Brasil pode se beneficiar de tarifaço de Trump
O Globo
Mundo todo perde com guerra comercial, mas
país perderá menos se aproveitar oportunidades
Apesar dos inevitáveis efeitos nocivos, o
tarifaço de Donald Trump também
poderá criar oportunidades aos exportadores brasileiros. Elas estão em vendas
tanto ao próprio mercado americano quanto a outros países que deixarão de
comprar produtos dos Estados Unidos.
Não é coincidência que a Bolsa brasileira tenha se mantido estável diante do
derretimento de outras mundo afora.
Usando uma fórmula bizarra, Trump determinou as tarifas adicionais que cobrará com base no saldo comercial. Como os Estados Unidos têm superávit no comércio com o Brasil, impuseram a tarifa adicional mínima a produtos brasileiros: 10%. A União Europeia ficou com 20%, Índia com 26%, China com 34% e Vietnã com 46%. Dada a magnitude das diferenças, mercadorias brasileiras ficarão mais competitivas no mercado americano. Outro efeito positivo tende a vir das retaliações dos países afetados pelo tarifaço. Exportações americanas para esses mercados ficarão mais caras, e produtos do Brasil poderão ganhar espaço.
Ainda é cedo para determinar se as taxas
anunciadas por Trump serão mantidas. Elas têm chance de cair depois de
negociações com os atingidos ou se houver pressão popular nos Estados Unidos
contra o aumento provável da inflação — o tarifaço, com certeza, pesará no
bolso do consumidor americano. E, ainda que tudo permaneça como anunciado, a
vantagem tarifária desfrutada pelo Brasil pode não bastar para garantir acesso
ao mercado. Mesmo pagando mais imposto de importação, é capaz que os artigos
asiáticos continuem mais competitivos.
De qualquer forma, está aberta a
possibilidade de ganho para segmentos da economia brasileira. É o caso dos
calçados, como
disse ao GLOBO Haroldo Ferreira, presidente executivo da Associação Brasileira
das Indústrias de Calçados. É real a chance de a indústria calçadista
aumentar exportações diante da perda de competitividade dos asiáticos. Hoje a
China é a principal fornecedora de sapatos femininos aos Estados Unidos, e
Vietnã e Indonésia são fortes nos esportivos. Os três estão entre os mais
afetados pelo tarifaço. Outros setores industriais também deverão se
beneficiar, diz Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias do Estado
de Minas Gerais.
As retaliações também poderão surtir efeito
positivo. A China respondeu aos aumentos tarifários americanos no passado e
deverá repetir a reação. Em 2018 e 2019, exportadores do agronegócio americano
deixaram de faturar US$ 26 bilhões. Diante da lacuna, os maiores beneficiados
foram os produtores brasileiros. Antes de Trump assumir a Casa Branca em
janeiro, os chineses já compraram do Brasil toda a soja necessária para o
primeiro trimestre, segundo o Wall Street Journal. No mesmo período do ano
passado, brasileiros ficaram com apenas metade do total.
Em resposta a Trump, o presidente do Conselho Europeu, o português António Costa, defendeu a aceleração de acordos comerciais já fechados ou em negociação com a União Europeia — e citou o Mercosul. É possível que Brasil também se beneficie de acesso ao mercado europeu se houver barreiras a produtos americanos. Numa guerra comercial em que a maior economia do mundo, os Estados Unidos, se torna protecionista, todos perderão com a queda do crescimento global. Mas uns perderão mais que outros. Se souber aproveitar as oportunidades, o Brasil poderá estar no segundo grupo.
Decisão do Supremo proibindo revistas íntimas
representa avanço
O Globo
Não há nenhuma explicação razoável para a
prática se existe tecnologia para substituí-la com eficácia
Foi sensata a decisão unânime do Supremo
Tribunal Federal (STF)
de proibir nos presídios brasileiros revistas íntimas vexatórias, com
desnudamento de visitantes e exames invasivos, procedimentos já abolidos em
alguns estados. Provas obtidas dessa maneira serão consideradas ilícitas,
“salvo em decisões judiciais em cada caso concreto”. Acertadamente, a Corte
buscou equilíbrio entre o respeito à dignidade humana e as imposições de
segurança, ao determinar que as inspeções passem a ser feitas por meio de
varredores corporais (scanners), esteiras de raios X e detectores de metais.
O Supremo fixou um prazo de dois anos para
União e unidades da Federação providenciarem os aparelhos, com recursos do
Fundo Penitenciário e do Fundo Nacional de Segurança. Embora os equipamentos já
sejam comuns em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, as
revistas vexatórias ainda persistem em boa parte do Brasil. Como noticiou O
GLOBO, dados do Ministério da Justiça mostram
que, dos 1.386 estabelecimentos prisionais do país, apenas 48% têm scanner
corporal e 47% aparelho de raios X. O detector de metal é mais disseminado,
está presente em 83%.
