Folha de S. Paulo
Ascensão chinesa mudou política e economia
por aqui; guerra trumpiana será outro choque
Desde 2023, a China tem
26,4% do total da corrente de comércio de bens do Brasil, na média. Corrente de
comércio: a soma da exportações e importações. O comércio com os Estados
Unidos equivale a 13,4% do total. Com a União
Europeia, 15,9%. Somados, EUA e UE são 29,3%, pois. América do
Sul, 11,9%.
Depois da guerra
econômica de Donald Trump, pode ser que China venha a ter mais peso no
comércio do Brasil do que americanos e europeus. E daí?
A ascensão da economia e do comércio da China no século 21 contribuiu para mudanças na produção, em contas econômicas fundamentais, na política e nas relações exteriores do Brasil. Basta pensar no mais óbvio. Na estagnação ou na decadência da indústria ao menos desde 2011. Na entrada de recursos que ajudou a dar cabo das crises de endividamento externo, tormento de dois séculos. Na ascensão econômica, política e cultural do agro. No enfraquecimento das relações com Mercosul e EUA.
Na média de 2011 até o começo de 2020, a
China teve 18,8% da corrente de comércio brasileira. EUA e UE, 31,4%. A
definição do período é arbitrariedade razoável: da retomada do comércio mundial
depois da crise
de 2008 até pouco antes da pandemia.
Por falar em 2008, o comércio com a China era
então 10% do total. Com EUA e UE, 34,5%. Em 2001, a China tinha 2,8%. EUA e UE,
48%. América do Sul, 18%. É fácil perceber a baita mudança.
O tamanho chinês deu no conflito entre EUA e
China. O que havia de regras nas relações econômicas foi para o vinagre, com a
contribuição de outras guerras e epidemia. Começou, de leve, a tendência de
regionalização econômica, pactos regionais, fragmentação de cadeias de
fornecimento de insumos. Trump deve explodir inclusive as grandes alianças
desse mundo mais fragmentado (a ocidental, por exemplo).
Disseminou-se ou escancarou-se a ideia de que
o Estado deve intervir (ainda mais) em setores "estratégicos", com
políticas industriais ou outras, com fins de defesa econômica e de segurança
nacionais; de comércio, investimento e finança como instrumento de poder
internacional. Lembra Trump? Lembra também Joe Biden,
com outro enfoque. Lembra o que a Alemanha deve
tentar fazer. Nesse mundo, pense-se então na situação em que o comércio de bens
com a China (e Ásia)
tenha ainda mais peso no Brasil. No mais imediato, pense-se em nova invasão de
produtos industriais chineses baratos, sem compradores nos EUA. Na semana
passada, parte do governo vazava para a mídia que pensava em retaliar os EUA
com mais imposto sobre filmes, produtos de beleza e óculos de sol. É idiotice,
fora a falta de pragmatismo.
A reorganização incerta do comércio mundial
de bens é só parte do problema. O comércio
de bens e serviços do Brasil se torna deficitário (pagamos
transportes, viagens internacionais, seguros, computação, royalties, cultura,
"techs" etc.), para nem falar no déficit de rendas. Déficit, em si
mesmo, não é problema, mas tem limite.
A China é grande no comércio aqui, mas tem
apenas 5% do investimento, no capital de empresas (ante 1% em 2010), dados de
2023, os mais recentes. É menos do que Espanha e França (7%
cada um). EUA: 27%. Europeus ocidentais: 41%. O que vai ou precisa mudar nessa
diferença de peso entre comércio e investimento?
Se o Brasil quer pensar da vida nesse
execrável mundo novo trumpiano, tem de pensar nisso tudo aí, junto e misturado.
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