana declinará dos esperados 2,7% para 1,8% neste ano
e encolherá mais um pouco no ano seguinte, para 1,7%. A China, segundo o FMI,
descerá do patamar dos 5% em que às custas se mantém, para a faixa de 4% nos
próximos dois anos.
As duas maiores economias derrubarão o
crescimento mundial, embora as demais se mantenham ou até avancem um pouco. A
zona do euro, às voltas com baixa expansão, progredirá 0,8% e 1,2% nos próximos
dois anos, impulsionada pela recuperação alemã em 2026. A quarta maior
economia, o Japão estacionará em 0,6% e o Brasil recuará para 2% no período. A
perspectiva para os países emergentes diminuiu 0,5 ponto percentual, para 3,7%
em 2025 e 3,9% em 2026.
Com tarifas não vistas em um século, a
inflação voltará a subir a 4,3% no mundo. A escalada afetará mais os Estados
Unidos, cuja previsão sairá de perto dos 2% da meta do Federal Reserve para 3%
neste ano, mas não terá peso algum na China, às voltas com inflação zero e
risco de deflação. Os dois países terão desafios opostos e simétricos. O motor
de crescimento chinês no ano passado foi a demanda externa e o dos Estados
Unidos, o consumo doméstico. Pequim já começou a agir para fazer o que prometeu
há uma década, mudar o modelo de expansão para o mercado interno e reduzir o
impulso externo. Os EUA, pelo menos na intenção de Trump, pretendem reduzir
seus enormes déficits externos, o que só dará certo - uma hipótese heroica
pelos métodos escolhidos -, se adequar o excesso de consumo a uma poupança
compatível e exportar mais.
As tarifas perturbadoras de Trump
deterioraram a confiança na estabilidade e previsibilidade sob as quais o
modelo americano se impôs ao mundo. O dólar caiu e os juros dos Treasuries,
títulos mais seguros do mundo, subiram, em um movimento marcado pela desconfiança
em relação ao rumo futuro da economia do país. Isso não demoveu Trump de causar
mais tumultos, ao criticar o Fed por manter juros altos e ameaçar com a
demissão de Jerome Powell. O efeito combinado da ameaça da perda de
independência do Fed e da muralha tarifária erguida pelos EUA contra o mundo
tenderia a provocar uma fuga de capitais dos EUA muito maior que as debandadas
clássicas que arruinaram frequentemente os países emergentes. A péssima
repercussão de suas declarações nos mercados levou-o a recuar.
Com o ritmo errático das decisões “instintivas” que Trump diz seguir, os golpes na economia mundial possivelmente serão mais fortes do que os previstos pelo FMI. Sem recuo de Trump na guerra comercial os EUA se aproximarão da recessão e o comércio mundial, da estagnação.
Que o Fed independente contenha os danos de
Trump
Folha de S. Paulo
Republicano ataca o banco central, que mantém
juros elevados contra o risco de inflação agravado pela guerra comercial
Fazem parte da cartilha do populismo ataques
à disciplina fiscal e monetária, bem como a instituições independentes, que não
se curvam aos caprichos do governante. Tratando-se de uma ofensiva do
presidente da maior potência econômica do mundo contra o banco central de
seu país, espalha-se insegurança sobre a moeda que é reserva de valor no mundo.
Donald Trump manteve
na segunda-feira (21) a
pressão sobre o chefe do Federal Reserve, Jerome Powell, como faz desde a
primeira semana de seu segundo mandato. A cobrança bravateira pela redução
imediata dos juros,
a esta altura, já descambou para a grosseria pessoal —Powell foi chamado de
"Sr. Tarde Demais".
Os juros do Fed, como é
conhecida a instituição, estão entre 4,25% e 4,5% ao ano, nível elevado para o
padrão americano. O objetivo é conter uma inflação acima
da meta de 2% anuais, que corre o risco de se agravar com as tarifas
tresloucadas de Trump sobre produtos importados.
Na sexta (18), um assessor declarou que a
Casa Branca estuda a demissão de Powell, que tem mandato até o próximo ano. A
empreitada não soa plausível, mas a mera ameaça, num contexto de políticas
caóticas nos EUA, já é suficiente para abalar o dólar.
Pela legislação, o presidente do Fed só pode
ser retirado do cargo por falta grave —não por discordância quanto a suas
medidas. Há, no entanto, um caso pendente de decisão na Suprema Corte sobre a
possibilidade de o presidente da República demitir dirigentes de agências
reguladoras, que em tese seria capaz de abranger o banco central.
