quarta-feira, 23 de abril de 2025

O dilema da direita pós Bolsonaro - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Sem romper com os radicais, direita dificulta sua própria normalização republicana

Agora que Bolsonaro está eleitoralmente moribundo, mas ainda é dono do maior patrimônio eleitoral disponível à direita, o campo conservador enfrenta um dilema que é, ao mesmo tempo, moral e pragmático. A sucessão no bolsonarismo se tornou um problema de identidade, viabilidade e sobrevivência. E os caminhos que se abrem diante da direita republicana são, todos, espinhosos.

O dilema pode ser descrito assim: a direita republicana precisa dos votos da extrema direita para se eleger, mas precisa manter distância da extrema direita para se legitimar. Tarcísio de Freitas é o exemplo mais eloquente dessa encruzilhada. Preferido dos donos do dinheiro em São Paulo e herdeiro de Bolsonaro diante da base, equilibra-se entre o desejo de parecer confiável para o sistema e o medo de ser abandonado pelo rebanho que ainda venera o mito. Quer a legitimidade, mas não pode ser lido como um ingrato e interesseiro que abandona o líder agonizante.

A direita republicana quer passar pelo funil da história sem se contaminar com o bolsonarismo —mas não quer, nem pode, passar sem os votos que só o bolsonarismo tem. E esse impasse não é apenas estratégico, mas simbólico.

Aqui está o ponto: a direita é parte legítima do arranjo republicano, assim como a esquerda. O pluralismo político que estrutura as democracias liberais pressupõe que conservadores, liberais, progressistas e reformistas possam coexistir, disputar entre si e alternar-se no poder. A extrema direita não cabe no pacto democrático, mas a direita é uma de suas colunas.

No fundo, a tarefa da direita republicana é dupla: reconquistar a confiança das instituições e a confiança do eleitorado moderado —sem se manter refém da extrema direita que hoje a sustenta. A pergunta é se há alguém disposto —e capaz— de conduzir essa travessia.

É nesse impasse que surge a figura de Tarcísio de Freitas: um experimento de direita republicana que não pode prescindir do bolsonarismo. Tarcísio tenta projetar moderação, confiabilidade, adesão à racionalidade tecnocrática —ao mesmo tempo em que sustenta sua relevância como acólito servil da loucura bolsonarista. Seu sucesso político depende de parecer civilizado à elite e fanático o suficiente à base.

Mas não é possível agradar a ambos indefinidamente. A imagem de Tarcísio como candidato da direita pós-bolsonarista vive encurralada entre duas exigências inconciliáveis. Se ele se aproxima das instituições, dos valores republicanos e da racionalidade democrática, perde apoio popular no seu campo. Se se mantém sob a sombra de Bolsonaro, reforça a impressão de que, apesar do vocabulário mais educado, endossa todos os absurdos do bolsonarismo. Nenhuma dessas faces convence completamente.

Além disso, enfrenta a concorrência direta de outros postulantes que buscam votos na mesma fonte. Nikolas Ferreira, por exemplo, fornece ao mesmo eleitorado —com outra "vibe" e outra "speed"— uma continuidade simples do bolsonarismo. Menos militar e mais influencer, menos tiozão e mais TikTok, ele representa o bolsonarismo como produto de juventude: agressivo, performático, cristão radicalizado, mas também conectado, moderno e inteligente. A legitimidade republicana não é uma questão para Nikolas: progressista é para ser vencido e anulado, não considerado. Seu sucesso crescente mostra que parte da base quer menos prudência e mais guerra. Nikolas é a extrema direita orgulhosa de ser extremista.

A verdade, por outro lado, é que, sem a domesticação republicana da extrema direita, a democracia continuará refém da radicalização. E essa tarefa —difícil, impopular, mas necessária— caberia justamente à direita que deseja se salvar do abraço de urso. A direita que pretende governar precisa de votos, é verdade. Mas precisa também de legitimidade —e não há legitimidade democrática sem um compromisso firme com as regras do jogo, o respeito às instituições e a aceitação da diversidade política e humana.

A existência de uma direita confiável e republicana deveria ser uma prioridade diante do avanço da extrema direita.

Esse dilema se torna mais grave quando a direita institucional se junta à extrema direita para defender a anistia dos golpistas do 8 de Janeiro. O gesto, para além de simbólico, é um tiro no pé da tentativa de normalização republicana. Como convencer o centro político e as instituições democráticas de que há uma direita confiável se ela se mostra cúmplice dos que tentaram derrubar a democracia?

Como diferenciar-se dos radicais se se oferece a eles não só o abraço, mas a impunidade?

 

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