Rejeição de Lula para de subir, mas não dissipa incerteza
Folha de S. Paulo
Presidente fica na frente em intenções de
voto, mas sem a larga vantagem de antes; eleição será plebiscito sobre mandato
Foi estancada a queda da popularidade do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), que havia
sido detectada pelo Datafolha no
início de fevereiro. Mas, de acordo com a pesquisa do instituto que foi a campo
nesta primeira semana de abril, não há motivo para comemoração nas hostes
situacionistas.
A cada 100 entrevistados, 38 consideram que
Lula faz um governo ruim ou péssimo (ante 41 na rodada anterior), 29 avaliam
como ótima ou boa a sua administração (24 em fevereiro) e os mesmos 32 entendem
que o seu desempenho é regular. O
quadro pouco variou, considerada a margem de dois pontos de erro.
Questionados diretamente sobre se aprovam ou desaprovam a gestão petista, os brasileiros se dividem em duas metades iguais. A expectativa em relação ao restante do mandato presidencial é menos otimista e mais pessimista do que há um ano.
A terceira passagem de Lula pelo Palácio do
Planalto distingue-se qualitativamente por alguns fatores das suas duas
primeiras, na década retrasada. O vento de cauda da economia internacional não
bate mais. Pelo contrário, entra-se agora num período de insegurança sobre o
comércio e a divisão do trabalho globais como não ocorria há muitas décadas.
Em 2003 o presidente neófito teve o bom senso
de poupar recursos orçamentários no início do governo. Em 2023, na verdade
ainda antes da posse, um político experiente afundou o pé no acelerador da
despesa e agora tem pouca margem para contra-arrestar os efeitos colaterais de
sua opção, sob a forma de carestia da comida e juros asfixiantes.
Os poderes presidenciais foram solapados pela
hipertrofia do Legislativo na execução das verbas discricionárias e pelo lauto
financiamento estatal dos partidos. Além disso, a oposição ao incumbente ganhou
musculatura. No Brasil e em outras democracias, é mais raro que se governe sob
larga aprovação popular.
A resultante desses vetores torna mais
incerta a trajetória do presidente brasileiro até a eleição de outubro do ano
que vem. Lula
aparece na dianteira na pesquisa de intenções de voto, embora a sua folga
para os segundos colocados não seja tão dilatada quanto era nesse momento de
2021.
Seu adversário mais forte, o
ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL),
está inabilitado para a disputa, mas não faltarão pleiteantes, hoje ainda
relativamente pouco conhecidos dos eleitores em nível nacional, para rivalizar
com o petista pela preferência majoritária.
O torneio que se descortina será um
plebiscito sobre este mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Com poucos
cartuchos para queimar e acossado por um tumulto econômico e geopolítico
internacional, o presidente pode apostar em mais do mesmo —paternalismo,
populismo, gastança—
para tentar melhorar a sua condição.
Pode, alternativamente, tentar se conectar
com o Brasil moderno —empreendedor, austero e maduro. Dessa escolha dependerão
suas chances de reeleger-se.
Ofensiva contra o conhecimento nos EUA
Folha de S. Paulo
Medidas como corte de verbas para
universidades e perseguição a estrangeiros contrariam ideário liberal fundador
do país
A investida do governo de Donald Trump contra
a academia e a ciência americanas
corre o sério risco de vir a figurar na galeria de desastres históricos
autoinfligidos.
As ações se dão em várias frentes. A de maior
visibilidade recentemente foi o corte de verbas federais para instituições de
elite. A
Universidade Columbia perdeu US$ 400 milhões; a UPenn, US$ 175 milhões;
bolsas foram suspensas em Princeton; o governo diz que está revisando acordos
de US$ 9 bilhões para Harvard.
A Casa Branca alega que as instituições não
agem contra o antissemitismo como deveriam.