De acordo com a tese formulada pelo STF, na
impossibilidade de uso dos equipamentos, excepcionalmente poderão ser feitas
revistas íntimas, desde que haja “indícios robustos” — informações prévias de
inteligência ou denúncias embasadas — de que o visitante esconde drogas ou
objetos ilegais no corpo. Mesmo assim, ela não poderá ser vexatória e exigirá
consentimento. Caso não haja autorização, a entrada poderá ser vetada. Nos
casos em que houver concordância, o procedimento terá de ser feito em “local
adequado”, por funcionário do mesmo gênero, de preferência profissional de
saúde.
A decisão pôs fim a uma discussão que se
arrastava desde 2020. O ministro Edson Fachin, relator do caso, disse que houve
diálogo com a área de segurança pública para chegar a um consenso. O caso
julgado na Corte teve origem num recurso do Ministério Público do Rio Grande do
Sul contra uma decisão do Tribunal de Justiça gaúcho de absolver uma mulher que
tentou entregar ao irmão num presídio 96 gramas de maconha escondidas no corpo.
É sabido que o caos impera nos presídios,
onde se digladiam mais de 70 facções criminosas. Drogas e objetos entram com
relativa facilidade nas celas, geralmente levados por visitantes que usam os
mais diversos artifícios para escondê-los. Seria um erro ignorar a realidade.
Ao mesmo tempo, não é aceitável que visitantes sejam humilhados por meio de
revistas constrangedoras. Isso não faz sentido quando há tecnologia para obter
os mesmos resultados de forma não invasiva.
Para que tudo funcione como determinado pelo
STF, União e estados precisarão comprar os equipamentos e mantê-los
funcionando. Embora certos presídios não cuidem dos protocolos de segurança
mais básicos, os estados que já adotam a tecnologia mostram que ela é
perfeitamente viável. A despeito dos desafios, a decisão da Corte é um avanço
que deve ser celebrado.
Apesar do juro, investimentos infraestrutura
ainda crescem
Valor Econômico
Governo reconhece a necessidade de ajustes no
marco legal das concessões, mas este não é o único desafio às pretensões de
expandir a infraestrutura
O governo aposta no investimento em
infraestrutura para estimular o crescimento, mas, com suas óbvias limitações
fiscais, conta decisivamente com o setor privado, que vem respondendo
positivamente. O investimento no setor atingiu R$ 259,3 bilhões no ano passado,
segundo dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base
(Abdib), excluindo óleo e gás, o equivalente a 2,22% do Produto Interno Bruto
(PIB). A consultoria InterB calcula que o número foi um pouco menor, de 1,87%
do PIB em 2024. Ambos são próximos do recorde de uma década atrás.
Nas contas da Abdib, o investimento em
infraestrutura aumentou 15,3% em comparação com 2023. Apesar da perspectiva de
desaceleração da economia, a previsão é de avanço de 11,14% dos aportes este
ano, puxados principalmente por transportes/logística, energia elétrica e
saneamento. Muitas licitações feitas há alguns anos estão agora em fase de
execução das obras prometidas.
Uma série de fatores está favorecendo a
infraestrutura, entre os quais a aceleração das concessões, não só federais,
mas também estaduais. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)
calcula que as parcerias público-privadas (PPPs) e as concessões cresceram 60%
entre 2021 e 2024 em comparação com os quatro anos anteriores.
Mas não só isso. Houve um aperfeiçoamento do
ambiente legal, com a aprovação dos marcos regulatórios, como o do saneamento
básico e o das garantias. Inovações aparentemente simples, como o free flow em
rodovias, tecnologia aceita pelas agências reguladoras, em que a tarifa é
cobrada por meio de pórticos equipados com câmeras e sensores, atraem as
concessionárias e facilitam a vida dos usuários.
Um dos mais importantes estímulos foi o
aperfeiçoamento dos meios de financiamento no mercado de capitais, como os
títulos de dívida beneficiados por isenção fiscal ao investidor. Nesse sentido,
acaba de ser viabilizada a entrada de investidores de peso nesse negócio - os
fundos de pensão fechados, que reúnem R$ 1,3 trilhão em ativos. Resolução do
Conselho Monetário Nacional, da semana passada, permitiu aos fundos de pensão
investirem nas debêntures de infraestrutura, criadas em janeiro de 2024.
