sexta-feira, 4 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil pode se beneficiar de tarifaço de Trump

O Globo

Mundo todo perde com guerra comercial, mas país perderá menos se aproveitar oportunidades

Apesar dos inevitáveis efeitos nocivos, o tarifaço de Donald Trump também poderá criar oportunidades aos exportadores brasileiros. Elas estão em vendas tanto ao próprio mercado americano quanto a outros países que deixarão de comprar produtos dos Estados Unidos. Não é coincidência que a Bolsa brasileira tenha se mantido estável diante do derretimento de outras mundo afora.

Usando uma fórmula bizarra, Trump determinou as tarifas adicionais que cobrará com base no saldo comercial. Como os Estados Unidos têm superávit no comércio com o Brasil, impuseram a tarifa adicional mínima a produtos brasileiros: 10%. A União Europeia ficou com 20%, Índia com 26%, China com 34% e Vietnã com 46%. Dada a magnitude das diferenças, mercadorias brasileiras ficarão mais competitivas no mercado americano. Outro efeito positivo tende a vir das retaliações dos países afetados pelo tarifaço. Exportações americanas para esses mercados ficarão mais caras, e produtos do Brasil poderão ganhar espaço.

Ainda é cedo para determinar se as taxas anunciadas por Trump serão mantidas. Elas têm chance de cair depois de negociações com os atingidos ou se houver pressão popular nos Estados Unidos contra o aumento provável da inflação — o tarifaço, com certeza, pesará no bolso do consumidor americano. E, ainda que tudo permaneça como anunciado, a vantagem tarifária desfrutada pelo Brasil pode não bastar para garantir acesso ao mercado. Mesmo pagando mais imposto de importação, é capaz que os artigos asiáticos continuem mais competitivos.

De qualquer forma, está aberta a possibilidade de ganho para segmentos da economia brasileira. É o caso dos calçados, como disse ao GLOBO Haroldo Ferreira, presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados. É real a chance de a indústria calçadista aumentar exportações diante da perda de competitividade dos asiáticos. Hoje a China é a principal fornecedora de sapatos femininos aos Estados Unidos, e Vietnã e Indonésia são fortes nos esportivos. Os três estão entre os mais afetados pelo tarifaço. Outros setores industriais também deverão se beneficiar, diz Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais.

As retaliações também poderão surtir efeito positivo. A China respondeu aos aumentos tarifários americanos no passado e deverá repetir a reação. Em 2018 e 2019, exportadores do agronegócio americano deixaram de faturar US$ 26 bilhões. Diante da lacuna, os maiores beneficiados foram os produtores brasileiros. Antes de Trump assumir a Casa Branca em janeiro, os chineses já compraram do Brasil toda a soja necessária para o primeiro trimestre, segundo o Wall Street Journal. No mesmo período do ano passado, brasileiros ficaram com apenas metade do total.

Em resposta a Trump, o presidente do Conselho Europeu, o português António Costa, defendeu a aceleração de acordos comerciais já fechados ou em negociação com a União Europeia — e citou o Mercosul. É possível que Brasil também se beneficie de acesso ao mercado europeu se houver barreiras a produtos americanos. Numa guerra comercial em que a maior economia do mundo, os Estados Unidos, se torna protecionista, todos perderão com a queda do crescimento global. Mas uns perderão mais que outros. Se souber aproveitar as oportunidades, o Brasil poderá estar no segundo grupo.

Decisão do Supremo proibindo revistas íntimas representa avanço

O Globo

Não há nenhuma explicação razoável para a prática se existe tecnologia para substituí-la com eficácia

Foi sensata a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir nos presídios brasileiros revistas íntimas vexatórias, com desnudamento de visitantes e exames invasivos, procedimentos já abolidos em alguns estados. Provas obtidas dessa maneira serão consideradas ilícitas, “salvo em decisões judiciais em cada caso concreto”. Acertadamente, a Corte buscou equilíbrio entre o respeito à dignidade humana e as imposições de segurança, ao determinar que as inspeções passem a ser feitas por meio de varredores corporais (scanners), esteiras de raios X e detectores de metais.

