Folha de S. Paulo
Os economistas não têm a menor ideia de onde
o presidente dos Estados Unidos tirou a fórmula de seu tarifaço
O Reino Unido tem muito o que comemorar.
Afinal, desde que Donald Trump anunciou
seu tarifaço na quarta-feira (2), o brexit deixou
de ser o suicídio geopolítico mais idiota de um país rico nas últimas décadas.
Trump falou segurando uma tabela de boteco
que listava, em uma coluna, o quanto cada país cobrava de tarifas dos produtos
americanos; na outra, que tarifas os Estados
Unidos, de agora em diante, passariam a cobrar deles.
Logo ficou claro que os números na tabela de
Trump não haviam sido calculados por economistas, mas sim extraídos por
proctologistas.
Os números não eram as tarifas que cada país cobrava, mas o resultado de uma fórmula matemática que não está em livros de economia pelo mesmo motivo que a frase "Blagabuuuu!" não está em "Hamlet": é uma conta que não faz sentido. É só uma sobreposição aleatória de números relacionados a comércio internacional sem qualquer sentido econômico.
Os economistas não têm a menor ideia de onde
Trump tirou a fórmula maluca, mas o pessoal de computação tem sua suspeita: ela
é parecida com o que você obtém quando pergunta a uma dessas inteligências
artificiais disponíveis para o grande público, como o ChatGPT:
"Como resolver o problema do déficit comercial americano?".
Ou seja, nos próximos anos a economia mundial
será regulada pelo equivalente daquelas imagens geradas por IA em que o sujeito tem um
terceiro braço saindo da orelha.
Em décadas recentes, os Estados Unidos
lideraram o projeto ideológico da globalização. Ficaram ricos com isso, pois
têm uma economia altamente competitiva –o que explica suas tarifas baixas. A
globalização permite que as grandes empresas americanas produzam onde for mais
barato, com os insumos e a mão de obra que forem mais baratos. O atraso de um
país como o Brasil, nas últimas décadas, se explica, em grande parte, porque
não conseguimos nos inserir nessas cadeias produtivas internacionais.
Na quarta-feira, Trump contou uma história em
que os EUA eram prósperos até o começo do século 20, quando não tinham imposto
de renda, mas tinham tarifas altas. O fim das tarifas teria levado à crise de
1929 porque, sei lá, Blagabluuuuu. Após a crise, ainda segundo Trump, os EUA
teriam tentado voltar com as tarifas, mas era tarde demais.
É tudo mentira. Na verdade, a retomada das
tarifas depois da crise de 1929, conhecida como tarifa Smoot-Hawley, provocou
uma corrida protecionista ao redor do mundo. Na opinião de 10 entre 10
especialistas, Smoot-Hawley agravou seriamente os efeitos da crise de 1929.
A revista The Economist chamou o tarifaço de
quarta-feira de "o erro econômico mais profundo, danoso e desnecessário da
era moderna". Todos os indicadores econômicos americanos desabaram após o
anúncio. As grandes empresas americanas, cujas cadeias de produção estão
espalhadas pelo mundo todo, perderam bilhões de dólares em valor de mercado. De
maneira chocante, o valor do dólar caiu em um momento de turbulência global. Em
geral, acontece o contrário.
O "Make Smoot-Hawley Great Again"
de Trump vai deixar os americanos mais pobres e pode gerar uma nova crise
mundial poucos anos depois do fim da pandemia. Mas pelo menos ninguém mais vai
ter que aprender os pronomes certos dos trans.
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