De fato, sob inspiração do movimento
identitário, essas universidades eram inconsistentes na aplicação de sua
disciplina interna. Professores e alunos que discordassem de consensos
progressistas eram rapidamente punidos, mas a
tolerância para com discursos contra judeus e Israel era
quase inesgotável.
Esse, contudo, é um problema que deve ser
resolvido pela gestão acadêmica interna, sem interferência estatal.
Ademais, pela lei americana, até discursos
nazistas são protegidos pela liberdade de expressão. E contam-se nos dedos os
casos em que as manifestações pró-Palestina deram
lugar a agressões e crimes que exigem intervenção de autoridades.
Note-se que o governo foi além das verbas e
mirou alguns estudantes e professores estrangeiros envolvidos nos protestos,
com cancelamento
de vistos, detenções e potenciais deportações —contrariando o ideário
liberal que fundou os EUA.
Outra frente é o esvaziamento de agências e
institutos federais de pesquisa. Em nome da eficiência governamental, setor a
cargo do empresário Elon Musk, vários órgãos tiveram seus orçamentos
drasticamente reduzidos, e milhares de cientistas atuantes em setores vitais,
como saúde, agronomia, meteorologia e ambiente, correm risco de ser demitidos.
É difícil estimar a magnitude dos danos, mas
alguns resultados nefastos são previsíveis. Pesquisas importantes serão
interrompidas, e parte do corpo científico que hoje desbrava as fronteiras do
conhecimento será desmobilizada. Jovens talentos de todo o mundo, que se
dirigiam aos EUA para aprimorar sua formação e eventualmente radicar-se lá,
pensarão antes de fazê-lo.
Trump está erodindo, sem nenhum respaldo em
evidências, as bases da liderança que o país vinha exercendo no setor ao longo
do último século. E, pior, o fazem num momento em que a China, com seu
governo autoritário, busca espaços para ocupar.
Trump transforma Estados Unidos em agente do
caos
O Globo
Abalo na relação de confiança com os aliados
destrói imagem do país como esteio da estabilidade global
Levou dez semanas para Donald Trump provocar
um terremoto no planeta, abalando uma relação de confiança econômica, política
e militar construída ao longo de décadas com países aliados. Mesmo que venha a
ser forçado pelas circunstâncias a voltar atrás, o estrago está feito. Sob o
seu governo — ou de seus herdeiros políticos —, a imagem dos Estados Unidos como
esteio da estabilidade global estará em ruínas.
A superpotência que buscava equilíbrio por
meio de regras aceitas por todos deu lugar a um país disposto a promover o caos
em nome de ganhos baseados na lei do mais forte. O principal aliado das
democracias liberais passou a se comportar como adversário. Não surpreende que
chefes de governo em todos os cantos do planeta reavaliem suas políticas e
planos estratégicos. Do comércio global às alianças militares, o mundo já é
outro depois de Trump.
Destruindo o consenso responsável por décadas
de crescimento global e redução da pobreza, resultado do livre-comércio, ele
elevou as tarifas sobre importados a um patamar inédito desde 1909, segundo o
Budget Lab, da Universidade Yale (depois de um choque de 11,5 pontos
percentuais, a tarifa média efetiva alcançou 22,5%). Na guerra comercial, cujo
alvo principal declarado na campanha eleitoral era a China, não poupou aliados
históricos, como os vizinhos México e Canadá ou a União Europeia. Trump só
esquece que, se protecionismo desse certo, o Brasil, com sua economia fechada,
seria uma superpotência.
O tratamento dirigido aos aliados tem
despertado angústia. Trump insiste em dizer que o Canadá deve ser um estado
americano. Na última semana de março, o vice-presidente J.D. Vance visitou uma
base americana na Groenlândia, território dinamarquês que Trump afirma querer
adquirir — contra a vontade dos locais e da UE.
