quarta-feira, 23 de abril de 2025

Francisco e Brasil - Bernardo Mello Franco

O Globo

Dilma, Temer e Lula buscaram se aproximar de pontífice; capitão preferiu tratá-lo como inimigo

No avião a caminho do Rio, Francisco brincou: “O Papa é argentino, mas Deus é brasileiro”. Era julho de 2013, e o pontífice fazia sua primeira viagem internacional no comando da Igreja.

Francisco dedicou atenção especial ao país com a maior população católica do mundo. Os políticos brasileiros aproveitaram para cortejá-lo — com raras exceções.

Presidente na época do último conclave, Dilma Rousseff foi ao Vaticano para a missa inaugural do Papa. No dia seguinte, os dois conversaram por cerca de meia hora. “Ele fala em portunhol igual à gente”, comentou a petista, na saída da audiência. “É um Papa muito normal, viu?”, surpreendeu-se.

Michel Temer esteve com Francisco duas vezes, ambas como vice-presidente. Na primeira, representou o governo ao fim do encontro de jovens no Rio. “Eu estava inspirado no meu discurso. Disse que o Papa era argentino, mas a partir daquele momento residia no coração dos brasileiros”, recorda.

Francisco não voltou ao Brasil após o impeachment de Dilma. Temer tentou trazê-lo em 2017, mas o Papa recusou o convite. Em carta, fez referência à crise que o país atravessava e disse que não tinha “receita para resolver algo tão complexo”. Ontem o ex-presidente me disse não se lembrar do episódio.

A relação de Lula com Francisco começou com um ruído. O petista estava preso em Curitiba, e sua assessoria disse que ele havia recebido um terço enviado pelo Papa. O Vaticano desmentiu a informação. O objeto tinha sido abençoado pelo pontífice, mas não era um presente dele.

Depois disso, os dois construíram uma relação amistosa em torno de interesses comuns, como o combate à fome. Em 2023, Francisco disse que o presidente havia sido condenado sem provas. Ao saber de sua morte, Lula decretou luto oficial de sete dias no país.

Dos últimos quatro presidentes, Jair Bolsonaro foi o único a não se encontrar com Francisco. Chegou a criticá-lo após o Papa defender a proteção da Amazônia. O pontífice enviou mensagem de pêsames quando a mãe do capitão morreu, mas continuou a ser tratado como inimigo.

Na noite de segunda, Bolsonaro foi instado a se manifestar sobre a morte de Francisco. “Eu lamento a morte, como lamento a morte de qualquer pessoa... qualquer pessoa não, né?”, respondeu, com um sorriso no rosto.

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