Até então, para investir em papéis de
empresas de infraestrutura, a opção eram as debêntures incentivadas, isentas de
Imposto de Renda para pessoas físicas, mas que não beneficiam os fundos, já
isentos. Já a debênture de infraestrutura dá a vantagem fiscal ao emissor, que
pode repassá-la para as fundações na forma de juros mais atraentes.
As debêntures têm sido uma das mais
importantes fontes de financiamento da infraestrutura. Com R$ 473,7 bilhões
emitidos, representaram quase 60% do total de R$ 783,4 bilhões captados pelas
empresas no mercado de capitais em 2024, segundo a Anbima. Um quarto dos
recursos captados com debêntures foi canalizado para investimentos em
infraestrutura, tendo como destino os setores de transporte, logística e
saneamento. As debêntures incentivadas representaram 29%, com R$ 135 bilhões.
A tendência prossegue neste início de ano.
Dos R$ 89,2 bilhões captados, 66% foram com a emissão de debêntures, sendo que
a participação das incentivadas cresceu para 44%, com R$ 25,9 bilhões. As
debêntures incentivadas têm atraído pessoas físicas, que investem nesses papéis
diretamente ou via fundos. No ano passado, quase 10% das debêntures
incentivadas foram adquiridas por pessoas físicas e 26,5%, por fundos que podem
ter a participação desse tipo de investidor.
Atraídos pela isenção do IR, esses
investidores aceitam prazos de investimento longos e papéis de liquidez
reduzida, apesar da expansão do mercado secundário. Em 2024, o prazo médio das
debêntures incentivadas ficou em 12,9 anos, em comparação com os 5,7 anos das
debêntures corporativas. Em fevereiro, chegou a 17,9 anos, o mais longo desde
junho de 2023, quando era de 21 anos.
O governo levou mais de um ano para
regulamentar a participação, nesse mercado, dos fundos pensão, que têm um
perfil mais adequado para investir por prazos tão longos, cacife para
diversificar a carteira e diluir os riscos. Ainda assim, a participação dos
fundos pode levar algum tempo porque negociam com o BNDES uma garantia extra.
Elas desejam que o BNDES funcione como uma espécie de avalista e reembolse o
valor dos papéis em caso de não pagamento, ponto ainda não acertado.
Apesar dos avanços, o governo reconhece a
necessidade de ajustes no marco legal das concessões, que completou 30 anos em
fevereiro. Uma atualização tramita em regime de urgência na Câmara dos
Deputados. O projeto de lei inclui alterações na Lei das PPPs, que tem 21 anos
(Valor, 31/3).
Esse não é o único desafio às pretensões do
governo para expandir a infraestrutura. Investimentos de longo prazo requerem
um horizonte econômico mais previsível e com solidez fiscal, o que não há. A
expectativa de alta dos juros ameaça o apetite dos investidores. O tamanho do
problema foi retratado em caderno especial de “O Globo” e do Valor (31/3), que mostrou
que a universalização dos serviços de saneamento até 2033 vai requerer quase R$
900 bilhões.
Tarifaço desatinado de Trump ameaça o mundo e
os EUA
Folha de S. Paulo
Com taxas aplicadas a esmo sobre importações,
republicano amplia risco de inflação no país e desorganiza comércio global
Como era esperado e temido, o presidente
dos Estados
Unidos, Donald Trump, anunciou
uma nova onda de tarifas que pode provocar uma mudança estrutural no
comércio global —para muito pior.
A integração de cadeias complexas de
produção, desenvolvida ao longo de décadas, está agora sob risco de ruptura e
amplo redesenho, o que deve resultar em considerável dano econômico.
Sob a justificativa de uma "emergência
nacional", Trump impôs tarifas recíprocas, calculadas sabe-se lá como, a
partir de 10%. No caso dos produtos da China, foram 34%, em adição aos 20% já
cobrados antes.
A União
Europeia será taxada em 20%, enquanto Canadá e México, já
penalizados desde março, escaparam de novos aumentos.
Há ainda setores que terão tratamento
específico, caso de automóveis, aço, alumínio, semicondutores, farmacêuticos e
determinados produtos energéticos.
No agregado, a tarifa média passou de cerca
de 9% para entre 19% e 25%, a depender de como será o desenho final, ainda
incerto. É o maior patamar desde o século 19, superando até mesmo o
protecionismo dos anos 1930.
Por trás do apelo da medida está a arcaica
crença mercantilista de que déficits comerciais são necessariamente uma perda,
algo já desmontado à exaustão pela teoria econômica —e pela prática.