As consequências, desnecessário dizer, seriam
desastrosas, ainda mais diante do tumulto
já produzido pela guerra comercial e do alarmante desequilíbrio
orçamentário do governo americano, que antecede Trump.
Criado há mais de um século, em 1913, o
Federal Reserve teve ao longo de sua história graus variados de independência.
Nas últimas quatro décadas, todavia, consolidou-se nos EUA e no mundo o
entendimento de que, para cumprir a missão essencial de preservar o poder de
compra da sociedade, a política monetária deve ser protegida dos interesses
imediatistas de governantes.
O Brasil é exemplo recente e didático desse
processo. A partir do final dos anos 1990, concedeu-se ao Banco Central
autonomia na prática, nem sempre plenamente respeitada, e essa condição foi
enfim formalizada em 2021.
Em seu terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) atacou os
juros e o BC, mas ele próprio deve perceber que seu governo gastador tem
sido salvo
de um desastre maior pelo esforço do controle inflacionário.
Em escala muito maior, da credibilidade do
Fed depende a confiança no dólar, essencial para o bem-estar das relações
comerciais e financeiras privilegiadas dos americanos com o restante do mundo.
Que tal compreensão prevaleça sobre o populismo inconsequente de Trump.
Um exame para os formados em medicina
Folha de S. Paulo
Multiplicação de cursos dificultou controle
de qualidade, avaliação similar à da OAB ajudaria a proteger a saúde pública
Na maior parte das vezes, consumidores têm
condições de avaliar se o produto que adquirem atende a suas necessidades a um
preço adequado. No caso da contratação dos serviços de um médico ou advogado,
tal julgamento é muito mais difícil, pois a maioria nem sequer sabe quais são
os conhecimentos que cada um desses profissionais precisa dominar.
Há aí o que se chama de assimetria
informacional, problema que as sociedades tentam resolver por meio do
licenciamento.
Idealmente, as universidades fariam esse
controle —isto é, o aluno que não aprendeu o necessário não obteria o diploma
para exercer a profissão. No mundo real, é mais complicado.
Hoje, a maior fatia do ensino superior
brasileiro está a cargo de instituições privadas, que relutam em contrariar os
interesses daqueles que as sustentam com o pagamento de mensalidades. Como diz
o provérbio, o cliente tem sempre razão.
Além disso, certas profissões de prestígio
deram ensejo a uma
verdadeira explosão de cursos, tornando ainda mais difícil um controle de
qualidade que já era precário. Os casos mais notáveis foram, primeiro, o
direito, e depois, a medicina. O
Brasil tem atualmente, segundo a OAB, cerca de 1.900
cursos de bacharelado em direito. Em 1995, eram 235.
Em medicina, as escolas passaram de 180 em
2010 para mais de 400 hoje —e há ainda quase 300 processos de abertura de novos
cursos no Ministério da Educação. É
verdade que tínhamos um claro déficit de profissionais. Em 1990, havia 0,9
médico para cada 1.000 habitantes. A média da OCDE é de
3,7/1.000, e o Brasil está hoje com 2,8/1.000.
A questão é que as vagas em cursos médicos
não se fecham quando o país chega a uma taxa adequada de profissionais. Elas
continuarão a existir e a jogar mais profissionais no mercado. Como há um
número não desprezível de diplomados com parcos conhecimentos, temos um
problema de saúde pública.
Não faltam órgãos e entidades a criticar por
ter se chegado a essa situação. Há
escolas que não cumprem com suas obrigações, e o MEC não é
cuidadoso ao autorizar novos cursos ou
avaliar os já existentes. Culpas à parte, é necessário encontrar meios
de pelo menos reduzir os riscos enfrentados pelo público.
Um caminho óbvio é implantar exame de proficiência em moldes similares aos do que a OAB aplica aos bacharéis em direito que querem se tornar advogados. Sem isso, estaremos num só golpe comprometendo a saúde pública e os direitos do consumidor.