Ele não apenas critica os países da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) por não cumprirem os
compromissos de gastos militares. Em seu devaneio, critica a própria existência
da aliança transatlântica, que tem mantido o mundo a salvo de conflitos de
vulto nos últimos 80 anos. Os países europeus se veem obrigados a repensar suas
estratégias de defesa contra a ameaça russa, pois não confiam mais nos Estados
Unidos. Não sem razão. É chocante o tratamento dispensado por Trump ao russo
Vladimir Putin, favorecido nas iniciativas para encerrar a guerra na Ucrânia —
enquanto o ucraniano Volodymyr Zelensky foi injustamente tachado de ditador e
acusado de ter iniciado o conflito, além de enxovalhado diante das câmeras por
Trump e Vance na Casa Branca.
Trump sendo Trump, poderá sempre mudar de
curso. Na economia, as tarifas terão impacto inevitável na inflação. A perda de
poder de compra foi estimada pelo Budget Lab em até US$ 3.800 por domicílio ao
longo de um ano. Se tal projeção for confirmada, certamente haverá pressão por
mudança. Na área militar, também há possibilidade de correções. A Austrália,
diante do tratamento dado aos canadenses e europeus, começa a discutir a
conveniência de elaborar um plano B para a aliança militar com os Estados Unidos.
Em algum momento, Trump poderá rever suas ações. Mas a marca de seu governo já
ficou clara nas primeiras dez semanas: o país mais poderoso do mundo foi por
décadas esteio da estabilidade planetária — agora virou um agente do caos.
Esvaziamento do Prouni revela que modelo do
programa está esgotado
O Globo
Em 2024, foram preenchidas apenas 26% das
mais de 650 mil vagas abertas pelas universidades
Depois de duas décadas, há sinais evidentes
de que são necessárias mudanças no Programa Universidade para Todos (Prouni) —
porta de acesso ao ensino superior para estudantes de baixa renda. No ano
passado, das 651.546 vagas abertas, apenas 170.911 (26%) foram preenchidas,
como mostrou série de reportagens do GLOBO. Em 2006, a situação era bem
diferente: somente 21,4% ficaram ociosas, segundo o Sindicato das Entidades
Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp).
Uma das explicações para o desencontro é a
oferta exagerada de vagas em cursos de baixo interesse para os estudantes.
Outro problema é a divulgação deficiente junto ao público-alvo. “Seria
importante o Estado fazer uma busca ativa desses jovens mais vulneráveis, que
estão no CadÚnico e cursam a reta final do ensino médio”, diz Paulo Meyer
Nascimento, pesquisador de ensino superior do Ipea. Mudanças na distribuição de
vagas remanescentes também têm contribuído para a baixa procura.
O ministro da Educação, Camilo
Santana, alega que muitos jovens desistem de ingressar no ensino superior,
sobretudo por precisar trabalhar assim que completam a educação básica, ou
mesmo antes. Para ele, o programa Pé-de-Meia, que incentiva a permanência de
estudantes de baixa renda em sala de aula e a realização do Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem) ao fim do terceiro ano, pode reverter o quadro. É verdade
que a realidade do país impõe escolhas aos jovens, mas essa situação não surgiu
agora e, no início do Prouni, não impedia que as vagas fossem preenchidas. Não
é certo também que o Pé-de-Meia, divulgado maciçamente pela propaganda
governamental, vá consertar os problemas.
Outro dado que chama a atenção é a
multiplicação de bolsas no ensino à distância (EaD). Em 2009, elas
representavam 8%, com 26 mil matriculados. Em 2023, eram 31%, com mais de 124
mil. Esse modelo se mostra atraente para alunos que tentam conciliar estudo e
trabalho, mas o próprio MEC se diz preocupado com a qualidade do ensino. No ano
passado, proibiu a abertura de novos cursos na modalidade até a regulação do
setor.