Como já explicou didaticamente um antecessor
republicano de Trump, Ronald Reagan, o protecionismo tarifário pode até
preservar empregos locais por um breve período de tempo. Depois, as empresas se
tornam ineficientes e dependentes dos favores do governo, as retaliações
estrangeiras emperram o comércio global, os preços sobem, os mercados encolhem
e milhões são demitidos.
A Casa Branca disse que está aberta a
negociações, e muitos países que têm nos EUA seu mercado principal devem
aceitar barganhas. De todo modo, o dano está feito e terá consequências.
A inflação americana,
já elevada pós-pandemia, deve subir para mais de 3%, talvez 4% neste ano.
O suposto estímulo à reindustrialização não é
claro —as decisões empresariais devem ser travadas pela própria incerteza do
processo. O risco de paralisia de investimentos é grande e poderá jogar o país
numa recessão.
Se não se conseguir criar um bom ambiente
econômico com a agenda de corte de impostos e desregulamentação ainda por vir,
as eleições legislativas
de 2026 podem reavivar os democratas.
Não por acaso, deve haver forte resistência
ao tarifaço por parte de parlamentares republicanos, também pressionados por
lobbies de setores prejudicados. Isolar o país do comércio mundial, ademais,
pode empurrar emergentes para a órbita chinesa.
O Brasil, que não tem superávit no comércio
com os EUA, sentiu impacto menor, com cobrança de 10%. O governo
deve evitar retaliações precipitadas. Uma análise cuidadosa é essencial
para não incorrer em mais perdas num conflito que já ameaça o mundo.
Aumento de pena é ineficaz contra roubos de
celular
Folha de S. Paulo
Ministério da Justiça propõe ação populista,
enquanto deveria fortalecer inteligência para desmantelar crime organizado
Se o problema complexo da violência urbana
fosse resolvido com aumento de penas e expansão do encarceramento, o Brasil
seria um país seguro. Por óbvio, não é o caso.
Em relação a um dos crimes mais comuns, por
exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) disse, num evento recente, que não permitirá a atuação da "república
de ladrão de celular" no país. Para cumprir tal objetivo, mais vale alocar
recursos no combate ao crime organizado do que promover alterações legislativas
sem eficácia comprovada.
Na última sexta-feira (28), contudo, o
Ministério de Justiça encaminhou ao Palácio do Planalto a minuta de um projeto
de lei que prevê a elevação
de penas para receptação qualificada de celulares, dispositivos
eletrônicos, cabos, fios e outros itens vinculados a serviços de
telecomunicações roubados ou furtados.
As penas seriam majoradas entre 30% e 50%,
variando da mínima de 4 anos à máxima de 12 anos —pela lei atual, elas vão de 3
a 8. Seriam instituídos os crimes de furto qualificado por encomenda para fins
comerciais, e de receptação entre familiares —hoje, quem compra item roubado de
um parente pode não ser punido.
Contudo não há evidências de que medidas
baseadas em populismo penal, como essa, gerem resultados significativos. Mais
importante é a real perspectiva de punição dos criminosos, o que depende de
fortalecimento da inteligência policial e de investigação das estruturas,
sobretudo econômicas, das organizações criminosas responsáveis por esse mercado
ilegal.
A proposta contrasta com outra ação da pasta
da Justiça lançada neste mês, dentro do Programa Celular Seguro: a pessoa que
reativar uma nova linha telefônica num aparelho furtado ou roubado receberá
notificação para entregá-lo a uma delegacia; caso contrário, será
investigada.
A iniciativa produziu bons resultados no
Piauí, onde já havia sido aplicada, mas é complementar a políticas mais
estruturais.
Ao governo federal, cabe incentivar a
formação das polícias e o apoio com dados sobre o crime organizado. Já as
gestões estaduais devem fortalecer investigação, com protocolos e tecnologia,
além de distribuir agentes do policiamento ostensivo em cidades e e por bairros
a partir de diagnósticos de vulnerabilidade.
A administração petista continua sem boas respostas na segurança pública, tema que se tornou uma das principais preocupações dos brasileiros. O setor tem sido eficientemente explorado pela oposição, mas em geral com mais propostas populistas.
As emendas Pix têm de acabar
O Estado de S. Paulo
Dino cobra transparência sobre o destino de
bilhões de reais em emendas, mas isso é praticamente impossível em se tratando
de um sistema desenhado para evitar o escrutínio público
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Flávio Dino tem se destacado por seu esforço para moralizar o dispêndio de
bilhões de reais em recursos públicos por meio de emendas parlamentares – uma
batalha que muitos antes de sua chegada ao STF julgaram estar perdida. Desde
que assumiu a relatoria de ações em trâmite no Supremo que questionam a falta
de transparência na indicação e no gasto dessas emendas, Dino tem sido tratado
como um desafeto por alas do Congresso Nacional dispostas a tudo para manter o
controle sobre cerca de R$ 60 bilhões do Orçamento da União apenas em 2025 ao
abrigo de qualquer escrutínio.