Orçamento sequestrado, País sem rumo
O Estado de S. Paulo
Projeto de LDO 2026 aponta para um
crescimento aberrante das emendas, sintoma de uma degeneração institucional
que, caso não seja revertida, nos condenará à mediocridade
A Presidência da República pode se tornar um
simples cargo honorífico, com poder de ação bastante limitado, se nada for
feito desde já para conter o avanço do Congresso sobre os recursos
discricionários do Orçamento da União. Hoje, as emendas parlamentares – orçadas
em R$ 50,4 bilhões para 2025 – representam cerca de 25% das despesas não
obrigatórias. De acordo com as projeções do governo contidas no Projeto de Lei
de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2026, apresentado no dia 15 passado, as
emendas chegarão a quase 50% dos gastos livres em 2027 e a quase 100% no ano
seguinte. Em 2029, a ser mantido esse ritmo, tamanho será o volume de recursos
livres à disposição de deputados e senadores que o Poder Executivo ficará “no
vermelho”, incapaz de investir um mísero real em políticas públicas.
Essa aberração institucional corrompe a
essência do regime presidencialista, é uma afronta à Constituição de 1988. Como
se isso não fosse gravíssimo o bastante, sabe-se que o Congresso não tem
responsabilidade alguma no manejo das emendas parlamentares. Caso tivesse, por
óbvio, não seria tão recalcitrante em criar mecanismos que garantam a
transparência na disposição dos recursos públicos e a aferição dos resultados
das políticas públicas em tese custeadas por essa dinheirama. Na prática, o que
vigora no Brasil é um caso sui generis de parlamentarismo:
oportunista, personalista e inimputável. Não tem como este modelo bastardo de
governança dar certo, aliás, como não tem dado lá se vão cerca de dez anos.
Como mostrou o Estadão, as emendas
parlamentares receberam tratamento privilegiado na formulação do PLDO, com um
crescimento garantido de volume sem paralelo com nenhuma outra despesa pública.
Em 2026, as emendas vão somar R$ 53 bilhões. No ano seguinte, R$ 56,5 bilhões.
Já em 2028 serão R$ 58 bilhões à disposição dos parlamentares, quantia que sobe
para inacreditáveis R$ 61,7 bilhões em 2029. As emendas individuais e de
bancada terão um aumento real de até 2,5% ao ano, de acordo com as regras
aprovadas pelo Congresso no ano passado em retaliação à nova rodada de decisões
do Supremo Tribunal Federal (STF) para acabar com o orçamento secreto. Já as
emendas de comissão, substitutas das emendas de relator como base do esquema,
serão reajustadas pela inflação.
Emendas parlamentares são legítimas. Porém,
em democracias presidencialistas normais, elas têm uma natureza mais limitada,
destinando-se a ajustes pontuais para custeio de políticas muito bem definidas.
Não custa lembrar que o Orçamento público é a
materialização da democracia representativa. Tão mais forte e vibrante ela será
quanto mais eficiente, probo e transparente for o manejo dos recursos dos
contribuintes. Do jeito que está, engessado e carcomido pelos cupins da
República, que tomam como seus os recursos públicos pela mera conquista de um
mandato eletivo, o Orçamento da União é o retrato mais bem acabado dos desafios
que a jovem democracia brasileira ainda tem de superar para se consolidar e garantir
a todos os cidadãos os bônus políticos, sociais e econômicos que só o regime
das liberdades é capaz de oferecer.
Se o Congresso, por razões óbvias, não moverá
um dedo para mudar este estado de coisas que só o beneficia, esperava-se que ao
menos o Poder Executivo estivesse mais engajado na solução de um problema que
só o degrada. Mas não há sinais desse engajamento no horizonte próximo. A
apresentação do PLDO coube ao secretário de Orçamento Federal, Clayton Luiz
Montes, um técnico que se limitou a diagnosticar que, “a partir de 2027, há um
comprometimento que precisa ser endereçado e, neste momento, com as projeções apresentadas,
ainda não foi endereçado”. É urgente que alguém com poder de mando no governo
Lula da Silva venha a público e estimule a sociedade a discutir um plano para
reverter o crescimento das emendas como proporção das despesas discricionárias.
Disso depende não o futuro do atual governo, mas o do próprio País.
O Orçamento público é o reflexo de um projeto
de nação. E a imagem que o PLDO 2026 projeta é de uma nação condenada à
mediocridade.
Trump já arranjou seu bode expiatório
O Estado de S. Paulo
Ao ameaçar demitir o presidente do BC por não
cortar os juros, o presidente americano escolhe alguém para atribuir a culpa
pelo desastre que se avizinha graças às suas loucuras econômicas
Não bastasse alienar parceiros históricos,
intimidar servidores públicos e cinicamente ignorar determinações da Suprema
Corte, o presidente dos EUA, Donald Trump, tem se dedicado com especial afinco,
nos últimos dias, a fazer exigências descabidas a Jerome Powell, que preside o
Federal Reserve (Fed), o banco central americano.
