quarta-feira, 23 de abril de 2025

Erro paradigmático - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Trump se volta contra o comércio que tornou a humanidade mais rica e mais pacífica

O comércio entre nações contra o qual Donald Trump agora se insurge —o que, paradoxalmente, coloca esse líder de extrema direita em linha com setores da esquerda— foi uma das melhores coisas que aconteceu à humanidade. O comércio contribuiu de forma não trivial para nos deixar mais prósperos e também menos belicosos.

O primeiro efeito é obtido por uma espécie de "socialização" de vantagens comparativas. Por caprichos da geografia e da história, países diferem na eficiência com que produzem coisas.

Imaginemos uma nação X que tenha levado a arte de fabricar parafusos à perfeição. Se eu preciso de parafusos, a forma mais econômica de adquiri-los é comprando-os de X. Ao fazê-lo, eu de alguma forma me aproprio das vantagens comparativas com as quais o Criador dotou X para a confecção de parafusos. Se tentasse eu mesmo fabricá-los, pagaria mais por unidade e faria um produto pior.

Muito do enriquecimento que a humanidade experimentou nos últimos dois séculos se deve a esse efeito de barateamento das coisas, que fica comprometido se houver redução das trocas entre nações.

O comércio também foi um fator decisivo na redução da violência entre grupos. Durante a maior parte da história humana, que começou lá no Pleistoceno, vizinhos eram um problema. Não traziam nenhuma vantagem para a minha comunidade e representavam um risco. Mesmo que o perigo não fosse grande, valia a pena massacrá-los, antes que ideia semelhante lhes passasse pela cabeça.

Foi o comércio que nos permitiu sair dessa armadilha imposta pela teoria dos jogos. Quando o vizinho se torna fornecedor de coisas úteis, ele passa a ser mais valioso vivo do que morto.

Esses e outros benefícios do "gentil comércio" começaram a ser percebidos por pensadores liberais já a partir do século 17. Trump, porém, estacionou num paradigma anterior, o mercantilista, no qual o segredo da prosperidade se resume a não ter déficit com nenhum vizinho, ideia que já estava errada no século 15 e que se tornou hoje insanamente absurda.

 

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