O Supremo fixou um prazo de dois anos para União e unidades da Federação providenciarem os aparelhos, com recursos do Fundo Penitenciário e do Fundo Nacional de Segurança. Embora os equipamentos já sejam comuns em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, as revistas vexatórias ainda persistem em boa parte do Brasil. Como noticiou O GLOBO, dados do Ministério da Justiça mostram que, dos 1.386 estabelecimentos prisionais do país, apenas 48% têm scanner corporal e 47% aparelho de raios X. O detector de metal é mais disseminado, está presente em 83%.

De acordo com a tese formulada pelo STF, na impossibilidade de uso dos equipamentos, excepcionalmente poderão ser feitas revistas íntimas, desde que haja “indícios robustos” — informações prévias de inteligência ou denúncias embasadas — de que o visitante esconde drogas ou objetos ilegais no corpo. Mesmo assim, ela não poderá ser vexatória e exigirá consentimento. Caso não haja autorização, a entrada poderá ser vetada. Nos casos em que houver concordância, o procedimento terá de ser feito em “local adequado”, por funcionário do mesmo gênero, de preferência profissional de saúde.

A decisão pôs fim a uma discussão que se arrastava desde 2020. O ministro Edson Fachin, relator do caso, disse que houve diálogo com a área de segurança pública para chegar a um consenso. O caso julgado na Corte teve origem num recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul contra uma decisão do Tribunal de Justiça gaúcho de absolver uma mulher que tentou entregar ao irmão num presídio 96 gramas de maconha escondidas no corpo.

É sabido que o caos impera nos presídios, onde se digladiam mais de 70 facções criminosas. Drogas e objetos entram com relativa facilidade nas celas, geralmente levados por visitantes que usam os mais diversos artifícios para escondê-los. Seria um erro ignorar a realidade. Ao mesmo tempo, não é aceitável que visitantes sejam humilhados por meio de revistas constrangedoras. Isso não faz sentido quando há tecnologia para obter os mesmos resultados de forma não invasiva.

Para que tudo funcione como determinado pelo STF, União e estados precisarão comprar os equipamentos e mantê-los funcionando. Embora certos presídios não cuidem dos protocolos de segurança mais básicos, os estados que já adotam a tecnologia mostram que ela é perfeitamente viável. A despeito dos desafios, a decisão da Corte é um avanço que deve ser celebrado.

Apesar do juro, investimentos infraestrutura ainda crescem

Valor Econômico

Governo reconhece a necessidade de ajustes no marco legal das concessões, mas este não é o único desafio às pretensões de expandir a infraestrutura

O governo aposta no investimento em infraestrutura para estimular o crescimento, mas, com suas óbvias limitações fiscais, conta decisivamente com o setor privado, que vem respondendo positivamente. O investimento no setor atingiu R$ 259,3 bilhões no ano passado, segundo dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), excluindo óleo e gás, o equivalente a 2,22% do Produto Interno Bruto (PIB). A consultoria InterB calcula que o número foi um pouco menor, de 1,87% do PIB em 2024. Ambos são próximos do recorde de uma década atrás.

Nas contas da Abdib, o investimento em infraestrutura aumentou 15,3% em comparação com 2023. Apesar da perspectiva de desaceleração da economia, a previsão é de avanço de 11,14% dos aportes este ano, puxados principalmente por transportes/logística, energia elétrica e saneamento. Muitas licitações feitas há alguns anos estão agora em fase de execução das obras prometidas.

Uma série de fatores está favorecendo a infraestrutura, entre os quais a aceleração das concessões, não só federais, mas também estaduais. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) calcula que as parcerias público-privadas (PPPs) e as concessões cresceram 60% entre 2021 e 2024 em comparação com os quatro anos anteriores.