Para Trump, as taxas de juros nos EUA
deveriam cair imediatamente porque o país “está ficando rico com as tarifas” e
a inflação é “virtualmente” inexistente. Na visão trumpista, os juros não caem
porque Powell é um “grande perdedor”, que está sempre atrasado quando se trata
de reduzir taxas, e que age politicamente em benefício dos democratas.
Foi o próprio Trump, durante sua primeira
passagem pela Casa Branca, quem indicou Powell para presidir o Fed. Não tardou,
porém, para que, descontente com o aumento dos juros promovido por um banco
central independente e que tem por obrigação, determinada em mandato, manter a
estabilidade de preços, o republicano passasse a tratar Powell como um inimigo
mortal.
Já àquela época, Trump flertou publicamente
com a ideia de demitir Powell, simplesmente porque na cabeça do republicano
quem entende de política monetária é ele mesmo, e não um banco central cuja
função é manter o maior nível de emprego possível com taxa de inflação estável.
Mas Powell não apenas seguiu no comando do
Fed, o que só comprova a importância de bancos centrais serem independentes,
como foi mantido no cargo quando o democrata Joe Biden substituiu Trump na
presidência. Durante o governo de Biden, o Fed elevou os juros mais de uma
dezena de vezes. Não se tem notícia de que Biden tenha politizado as decisões
do Fed como faz Trump descaradamente.
De volta à Casa Branca, Trump não só voltou a
pressionar Powell – que já disse que seguirá à frente do Fed até o fim de seu
mandato, em maio de 2026 –, como faz parecer que estuda meios de interromper o
mandato do presidente do Fed.
Logo, não surpreende que os ativos
norte-americanos, historicamente um porto seguro para os investidores, estejam
atravessando uma tempestade poucas vezes vista. Desde a posse do republicano
até 21 de abril, o S&P 500, principal índice das bolsas dos EUA, já caiu
14%. Ou seja, nesse período Trump conseguiu uma façanha nada invejável: o pior
desempenho do S&P 500 para qualquer presidente desde 1928, época da Grande
Depressão, quando teve início a série histórica.
Além disso, o dólar está no nível mais fraco
em relação ao euro em quase três anos, enquanto o ouro superou pela primeira
vez a cotação de US$ 3.500 por onça troy.
Diante da insanidade das tarifas de Trump e
dos ataques ao Fed, os investidores buscam ativos mais seguros, um movimento
muito conhecido em mercados emergentes, que agora é a realidade do maior
mercado de capitais do mundo, como alertou o ex-secretário do Tesouro Lawrence
Summers.
Outra radiografia de que a voluntariosa
política econômica de Trump está semeando caos e destruição veio do Fundo
Monetário Internacional (FMI), que em versão atualizada de seu relatório de
perspectivas econômicas reduziu de 2,7% para 1,8% a previsão de crescimento do
PIB dos EUA em 2025 por conta das incertezas provocadas pelas tarifas de Trump.
Já a economia global deve crescer apenas 2,8% neste ano – em janeiro, o FMI
estimava expansão global de 3,3% em 2025.
À medida que a realidade se impõe, Trump
tenta jogar no colo de Powell uma responsabilidade que é inteiramente sua. O
tresloucado plano econômico do republicano deve levar os EUA a uma recessão
mais para a frente, provavelmente arrastando o mundo consigo.
Assim funciona o populismo, de direita ou de
esquerda. No Brasil de Lula da Silva, por exemplo, o presidente do Banco
Central foi acusado de ter “lado político” e de trabalhar para “prejudicar o
País” por manter uma política de juros conservadora – que servia justamente
para conter a inflação atiçada pela gastança do governo. Nem Lula nem Trump
gostam da independência do BC, e a razão disso é clara como o dia: instituições
sólidas freiam a demagogia.
Gambiarra no setor elétrico
O Estado de S. Paulo
Pacote focado na midiática ampliação da
isenção na conta de luz é arremedo de reforma
As críticas de empresários ao pacote de
energia que prevê, entre outras medidas, a expansão do arco de beneficiários
com isenção nas contas de luz mostram que o ministro Alexandre Silveira, de
Minas e Energia, corre praticamente sozinho para fazer avançar a proposta, que
ele classifica como “reforma” do setor elétrico – talvez porque o projeto
encaminhado pelo ministro à Casa Civil às vésperas do feriado de Páscoa não
seja de fato uma reforma ampla, tão necessária ao setor.