Iniciado em 2005, o Prouni troca isenção
fiscal de instituições privadas por bolsas de estudos para alunos de baixa
renda. Entre 2005 e 2024, beneficiou 3,4 milhões de estudantes, a maioria (2,5
milhões) com bolsas integrais, os demais com 50%. O que é um bom negócio para
as faculdades, porém, pode não ser para os alunos. O Brasil de 2025 não é o
mesmo do de 2005. As aspirações dos jovens mudaram, a tecnologia deu um salto,
a sociedade se transformou. Um programa desenhado para aquela época precisa ser
adaptado aos tempos atuais, diante das novas demandas e da dinâmica do mercado.
Há que preservar o aspecto positivo, como a baixa evasão dos participantes, e
corrigir o que não tem dado certo. Se há mais vagas que interessados, algo não
está funcionando.
Lula é isso aí
O Estado de S. Paulo
Ao contrário do que pensam os petistas, a
comunicação do governo funciona bem, tanto que os eleitores já entenderam que
Lula só tem a lhes oferecer as ideias rançosas de décadas atrás
Convictos de que a comunicação vai redimir o
governo do mau desempenho nas pesquisas de popularidade, o presidente Lula da
Silva e seus exegetas recorreram nesta semana a uma patranha tipicamente
lulopetista: a organização de um grande ato público, planejado sob o pretexto
de “prestar contas” e celebrar bons resultados, mas convertido em peça
marqueteira para difundir a ideia de que o governo é bem melhor do que
aparenta. De quebra, atribuiu falhas a terceiros e tentou convencer o público
de que, a despeito de sua impopularidade, o demiurgo petista é a melhor opção
para conquistar o voto do eleitor em 2026. Foi essa a natureza do evento
“Brasil dando a volta por cima”, realizado na quinta-feira passada no Centro de
Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília.
O método é conhecido, mas ainda assim causa
perplexidade a naturalidade com que a solenidade festiva, organizada pelo
ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Sidônio Palmeira,
misturou atos de governo com a lógica de comitê eleitoral. Para tanto,
recorreu-se a duas obsessões do lulopetismo: a comparação com o seu inimigo
preferencial, o ex-presidente Jair Bolsonaro, e a convicção de que Lula
reinventou o Brasil, reconstruindo o que o antecessor supostamente destruiu.
Com a marotagem marqueteira, Sidônio Palmeira tenta também mostrar que a
comunicação – durante muito tempo apontada como a principal responsável pela
crescente impopularidade de Lula – enfim melhorou.
Cumprindo o manual do novo ministro, Lula
ampliou consideravelmente o número de aparições e discursos públicos; programas
considerados estratégicos foram reafirmados e empacotados em peças
publicitárias triunfantes; anúncios já feitos passaram a ser reeditados como
novidade; por fim, diariamente difundem-se números e feitos como “marcas” da
atual gestão – como se viu, por exemplo, na longa lista de realizações
divulgada pela equipe de Sidônio Palmeira.
Esse investimento pesado está baseado na
presunção de que os eleitores até agora foram incapazes de perceber as inúmeras
virtudes do governo Lula. A chegada à Secom do marqueteiro de Lula serviria,
portanto, para mostrar essas virtudes aos desatentos brasileiros. Quase três
meses depois, porém, a popularidade caiu ainda mais e se estabilizou em baixa –
e, para infortúnio do presidente, sua impopularidade vem crescendo inclusive em
regiões e faixas do eleitorado que até pouco tempo pareciam imunes à mediocridade
do governo.
Ao contrário do que pensam os petistas,
contudo, a comunicação do governo está funcionando sim, e muito bem – e é
exatamente por isso que a popularidade do presidente só faz cair. O eleitorado
não é bobo e já entendeu perfeitamente que o governo petista só tem a mostrar
as ideias e os projetos de 20 anos atrás. Basta ver os cidadãos escolhidos para
falar no evento e mostrar como suas vidas foram transformadas pelo Bolsa
Família e o Farmácia Popular, além de serem exibidas supostas façanhas de
outras iniciativas que se tornaram célebres em gestões anteriores do PT. Eis aí
o busílis: o terceiro mandato de Lula é uma soma rançosa de velhas soluções
prescritas para novos problemas.
