domingo, 6 de abril de 2025

A muralha americana - Míriam Leitão

O Globo

O extremismo protecionista de Donald Trump destrói a arquitetura do comércio global construída desde o fim da Segunda Guerra

Os países construíram desde o fim da Segunda Guerra, por décadas, um mundo em que foram sendo derrubados muros tarifários, desfeitas barreiras não tarifárias, unificados critérios, construídos acordos, cooperação e integração econômica. Várias rodadas de negociações comerciais multilaterais foram permitindo concessões de todos os países para aumentar o comércio global. Houve acordos regionais e a consagração de princípios e regras universais que nos trouxeram a um tempo de comércio exuberante. O presidente Donald Trump bombardeou esse edifício com armas de destruição em massa. A China reagiu aumentando as tarifas. A União Europeia promete responder na mesma moeda. O passado de fortalezas fechadas voltou.

Nos últimos dois dias da semana passada, as bolsas derreteram, e as grandes empresas americanas — supostas beneficiárias desse extremismo protecionista — perderam trilhões de dólares em valor de mercado, numa resposta eloquente de que o governo Trump está errando tragicamente. Quem definiu melhor o que está acontecendo foi, de novo, a revista “The Economist”. Segundo a publicação britânica, foi “o erro econômico mais profundo, prejudicial e desnecessário da Era Moderna”. Na sexta, caíam também as commodities, num movimento coerente com o cenário de baixo crescimento.

Em uma ruína dessa dimensão, nenhum país pode esperar ser o vencedor. No governo, cautelosamente, dizem que o país pode ter algum ganho relativo, mas não se alimenta a ideia de que será bom para o Brasil. Uma queda do ritmo de crescimento da economia mundial só tem perdedores. Pode ser que haja algum nicho de mercado em que o país cresça, por ter que pagar 10%, enquanto alguns países do Sudeste Asiático terão que pagar quase 50%. Mas na economia nada é estático. Efeitos negativos dessa onda de retrocesso comercial serão generalizados e dinâmicos.

Além da visão comercial e econômica grotesca de Trump, há outro dado mais nefasto que é a total imprevisibilidade que se instalou no mundo do comércio. Na própria sexta, Trump anunciou que havia feito um acordo com o Vietnã, país que teve a taxação de 46%. Fez isso diante do derretimento do valor da Nike. Várias empresas de roupas e calçados dependem do Sudeste Asiático. Logo depois, Camboja e Indonésia também avisaram que recuariam em suas tarifas. Diante da dimensão do poderio americano, muitos países vão querer fazer qualquer acordo, mas isso é apenas o império da lei do mais forte. Os grandes blocos terão mais capacidade de retaliar. E a retaliação aprofunda os riscos de recessão global.

Por aqui, já começaram as insinuações de que a indústria precisará de mais proteção, porque os excedentes não vendidos para os Estados Unidos poderão vir para o mercado brasileiro. É bom entender que o Brasil se atrasou no processo de abertura e integração ao mundo. Por isso está sendo apontado como um país que sentirá menos o efeito direto dessa guerra tarifária. Essa situação não transforma um erro num acerto. O atraso na abertura econômica reduziu nossa produtividade. É difícil quantificar o que o país perdeu ao longo dos anos sendo fechado como é. O que se sabe é que neste momento não se pode cair no equívoco de aumentar tarifas contra terceiros países, como resposta à guerra comercial de Trump.

O presidente do Fed, Jerome Powell, disse que o impacto econômico das novas tarifas será significativamente maior do que o esperado. Isso pode atrasar a queda dos juros ou exigir uma alta, a depender da inflação. O que ele está prevendo, alta da inflação e queda do crescimento ao mesmo tempo, é o pior cenário para formular a política monetária. Trump herdou uma economia forte, com bom nível de atividade e mercado de trabalho robusto, no qual os juros começavam a cair. Pelas declarações que fez durante a campanha, o Fed interrompeu a queda. Powell disse que a “incerteza” permanece elevada. A resposta do presidente foi acusá-lo de fazer política. Vale lembrar que foi indicado por Trump e mantido por Joe Biden, pelas qualidades com que exerceu o cargo.

No Brasil, a direita está encrencada. Trump atirou contra a nossa economia também, e só não foi pior pela competência dos negociadores brasileiros. Além da contradição de louvar quem está ferindo empresas no Brasil, terão dificuldade em dizer que são liberais na economia. Nada menos liberal que um tarifaço.

 

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