Na terça-feira passada o ministro,
corretamente, aumentou um tanto mais o grau de irritação dos cupins da
República, tanto com o STF como com ele, em particular. Dino determinou que, no
prazo de 90 dias a contar do início de abril, Estados e municípios que
receberam recursos públicos por meio de “transferências especiais”, as
famigeradas emendas Pix, prestem contas de como gastaram um montante de bilhões
de reais entre 2020 e 2023 sob essa rubrica orçamentária. As informações –
relativas a nada menos que 6.247 planos de trabalho pendentes de envio, fruto
de um acordo institucional que envolveu os Três Poderes – deverão ser prestadas
a cada um dos ministérios que autorizaram os repasses aos entes federativos.
Transcorrido esse novo prazo, ninguém poderá
dizer que Dino não tenha sido razoável nem dado tempo suficiente para que
patronos e beneficiários das emendas Pix organizassem a documentação necessária
à comprovação do uso lícito desses recursos. Quem não cometeu irregularidade ou
crimes – comuns ou eleitorais – na execução dessa dinheirama, em tese, não deve
ter dificuldade para apresentar suas prestações de contas até o início de
julho, como determinou o ministro. Quem não tem como explicar o destino que deu
aos recursos públicos que recebeu, que arque com as consequências políticas e,
sobretudo, judiciais de sua displicência, para dizer o mínimo.
Com razão, Dino salientou que, malgrado todas
as tentativas de conformar a disposição das emendas parlamentares com os
princípios mais elementares da Constituição, o Congresso continua recalcitrante
em cumprir “deveres básicos” para garantir transparência e rastreabilidade dos
recursos públicos envolvidos. Ademais, o ministro comunicou que o eventual
desrespeito ao novo prazo concedido por ele “implicará a configuração de
impedimento de ordem técnica para execução de emendas parlamentares, sem
prejuízo da necessária apuração da responsabilidade dos agentes omissos”. Ou
seja, há um novo bloqueio de emendas à vista – e, consequentemente, uma nova
frente de batalha entre Legislativo e Judiciário, com efeitos políticos
evidentes sobre os rumos do Executivo e, principalmente, da agenda do País.
É quase certo que o prazo não será cumprido.
E, se for, é muito improvável que as prestações de conta cheguem aos
ministérios com um nível de qualidade técnica que, de fato, dê ensejo a uma
avaliação criteriosa sobre o destino que foi dado às emendas Pix entre 2020 e
2023. São duas as razões que nos levam a essa conclusão. Em primeiro lugar,
está-se falando de emendas Pix que foram destinadas aos Estados e municípios há
quase cinco anos, em alguns casos. Não será surpresa se os dados – supondo que
eles existiram – tiverem sido perdidos no período. Ademais, houve mudança nos
governos subnacionais de 2020 para cá, o que seguramente será apontado por
muitos dos “devedores” dos tais planos de trabalho como pendências de seus
antecessores impossíveis de serem sanadas agora – um comportamento de gestor
público típico do Brasil.
Em segundo lugar, o que Dino chamou de
“desorganização institucional” é a razão de existir das emendas Pix. Fossem
rastreáveis, as “transferências especiais”, de livre disposição pelos governos
estaduais e municipais e supostamente voltadas ao atendimento de projetos
“urgentes”, não despertariam tamanha volúpia entre seus defensores. É ocioso,
portanto, esperar transparência nesse tipo de emenda. As emendas Pix
simplesmente têm de acabar.
Enxugando gelo contra a inflação
O Estado de S. Paulo
Para levar a inflação ao centro da meta,
Banco Central seria obrigado a provocar recessão econômica. Diante da política
expansionista do governo, BC faz apenas a contenção de danos
Quando o Banco Central (BC), em seu
recente Relatório de Política Monetária, deu como perdida a chance de
puxar a inflação para a meta de 3% ao ano no mandato atual de Lula da Silva,
não causou surpresas. A indicação de que há uma possibilidade de o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficar próximo disso somente na
segunda metade de 2027 tampouco foi motivo de estresse. Na verdade, para muitos
economistas a previsão carrega certa dose de otimismo.