Lula e o PT ainda acreditam numa gratidão
popular que já não existe mais. Historicamente o voto econômico explicava a
popularidade dos governantes. Benefícios sociais e maior renda se traduziam em
apoio eleitoral. Mas a sociedade mudou e, com ela, a lógica política. Os
eleitores de hoje são mais críticos e menos fiéis. Não só passaram a ver certos
programas e benefícios como um direito básico, e não como um favor digno de
retribuição, como também têm ambições e expectativas que exigem novas agendas.
Não basta, portanto, reciclar ideias antigas e convencer os cidadãos de que há
hoje melhores indicadores econômicos do que sob Bolsonaro. É preciso mais.
A “volta por cima” pregada pela festa
governista, portanto, não diz respeito a um recomeço que ilumina a expectativa
para o futuro, mas tão somente revive o passado idealizado. A população percebe
os “feitos” do terceiro mandato – e decididamente não gosta do que vê. Trata-se
do mais grave tipo de frustração popular: aquela que é fruto da constatação de
que o presidente e seu governo não têm muito mais a oferecer, porque Lula é
isso aí.
O mundo afogado em dívida
O Estado de S. Paulo
O endividamento global atual é três vezes
maior que o de 2007, segundo a OCDE; custos e riscos de crédito aumentam sem
que dívida seja usada para melhorar produtividade
Governos e empresas recorreram aos mercados
para levantar US$ 25 trilhões em crédito em 2024, de acordo com o
relatório Financiando o crescimento em um ambiente desafiador no mercado
de dívida, recém-publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
Trata-se de um endividamento US$ 10 trilhões
acima daquele verificado no período anterior à pandemia de covid-19 e quase
três vezes superior ao nível de 2007. Além disso, a tendência é de que os
níveis de endividamento sigam em alta: a relação dívida/PIB em países da OCDE
deve atingir 85% em 2025, alta de 10 pontos porcentuais em relação a 2019 e
quase o dobro do observado em 2007.
Ainda de acordo com a publicação, o
porcentual de dívida soberana detido por bancos centrais vem caindo
continuamente nos países da OCDE: de 29% da dívida circulante em 2021 para 19%
em 2024, enquanto o volume de dívida soberana detido por investidores estrangeiros
subiu de 29% para 34% no período.
Mantida essa tendência, alerta a OCDE, ou os
investidores atuais precisarão comprar mais dívida ou novos participantes, mais
sensíveis a variações de preços, terão de financiar as necessidades de países e
empresas, o que pode adicionar volatilidade ao mercado.
Tanto no período da pandemia como no da grave
crise financeira que abalou o mundo em 2008, o endividamento foi uma ferramenta
fundamental para a mitigação de choques econômicos e para que se estimulasse a
recuperação de nações e empresas de diversos ramos. Importante para que se
levasse adiante o financiamento de políticas públicas que asseguraram o
crescimento econômico sustentado, o crescimento dos níveis de endividamento por
si só não seria um problema.
Ocorre que, no quadro capturado pela OCDE, o
volume de dívida estatal e corporativa vem aumentando num ambiente de custos e
riscos de crédito mais elevados, o que restringe a capacidade de endividamento
futuro e compromete seriamente o financiamento de medidas que apoiem o aumento
da produtividade e o envelhecimento da população.
Crédito mais caro e arriscado também é um
obstáculo para que gastos com defesa sejam ampliados, um imperativo agora que o
presidente dos EUA, Donald Trump, dinamita a ordem mundial pós-guerra que bem
ou mal vigorou nos últimos 80 anos.
No agregado da OCDE, os gastos dos governos
com o pagamento de juros é maior que o investimento em defesa. Em 2024, as
despesas com juros em dois terços dos países da organização chegaram a 3,3% do
PIB, 0,3 ponto porcentual a mais que em 2023.