Mas não só isso. Houve um aperfeiçoamento do ambiente legal, com a aprovação dos marcos regulatórios, como o do saneamento básico e o das garantias. Inovações aparentemente simples, como o free flow em rodovias, tecnologia aceita pelas agências reguladoras, em que a tarifa é cobrada por meio de pórticos equipados com câmeras e sensores, atraem as concessionárias e facilitam a vida dos usuários.

Um dos mais importantes estímulos foi o aperfeiçoamento dos meios de financiamento no mercado de capitais, como os títulos de dívida beneficiados por isenção fiscal ao investidor. Nesse sentido, acaba de ser viabilizada a entrada de investidores de peso nesse negócio - os fundos de pensão fechados, que reúnem R$ 1,3 trilhão em ativos. Resolução do Conselho Monetário Nacional, da semana passada, permitiu aos fundos de pensão investirem nas debêntures de infraestrutura, criadas em janeiro de 2024.

Até então, para investir em papéis de empresas de infraestrutura, a opção eram as debêntures incentivadas, isentas de Imposto de Renda para pessoas físicas, mas que não beneficiam os fundos, já isentos. Já a debênture de infraestrutura dá a vantagem fiscal ao emissor, que pode repassá-la para as fundações na forma de juros mais atraentes.

As debêntures têm sido uma das mais importantes fontes de financiamento da infraestrutura. Com R$ 473,7 bilhões emitidos, representaram quase 60% do total de R$ 783,4 bilhões captados pelas empresas no mercado de capitais em 2024, segundo a Anbima. Um quarto dos recursos captados com debêntures foi canalizado para investimentos em infraestrutura, tendo como destino os setores de transporte, logística e saneamento. As debêntures incentivadas representaram 29%, com R$ 135 bilhões.

A tendência prossegue neste início de ano. Dos R$ 89,2 bilhões captados, 66% foram com a emissão de debêntures, sendo que a participação das incentivadas cresceu para 44%, com R$ 25,9 bilhões. As debêntures incentivadas têm atraído pessoas físicas, que investem nesses papéis diretamente ou via fundos. No ano passado, quase 10% das debêntures incentivadas foram adquiridas por pessoas físicas e 26,5%, por fundos que podem ter a participação desse tipo de investidor.

Atraídos pela isenção do IR, esses investidores aceitam prazos de investimento longos e papéis de liquidez reduzida, apesar da expansão do mercado secundário. Em 2024, o prazo médio das debêntures incentivadas ficou em 12,9 anos, em comparação com os 5,7 anos das debêntures corporativas. Em fevereiro, chegou a 17,9 anos, o mais longo desde junho de 2023, quando era de 21 anos.

O governo levou mais de um ano para regulamentar a participação, nesse mercado, dos fundos pensão, que têm um perfil mais adequado para investir por prazos tão longos, cacife para diversificar a carteira e diluir os riscos. Ainda assim, a participação dos fundos pode levar algum tempo porque negociam com o BNDES uma garantia extra. Elas desejam que o BNDES funcione como uma espécie de avalista e reembolse o valor dos papéis em caso de não pagamento, ponto ainda não acertado.

Apesar dos avanços, o governo reconhece a necessidade de ajustes no marco legal das concessões, que completou 30 anos em fevereiro. Uma atualização tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. O projeto de lei inclui alterações na Lei das PPPs, que tem 21 anos (Valor, 31/3).

Esse não é o único desafio às pretensões do governo para expandir a infraestrutura. Investimentos de longo prazo requerem um horizonte econômico mais previsível e com solidez fiscal, o que não há. A expectativa de alta dos juros ameaça o apetite dos investidores. O tamanho do problema foi retratado em caderno especial de “O Globo” e do Valor (31/3), que mostrou que a universalização dos serviços de saneamento até 2033 vai requerer quase R$ 900 bilhões.