Apesar das recorrentes declarações da
diretoria do BC – inclusive nos comunicados sobre as decisões do Comitê de
Política Monetária (Copom) – de que a autoridade monetária persegue o centro da
meta (3%) no “horizonte relevante”, situado em torno de 18 meses, cresce o
entendimento de que a mira está de fato apontada para o intervalo de tolerância
da meta, 1,5 ponto porcentual acima. Alguns economistas, como Sérgio Werlang,
sócio da Sarpen Quant Investments e ex-diretor de Política Econômica do BC,
chegam a defender o uso dessa margem “para evitar impor à sociedade um custo
elevado demais pela fragilidade fiscal que temos”, como escreveu em artigo
no Broadcast/Estadão.
A inflação é hoje, sem dúvida, o ponto de
maior vulnerabilidade de um governo que optou pela fragilidade fiscal. E a
autoridade monetária tem sido obrigada a atuar apenas na contenção de danos,
como salientou o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre)
Samuel Pessôa em entrevista ao jornal Valor. Pessôa ponderou que, para
entregar a meta no horizonte previsto, o BC necessariamente teria de causar uma
recessão grande. O mais viável, em sua opinião, é aceitar uma inflação acima de
5% em 2025 e em 2026 e esperar que, com um novo regime de política fiscal, a
partir de 2027, possa buscar o centro da meta em 2028.
E assim o Banco Central segue enxugando gelo,
à espera da definição de um novo governo, tentando frear a inflação enquanto
Lula mantém o pé no acelerador dos gastos. Recente reportagem da rede britânica
BBC mostrou que o Brasil voltou a ser o país com o maior juro real do mundo, à
frente da Rússia, há três anos em guerra, e da Argentina, que tenta sair de uma
grave recessão. Durante sessão comemorativa na Câmara dos Deputados pelos 60
anos do Banco Central, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, saiu pela tangente
ao ser cobrado pelos parlamentares sobre a necessidade de juros tão altos
(14,25% ao ano, com grandes chances de chegar a 15%). Disse ele que alguns
países precisam de “doses maiores do remédio” para conseguir o mesmo efeito.
Diplomaticamente, evitou dizer que a dose
medicamentosa maior agora tenta combater os efeitos colaterais da política
fiscal. O governo Lula da Silva já deu mostras de que não aceita desacelerar a
economia, e hoje a grande dúvida é se a série de programas eleitoreiros que têm
como pano de fundo o estímulo ao consumo está encerrada.
A prática tem mostrado que, na gestão Lula da
Silva, enquanto a política fiscal tem se caracterizado pelo impulso à expansão
da economia, a monetária tenta, com aumento dos juros, adequar o crescimento
econômico à capacidade de oferta. Lula tem feito a economia rodar a um ritmo
superior ao da produção, provocando o sobreaquecimento que tem sido o maior
detonador da inflação.
No ano passado, o IPCA acumulou alta de
4,83%, e neste ano pode ultrapassar 5,5%. Desde o início da pandemia, em 2020,
a inflação acumulou alta de 33,5%, destacou o economista Márcio Holland, em
artigo no Broadcast/Estadão. A inflação de alimentos e bebidas no período
foi maior, de 49,6%, e a inflação de alimentos no domicílio, que dá o tom da
carestia nas gôndolas dos supermercados, avançou 56% desde 2020.
Holland, que foi secretário de Política
Econômica do Ministério da Fazenda durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff
(2011-2014), é categórico ao afirmar que “a causa primária de grande parte
deste descontrole inflacionário” está na forte expansão dos gastos públicos
para uma economia que não aumenta a produtividade do trabalho na mesma
intensidade. “O tiro saiu pela culatra e o populismo fiscal rendeu a perda de
popularidade do governo.” Mais claro, impossível.
Lula perdeu o Nordeste
O Estado de S. Paulo
Petista já não é mais hegemônico em seu
tradicional reduto eleitoral, mostra pesquisa
A mais recente pesquisa de opinião sobre o
governo Lula da Silva indica que o petista perdeu de vez a hegemonia política
na única região do País que lhe era fiel. Agora, o presidente não alcança os
índices de popularidade de outrora nem mesmo no Nordeste. Somada à avaliação
ruim em todo o País, a queda na região deve ter tirado o sono das cúpulas do
Palácio do Planalto e do PT.
De acordo com o levantamento da
Genial/Quaest, a aprovação do governo Lula no Nordeste caiu de 59%, em janeiro,
para 52%, em março, enquanto a reprovação saltou de 37% para 46%. Num período
tão curto de tempo, a distância entre o índice de aprovação e o de reprovação
passou de 22 para apenas 6 pontos porcentuais. No jargão estatístico, a
boca do jacaré fechou e há empate técnico dentro da margem de erro. Não
surpreenderá se, em breve, o governo for mais desaprovado do que aprovado na
região.