Em relação especificamente às empresas, a
OCDE detectou que a maior parte da dívida corporativa nos últimos anos foi
destinada a operações financeiras como remuneração a acionistas, e não a
investimentos voltados ao aumento da produtividade.
“Ampliar a eficiência do gasto público,
priorizar investimento público orientado para a melhora da produtividade e do
crescimento econômico de longo prazo e oferecer às empresas incentivos para
que, ao contrair dívida, aumentem sua capacidade produtiva e melhorem suas
perspectivas de crédito” são as recomendações do secretário-geral da OCDE,
Mathias Cormann, para que as nações e empresas se endividem de forma mais
racional.
Embora não faça parte da OCDE, o Brasil é
citado no relatório como país com relação dívida/PIB superior a 60% – de acordo
com o Banco Central, a dívida bruta do governo geral encerrou 2024 em 76,1% do
PIB. O País também é mencionado, ao lado da Turquia, como um dos poucos
emergentes com PIB superior a US$ 1 trilhão que não merecem grau de
investimento, espécie de selo de bom pagador dado pelas agências de
classificação de risco.
É mais que sabido que, com a Selic em alta, a
relação dívida/PIB brasileira seguirá aumentando. Nesse sentido, o relatório da
OCDE deveria ser mais um alerta para o governo brasileiro, que vem adotando uma
série de medidas de estímulo ao consumo, sem qualquer preocupação com uma maior
produtividade num país que vive de espasmos econômicos.
Se até países da OCDE, em geral economias
mais dinâmicas e diversificadas que a brasileira, estão sendo chamados a
repensar como operam com dívida, bem faria o Brasil se gerisse seu
endividamento de modo a garantir crescimento sólido.
A inevitável reforma da Previdência
O Estado de S. Paulo
Secretário do Tesouro faz alerta sobre
déficit, o que é um avanço em se tratando de um governo petista
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério
Ceron, afirmou ser “inevitável” e “irrefutável” que o Brasil terá de passar por
novas reformas da Previdência “no futuro”. Vinda de um integrante de um governo
petista, a declaração, dada em entrevista à Exame, mostra que o problema,
já exposto por este jornal em diversos editoriais recentes, deve ser realmente
grave, pois, para muitos petistas, nem déficit a Previdência tem.
O aumento da expectativa de vida e o
envelhecimento da população levam a esse diagnóstico óbvio, e esses fenômenos,
na avaliação de Ceron, exigirão a atualização das regras de concessão de
benefícios previdenciários “de tempos em tempos”.
Os números ilustram muito bem o cenário a que
se refere o secretário. Segundo a peça orçamentária de 2025 enviada pelo
governo e ainda à espera de aprovação, esses gastos obrigatórios vão consumir
mais de R$ 1 trilhão pela primeira vez na História. Ademais, de acordo com
reportagem do jornal Valor, o rombo da Previdência cresceu 60% entre 2015
e 2024.
Aprovada no primeiro ano da gestão de Jair
Bolsonaro, em 2019, a última reforma da Previdência já deu seus sinais de
saturação. E há um fator preponderante a explicar esse fenômeno tão precoce.
Trata-se da política de valorização do salário mínimo vinculada aos benefícios.
Resgatada por Lula da Silva, essa medida empurrou os gastos – e, claro, o rombo
– para cima. Dela, porém, o presidente não abre mão. Segundo o secretário, o
presidente lhe avisou, ainda nas primeiras conversas, que “nada é mais importante”
do que essa política.
Esse problema, porém, não está restrito
apenas à Previdência. As despesas com o Benefício de Prestação Continuada
(BPC), pago a pessoas de baixa renda com 65 anos ou mais ou com deficiência,
também estão vinculadas ao salário mínimo e, portanto, sobem acima do ritmo da
economia e das receitas.