Na entrevista que convocou para defender a
importância do pacote, Silveira garantiu que o projeto “está consensuado” no
governo, embora não tenha ocorrido nenhuma manifestação oficial favorável.
Permanece, portanto, a visão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que na
semana anterior, diante da antecipação do anúncio por Silveira, disse
desconhecer a medida, afirmou que o Tesouro não teria como bancar os custos de
ampliação da tarifa social e descartou também o uso do Fundo Social do Pré-Sal,
como havia sugerido o colega do MME.
Que o setor elétrico precisa há muito de uma
reforma estrutural é consenso entre especialistas do setor, tanto como
preparação para a transição energética quanto para conceber, de forma
minimamente organizada, a abertura total do mercado livre de energia, quando
cada consumidor poderá escolher de qual fornecedor irá contratar sua
eletricidade, o que deveria ocorrer em 2028. O interesse em avançar com uma
reforma nesse sentido é algo em tese benéfico e merecedor de reconhecimento.
O problema é que não é bem isso o que está
sendo transmitido pelo ministro Silveira. Em vez de detalhar cronogramas da
abertura do mercado livre, definições de como ficará o mercado regulado, custos
das políticas sociais incluídas no pacote com as respectivas fontes de receitas
e como se dará a revisão do emaranhado de encargos e subsídios que encarecem
sobremaneira as contas de luz, Silveira opta por focar no midiático número de
ampliação de 40 milhões para 60 milhões os beneficiários da tarifa social.
Não parece, como ele quer fazer crer, um
projeto que vinha sendo meticulosamente maturado no ministério e que estaria
pronto para ser levado à discussão no Legislativo. Assemelha-se mais a uma
coletânea feita às pressas para produzir o efeito espetaculoso em torno da
única medida que parece interessar ao ministro: isentar do pagamento pelo
fornecimento de eletricidade todos os inscritos no Cadastro Único de baixa
renda que consumam 80 quilowatts/mês. É menos da metade do consumo médio do
brasileiro, hoje em torno de 200 quilowatts/mês.
Sob intensa pressão política, com o próprio cargo sendo cobiçado por outros partidos do Centrão, como o União Brasil, do senador Davi Alcolumbre – que pleiteia também indicar nomes para diretorias de agências reguladoras vinculadas ao MME, como mostrou recente reportagem do Estadão –, Alexandre Silveira dá mostras de que está aflito para mostrar serviço. E para isso propagandeia medidas que o ajudem a ganhar pontos na cartela populista do presidente Lula da Silva – que, no entanto, sintomaticamente, permanece em silêncio sobre a proposta.
Políticas na sucessão papal
Correio Braziliense
A escolha do novo papa, a partir do extenso e
rigoroso conclave que aguarda o catolicismo, não deve ser capturada por
oportunistas, independentemente do seus espectros político-ideológicos
O mundo se comoveu com a despedida do papa
Francisco, líder responsável por promover profundas mudanças na Igreja Católica
ao optar por um pontificado afastado do conservadorismo. No entanto, tal
postura do sumo pontífice argentino se tornou rapidamente alvo de ataques
dentro e fora do Vaticano, sobretudo de líderes mundiais contrários à política
agregadora de Jorge Mario Bergoglio.
As polêmicas, como não poderia ser diferente,
intensificaram-se nas redes sociais após a morte de Francisco. Apesar disso,
sobressai uma avalanche de mensagens que reconhecem o legado do santo padre e
declarações, no mínimo, curiosas de críticos ferrenhos do religioso.
Presidente da Argentina, Javier Miley falou
em "profunda dor" e "verdadeira honra" ao conhecer
Bergoglio, mesmo após atacá-lo com veemência durante sua campanha, chamando-o
de "enviado do diabo na Terra".
Em Israel, o ir e vir chamou a atenção. Após
o Estado escrever, no X, uma mensagem com "descanse em paz" para
Francisco, a postagem foi excluída ao receber uma enxurrada de críticas diante
do sangrento conflito sustentado pelo país contra o Hamas na Cisjordânia, pelo
qual o papa manifestou seu profundo pesar inúmeras vezes desde a nova escalada
em 2023.
A rejeição digital à manifestação de Israel
não surpreende. O próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu criticou o
pontífice argentino diversas vezes nos últimos meses pela oposição à guerra.