Não é de hoje que o Planalto tenta contornar
a queda vertiginosa da popularidade de Lula. Apesar das mudanças na comunicação
e dos anúncios populistas na economia, como a isenção do Imposto de Renda (IR)
para quem ganha até R$ 5 mil por mês ou o incentivo ao crédito consignado para
os trabalhadores, as medidas parecem não ter surtido o efeito desejado, haja
vista que, em vez de a avaliação de um governo em franca campanha à reeleição
melhorar, houve piora onde ele recebia mais apoio.
E esse derretimento se dá numa região onde o
PT tem seus poucos atuais governadores (Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do
Norte) e de onde saíram caciques que hoje ocupam cargos de destaque na
administração federal – Rui Costa (Casa Civil), Camilo Santana (Educação) e
Wellington Dias (Desenvolvimento Social). Ademais, sempre pintado de vermelho,
o mapa do Nordeste destoou do restante do Brasil em todas as últimas eleições
presidenciais.
Os problemas de Lula e do PT não se
restringem ao Nordeste. Os números da pesquisa da Genial/Quaest mostram que o
índice de aprovação do governo também caiu entre as mulheres e os mais pobres.
Ou seja, o lulopetismo vai deixando de ter
força em setores da sociedade e em regiões do País onde antes era praticamente
imbatível. Muito se pode especular sobre as razões desse fenômeno, mas parece
claro, a esta altura, que o cardápio político que o PT e seu demiurgo têm a
oferecer a essa freguesia já não tem o mesmo apelo.
Por décadas, praticamente desde que chegou ao poder pela primeira vez, Lula cultivou esse eleitorado com a sedução da transferência forçada de renda. Há cidades do Nordeste, por exemplo, cuja economia é totalmente dependente do Bolsa Família, o que dá a dimensão do impacto que esse tipo de iniciativa teve nas disputas eleitorais desde aquela época. Mas essa fórmula parece estar se esgotando, seja porque o Bolsa Família foi incorporado como política de Estado, e portanto já não se identifica mais com o PT, seja porque os beneficiários já não se contentam mais apenas com esse auxílio: querem prosperar, preferencialmente por conta própria, longe de sindicatos e das amarras do Estado – algo que o PT e Lula não conseguem conceber.
Mortes maternas são sinal de alerta
Correio Braziliense
O mais triste disso é que aproximadamente uma
morte é evitável a cada sete segundos e estamos desperdiçando essa chance
O risco de uma mulher morrer por causas
relacionadas à maternidade em países em desenvolvimento é 120 vezes maior se
compararmos com mulheres na mesma situação em países onde a renda é melhor. Em
todo o mundo, 99% das mortes maternas ocorrem nos países de baixa renda. Todos
os dias, cerca de 830 mulheres morrem em todo o mundo por complicações
relacionadas à gravidez ou parto, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde
(Opas).
De posse desses dados, a partir de 7 de
abril, Dia Mundial de Saúde, uma campanha começa a ser divulgada em todo o país
durante os próximos 365 dias. Com o slogan Inícios saudáveis, futuros
esperançosos, o objetivo é chamar a atenção de governos, da comunidade da saúde
e da sociedade para a importância de se investir em políticas que reduzam
drasticamente tanto as mortes maternas quanto as neonatais. No caso dos bebês,
mais de 2 milhões morrem no primeiro mês de vida.
O Brasil está a anos-luz de distância das
metas propostas pelas Nações Unidas nos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável. Até 2030, a meta do país é reduzir a razão de mortalidade materna
(RMM) para, no máximo, 30 mortes a cada 100 mil nascidos vivos.
Mas como reduzir essa estatística se, em anos
anteriores, os índices brasileiros giraram em torno de 110 mortes de mulheres a
cada 100 mil nascidos vivos (2021), 71,9 (2020) e 57,9 mortes (2019)? Ou seja,
estamos em uma crescente quando deveríamos estar diminuindo esses números.
Mesmo se repetíssemos os índices de 2019, estaríamos ainda trabalhando
praticamente com o dobro de mortes de mulheres do que o acordado para 2030.
O mais triste disso é que aproximadamente uma
morte é evitável a cada sete segundos, e estamos desperdiçando essa chance.
Globalmente, quatro de cada cinco países estão cada vez mais afastados das
metas globais de melhoria da sobrevivência materna. No caso do Brasil, de
acordo com informações da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), do Ministério da
Saúde, aproximadamente 15% das gestantes são diagnosticadas com pré-eclâmpsia,
complicação da gravidez caracterizada por pressão alta e presença de proteína
na urina, uma das principais causas de morbimortalidade materna e perinatal,
sendo responsável por cerca de 80 mil mortes maternas e 500 mil mortes infantis
no mundo.