Para ter uma ideia, em 2019 foram gastos R$
58,7 bilhões com o BPC e, para 2025, estão previstos R$ 112,9 bilhões. A
continuar nesse ritmo, segundo o próprio secretário, logo mais deixará o BPC do
mesmo tamanho do Bolsa Família, que atende mais de 20 milhões de famílias e,
neste ano, poderá custar R$ 160 bilhões. “É uma coisa que a sociedade precisa
parar para pensar se está adequada ou não”, afirmou Ceron.
É bem verdade que o Congresso rejeitou os
ajustes propostos pelo governo no projeto de lei sobre o BPC enviado no fim do
ano passado, mas isso não teria ocorrido não fosse a descrença do presidente
Lula da Silva na necessidade de mudanças nessa política, que desmotivou os
parlamentares a assumirem o ônus político da proposta.
Ao governo, cabe assumir a liderança nessas discussões sobre as limitações fiscais do País e seus desafios demográficos. O que se espera, na linha do que afirmou Ceron, é o enfrentamento desses problemas todos, “com naturalidade e com seriedade”, a começar pelo próprio presidente. A Previdência não é um problema do futuro, e sim do presente. Mas o atual governo parece preferir que a bomba exploda no colo dos sucessores.
União contra o avanço do crime
Correio Braziliense
É incontestável que os poderes públicos
precisam unir esforços para combater o flagelo da violência, que afeta todas as
camadas da população brasileira.
Como poucas vezes se viu, o brasileiro está
com muito medo. Medo de sair de casa. Medo de ir ao trabalho e não voltar. Medo
de usar o telefone celular em espaço público. Medo de parar no semáforo com o
vidro do carro aberto. Medo de ficar no fogo cruzado entre policiais e
bandidos. Medo de ser vítima de furto, assalto, estupro e toda sorte de crimes
e golpes. No litoral ou no interior, nas grandes ou médias cidades,
independentemente se o governo é de esquerda ou de direita, o fato é
incontestável: o Brasil está vulnerável ao crime.
O receio crescente do cidadão com a
criminalidade pôde ser comprovado na semana passada, com a divulgação de
pesquisa de opinião da Genial/Quaest. Segundo o levantamento, 29% dos
brasileiros consideram a violência o problema mais grave enfrentado pelo país
em 2025. Esse índice está muita acima de outras preocupações da população, como
questões sociais (23%), economia (19%), saúde (12%), corrupção (10%) e educação
(7%). Pesquisas anteriores realizadas pela Quaest indicam um salto do item
violência nos maiores temores dos brasileiros, passando de 10% em dezembro de
2023 para os índices publicados na quarta-feira.
O sentimento da população é consequência
direta do avanço das facções criminosas. As conexões estabelecidas por esses
grupos estão cada vez mais capilarizadas. As atividades ilícitas se encontram
em franca diversificação, ultrapassando, inclusive, as fronteiras nacionais. Há
situações graves nas regiões Norte e Nordeste. No Sudeste, as maiores do país
enfrentam um cotidiano dramático, com cidadãos sendo executados por assaltantes
em plena luz do dia.
O problema da segurança pública no Brasil tem
sido alvo de intenso debate político, com avanços lentos. Na terça-feira, o
ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, pretende apresentar ao Congresso
Nacional a chamada PEC da Segurança. Entre outras medidas, a proposta
sistematiza e permite o compartilhamento de informações das forças de segurança
e dá mais poder de polícia às Guardas Municipais. Apesar da iniciativa do
governo Lula, é certo que o projeto enfrentará resistência no Parlamento, onde
a bancada da bala e forças conservadoras advogam uma linha-dura contra o crime.
No debate sobre o combate à violência, é
preciso encontrar um equilíbrio na polarização. De um lado, há aqueles que
defendem uma atuação mais contundente das forças policiais, com inevitáveis
"perdas" durante o combate. É a linha defendida por governadores,
como Wilson Witzel antes de sofrer impeachment no Rio de Janeiro e os atuais
incumbentes Ronaldo Caiado e Tarcísio de Freitas. De outro, reivindica-se um
esforço na bandeira defendida por Lewandowski, com mais cooperação entre as
forças de segurança a fim de garantir respostas mais eficientes no combate à
criminalidade. Acrescente-se a essa lista de urgências o maior investimento no
trabalho de inteligência, a fim de evitar que operações policiais se tornem um
derramamento de sangue inocente e um pesadelo para milhares de pessoas nas
áreas das grandes cidades dominadas pelo crime organizado.
