O Estado de S. Paulo
O exemplo de Pertini após o assassinato de Germana Stefanini e a lição na defesa da ordem democrática
Germana Stefanini tinha 56 anos. Ela voltava
do presídio de Rebbibia, onde trabalhava como carcereira auxiliar, quando foi
surpreendida por três jovens armados em seu prédio, na periferia de Roma. Eram
integrantes de um grupelho ligado a uma dissidência das Brigadas Vermelhas, o
Poder Proletário Armado.
Os terroristas entraram com a vítima em seu
apartamento e a fotografaram diante de um cartaz com palavras de ordem. Diziam
formar um tribunal revolucionário e a submeteram a interrogatório. Mera
propaganda, pois sentença já havia. Aquela funcionária, de origem proletária,
cujo trabalho era revistar os pacotes recebidos pelos presos, foi executada com
um tiro na cabeça, e o corpo, abandonado no porta-malas de um Fiat 127.
A história é reconstruída no pungente Una come noi (Uma como nós), livro recém-lançado na Itália pelo jornalista Giovanni Bianconi. A obra mostra o abismo da luta armada e o uso da violência na política por grupos da direita e da esquerda. Quanto maior a fé por trás das ações extremistas, menor o valor da vida. “No limite, ela não vale nada”, escreveu Albert Camus, em O Homem Revoltado.
Stefanini foi velada em 1.º de fevereiro de
1983, na igreja próximo a Rebbibia. Ali compareceu o presidente da República,
Sandro Pertini, que dias antes fora a outro velório, o do procurador
Giangiacomo Montalto, morto pela Máfia, em Palermo; e, cinco dias depois,
visitaria no hospital Paolo Di Nella – militante da extrema direita, Nella
morreria em razão da agressão de extremistas de esquerda.
O socialista Pertini, que lutara na guerra
contra os fascistas, disse: “O ódio age contra todo o povo italiano, seja qual
for a sua matriz política”. Lembrou que o terror havia sido derrotado pelo
trabalho da polícia e da magistratura, mas também porque o povo não cedeu e fez
uma barreira contra os que levavam a violência à política. E completou: “Apesar
de toda essa emergência, o estado democrático deve ser fiel a si mesmo. Não são
necessárias leis excepcionais; a República já dispõe de leis para fazer observá-las
com firmeza e justiça, sobretudo, a Constituição”.
A lição de Pertini serve para Brasília. Não
só para quem usa a lei no STF – a Itália utilizou não só o cárcere duro, mas
também os instrumentos da dissociação e do arrependimento como formas eficazes
de combate à violência política e à criminalidade organizada –, bem como para o
Congresso, ao tratar do processo do golpe. Quem atentou contra o estado
democrático italiano nunca foi alvo de perdão ou de anistia. Assim, a
democracia equilibrou-se na Itália diante dos extremos e derrotou a tentação
autoritária. Em tempo: os assassinos de Stefanini foram condenados à prisão
perpétua.
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