Fato é que falar em sobrevivência materna é
tocar em temas caros aos governos ou que, pelo menos, deveriam ser prioridade
nas rodas de discussão das instituições e em organizações não governamentais.
Mas o que se vê é a escassez de consultas de pré-natal — que devem ser de, no
mínimo, seis —, a falta de apoio físico e emocional às parturientes antes,
durante e no pós-parto, bem como aos recém-nascidos.
Além disso, é importante priorizar o bem-estar de longo prazo das mulheres, seja investindo na estrutura dos serviços — maternidades, hospitais pós-parto (puerpério), casas que promovem a doação de leite materno — seja nos profissionais de saúde que prestam assistência médica a esse público: ginecologistas, obstetras, pediatras, equipes de enfermagem, psicólogos etc. O compromisso precisa ser coletivo. Caso contrário, vamos assistir à elevação no número de mortes maternas e neonatais, índice que já se apresenta alto em grande parte dos países em desenvolvimento.
Tarifaço de Trump aproxima Mercosul da União
Europeia
Correio Braziliense
O Brasil pode obter algumas vantagens diante
do tarifaço de Trump. Entre todas as possibilidades, a que oferece mais
oportunidades a curto prazo é a velha rota comercial do Atlântico
A guerra comercial iniciada por Donald Trump,
especialmente com a China, abriu brechas e realinhamentos no comércio
internacional que o Brasil pode aproveitar estrategicamente para minimizar os
impactos da sobretaxação de 10% sobre os produtos nacionais importados pelos
Estados Unidos.
Com as tarifas americanas sobre produtos
chineses — e vice-versa —, a China passou a buscar outros fornecedores. O
Brasil, com sua forte produção agrícola, torna-se uma alternativa ainda mais
robusta em áreas como soja, carne bovina e frango. Na indústria de calçados e
manufaturados, em razão da imposição de tarifas sobre produtos chineses, países
como os Estados Unidos passaram a buscar fornecedores em outras regiões. A
indústria brasileira de calçados também pode ocupar parte desse espaço.
Esses são dois exemplos de como o Brasil pode
obter algumas vantagens diante da guerra comercial entre a China e os
Estados Unidos. As mudanças nas dinâmicas comerciais globais, após a imposição
de novas tarifas pelo político republicano, já começaram. Essa perspectiva é
compartilhada pelo presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações
e Investimentos (ApexBrasil), Jorge Viana. Entretanto, enfrentamos desafios
logísticos, instabilidade regulatória e carga tributária, que podem limitar
nossa competitividade. Há, portanto, que se redesenhar nossas estratégias de
comércio exterior.
Entre todas as possibilidades, a que oferece
mais oportunidades a curto prazo, porque não tem o desafio logístico dos
mercados asiáticos, é a velha rota comercial do Atlântico. E a recente
declaração de um porta-voz da União Europeia (UE) destacando que a conclusão de
um acordo comercial com o Mercosul seria uma "grande oportunidade"
para o bloco europeu sinaliza nesse sentido. Após o anúncio do tarifaço,
António Costa, presidente do Conselho Europeu, afirmou, na rede social X,
ser "o momento de apostar em novas relações comerciais e diversificar a
rede do bloco", citando, em seguida, a ratificação do acordo de
livre-comércio com o bloco sul-americano.
Com as tarifas impostas pelos EUA, as
negociações entre Mercosul e UE podem ser aceleradas, mesmo diante de seus
desafios. Países como a França, que sempre expressaram preocupações,
especialmente em relação à proteção de seus setores agrícolas e à soberania
alimentar, começam a rever suas posições. O presidente francês, Emmanuel
Macron, chegou a classificar o pacto como "inaceitável" em sua forma
atual. A aprovação da lei da "reciprocidade tarifária" pelo Congresso
ajuda institucionalmente.
O acordo com a UE inclui compromissos
ambientais alinhados ao Acordo de Paris e prevê medidas para combater o
desmatamento. Esses aspectos são cruciais para garantir a sustentabilidade e a
aceitação do pacto por todas as partes envolvidas. Nesse aspecto, a COP30,
prevista para ocorrer em novembro, em Belém do Pará, pode ser um divisor de
águas e superar essa dicotomia entre os interesses comerciais e a agenda
ambiental.
Na verdade, as recentes tensões comerciais globais criam uma janela de oportunidade para a conclusão do acordo entre Mercosul e União Europeia. Para isso, é fundamental que as negociações considerem e atendam às preocupações dos diversos atores para assegurar um resultado equilibrado e benéfico para todos.
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