Não existem soluções fáceis nem bala de prata para resolver o grave problema da segurança pública no Brasil. Mas é incontestável que os poderes públicos precisam unir esforços para combater o flagelo da violência, que afeta todas as camadas da população brasileira. Responsabilidade, cooperação e políticas de Estado são pré-requisitos para neutralizar o avanço de facções criminosas, que estão dispostas a ir às últimas consequências para intimidar cidadãos e autoridades. Como detentor das forças de segurança, é dever do Estado se organizar para derrotar esse inimigo.
Mais dignidade às pessoas em situação de rua
O Povo
Dados do Ministério do Desenvolvimento e
Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), obtidos pelo O POVO por
meio do Cadastro Único, indicam que Fortaleza tem 9.641 pessoas vivendo em
situação de rua
O POVO publicou reportagem recente sobre
a situação das pessoas em situação de rua vivendo sob viadutos de Fortaleza. A
cena parece ter se tornado corriqueira a quem passa por perto: agrupamentos de
dezenas de famílias em abrigos improvisados nas ruas da capital cearense. Sem o
mínimo de dignidade, o acesso à água e à eletricidade, quando existe, é feito
de forma precária.
As causas para terem ido parar ali são
variadas e muito pessoais, como desavenças familiares, perdas de emprego,
vícios, entre outros. Muitos vivem da reciclagem e de lá tiram o dinheiro para
a alimentação do dia. Por meio de doações, conseguem roupas e outros itens de
higiene.
São muitas e variadas histórias que se cruzam
no desejo por um lar, com toda a dignidade que qualquer cidadão merece e da
qual precisa, e na falta de condições de poder adquirir um. Ora, vivem de
doações; ora, do pouco que arrecadam com o trabalho irregular. A
vulnerabilidade social leva a problemas de saúde e de falta de direitos
básicos.
Dados do Ministério do Desenvolvimento e
Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), obtidos pelo O POVO por
meio do Cadastro Único, indicam que Fortaleza tem 9.641 pessoas vivendo em
situação de rua.
A reportagem do O POVO mostra que há, na
Capital, um serviço de atendimento médico realizado pelo programa
"Consultório na Rua", da Secretaria Municipal da Saúde (SMS). Os
profissionais percorrem as 12 Regionais, levando os serviços prestados nos
postos de saúde. São seis equipes com médico, enfermeiro, técnicos de
enfermagem, psicólogo, assistente social, agente social e motoristas. Fazem
emissão de prescrições médicas, consultas, vacinação e distribuição de
preservativos.
Há também o Centro de Referência para
População em Situação de Rua (Centro Pop), que fornece o acesso à orientação
jurídica, psicológica, socioassistencial, alimentação e ações educativas. Além
disso, há projetos assistenciais feitos por grupos ligados às igrejas que
contribuem com roupas e alimentos para essa população. Esses grupos solicitam
doações da comunidade para a distribuição às pessoas em situação de rua.
É um número que infelizmente tem crescido.
Segundo dados do fim do ano passado, a quantidade de pessoas vivendo em
situação de rua no Brasil aumentou aproximadamente 25%. Em dezembro de
2023, havia 261.653 pessoas nessa situação. No fim de 2024, o número chegou a
327.925. A informação é do levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas
Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas
Gerais.
É importante, sim, oferecer serviços de saúde
e higiene a essa população. Mais do que isso, porém, é fundamental executar
políticas públicas que retirem essas pessoas das ruas e deem a elas um abrigo
respeitoso, como é direito de todo cidadão.
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