"Vergonhosos", disse o líder de Jerusalém perante o Comitê de
Relações Exteriores e Defesa do Knesset em novembro passado, após o papa chamar
os ataques do país em Gaza e no Líbano de "imorais e
desproporcionais".
Maior líder conservador da atualidade, o
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também faz parte do grupo dos que
abriram mão das divergências para elogiar Francisco. Ontem, escreveu uma
mensagem lamentando a perda do líder católico e o exaltando por "amar o
mundo", ainda que, mais de uma vez, tenha criticado o pontífice por se
posicionar contrário às políticas migratórias estadunidenses.
Defendido por parte dos governos
progressistas, Nicolás Maduro também foi alvo de críticas de Francisco.
"Ditaduras não servem e acabam mal", afirmou o pontífice no ano
passado — em confluência com o seu passado de resistência contra o governo autoritário
na Argentina. Mesmo criticado, o presidente venezuelano homenageou o santo
padre ontem, o chamando de "amigo sincero" de Caracas.
As manifestações merecem atenção da
comunidade católica, até porque parte desses países abriga comunidades
católicas importantes em número de votos. Além, é claro, dos benefícios
diplomáticos que circundam tais declarações. A escolha do novo papa, a partir
do extenso e rigoroso conclave que aguarda o catolicismo, não deve ser
capturada por oportunistas, independentemente do seus espectros
político-ideológicos.
O pontificado de Francisco mostra que a Igreja Católica, assim como qualquer outra religião, tem como principal bandeira a união dos povos. É usando as diferenças entre as culturas que se constrói pontes em busca de um mundo mais justo e igualitário.
A força do empreendedor
O Povo
Se é importante o aumento na quantidade de
novos negócios, reveladora do arrojo que move os brasileiros, é preciso uma
política que contribua para a sustentação desses empreendimentos
O Ceará passa por um crescimento acelerado de
novos pequenos negócios, como informou reportagem publicada por este jornal, na
edição de 20/4/2025. O dado é relevante devido ao papel central que esse tipo
de negócio — microempreendedor individual (MEI), microempresa (ME) e empresas
de pequeno porte (EPP) — tem para a economia brasileira.
Segundo pesquisa do Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com dados da Receita Federal, os
pequenos negócios representam 97% do total de empresas do País, respondendo por
26,5% do Produto Interno Bruto Nacional (PIB). Além disso, as micro e pequenas
empresas (MPE) foram responsáveis por 72% dos empregos criados em 2024.
O Ceará destacou-se nos três primeiros meses
deste ano, ganhando 42.481 novos empreendimentos, aumento de 57% comparado ao
mesmo período de 2024. Foi o estado em que houve o maior avanço de MEIs e MPEs,
considerando todo o Brasil. Essas empresas foram responsáveis por 98% das vagas
formais de emprego criadas no primeiro bimestre de 2025 no território cearense.
A média de aumento de novos negócios no País foi de 35%, acumulando mais de 1,4
milhão empresas emergentes no segmento.
De qualquer modo, é preciso considerar que
50% desses negócios estão no Sudeste (11 milhões) e apenas 16% no Nordeste (3,5
milhões), mostrando que é possível avançar mais no sentido de incentivar o
empreendedorismo nordestino.
Uma das pistas da vocação cearense, como
mostra o levantamento, é que a maioria desses novos empreendimentos está no
setor de serviços, representando 62,4% do total. Em segundo lugar está o
comércio (26,1%), em seguida a indústria (7,1%).
Entre os desafios de um empreendedor, está
manter a empresa viva, após o seu início. Estudos mostram que cerca de 40% das
empresas de pequeno porte encerram suas atividades antes de completar cinco
anos.
Dos problemas que levam ao fechamento precoce
das empresas, incluem-se gestão ineficiente e falta de capital, de treinamento
e de capacitação. É de se lembrar que o Sebrae faz um valioso trabalho de apoio
às empresas de pequeno porte. Além disso, existem programas federais, estaduais
e municipais para incentivar o empreendedorismo.
No entanto, permanece um gargalo, que
atrapalha a vida de quem empreende: a dificuldade do acesso a recursos
financeiros e a alta taxa de juros, que tornam impeditiva a tomada de
empréstimos.
Se é importante o aumento na quantidade de novos negócios, reveladora do arrojo que move os brasileiros, é preciso uma política que contribua para a sustentação desses empreendimentos, de modo a resultar em benefícios para o empreendedor e para toda a sociedade.
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