Tarifaço desatinado de Trump ameaça o mundo e os EUA

Folha de S. Paulo

Com taxas aplicadas a esmo sobre importações, republicano amplia risco de inflação no país e desorganiza comércio global

Como era esperado e temido, o presidente dos Estados UnidosDonald Trumpanunciou uma nova onda de tarifas que pode provocar uma mudança estrutural no comércio global —para muito pior.

A integração de cadeias complexas de produção, desenvolvida ao longo de décadas, está agora sob risco de ruptura e amplo redesenho, o que deve resultar em considerável dano econômico.

Sob a justificativa de uma "emergência nacional", Trump impôs tarifas recíprocas, calculadas sabe-se lá como, a partir de 10%. No caso dos produtos da China, foram 34%, em adição aos 20% já cobrados antes.

União Europeia será taxada em 20%, enquanto Canadá e México, já penalizados desde março, escaparam de novos aumentos.

Há ainda setores que terão tratamento específico, caso de automóveis, aço, alumínio, semicondutores, farmacêuticos e determinados produtos energéticos.

No agregado, a tarifa média passou de cerca de 9% para entre 19% e 25%, a depender de como será o desenho final, ainda incerto. É o maior patamar desde o século 19, superando até mesmo o protecionismo dos anos 1930.

Por trás do apelo da medida está a arcaica crença mercantilista de que déficits comerciais são necessariamente uma perda, algo já desmontado à exaustão pela teoria econômica —e pela prática.

Como já explicou didaticamente um antecessor republicano de Trump, Ronald Reagan, o protecionismo tarifário pode até preservar empregos locais por um breve período de tempo. Depois, as empresas se tornam ineficientes e dependentes dos favores do governo, as retaliações estrangeiras emperram o comércio global, os preços sobem, os mercados encolhem e milhões são demitidos.

A Casa Branca disse que está aberta a negociações, e muitos países que têm nos EUA seu mercado principal devem aceitar barganhas. De todo modo, o dano está feito e terá consequências. A inflação americana, já elevada pós-pandemia, deve subir para mais de 3%, talvez 4% neste ano.

O suposto estímulo à reindustrialização não é claro —as decisões empresariais devem ser travadas pela própria incerteza do processo. O risco de paralisia de investimentos é grande e poderá jogar o país numa recessão.

Se não se conseguir criar um bom ambiente econômico com a agenda de corte de impostos e desregulamentação ainda por vir, as eleições legislativas de 2026 podem reavivar os democratas.

Não por acaso, deve haver forte resistência ao tarifaço por parte de parlamentares republicanos, também pressionados por lobbies de setores prejudicados. Isolar o país do comércio mundial, ademais, pode empurrar emergentes para a órbita chinesa.

O Brasil, que não tem superávit no comércio com os EUA, sentiu impacto menor, com cobrança de 10%. O governo deve evitar retaliações precipitadas. Uma análise cuidadosa é essencial para não incorrer em mais perdas num conflito que já ameaça o mundo.

Aumento de pena é ineficaz contra roubos de celular

Folha de S. Paulo

Ministério da Justiça propõe ação populista, enquanto deveria fortalecer inteligência para desmantelar crime organizado

Se o problema complexo da violência urbana fosse resolvido com aumento de penas e expansão do encarceramento, o Brasil seria um país seguro. Por óbvio, não é o caso.

Em relação a um dos crimes mais comuns, por exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, num evento recente, que não permitirá a atuação da "república de ladrão de celular" no país. Para cumprir tal objetivo, mais vale alocar recursos no combate ao crime organizado do que promover alterações legislativas sem eficácia comprovada.

Na última sexta-feira (28), contudo, o Ministério de Justiça encaminhou ao Palácio do Planalto a minuta de um projeto de lei que prevê a elevação de penas para receptação qualificada de celulares, dispositivos eletrônicos, cabos, fios e outros itens vinculados a serviços de telecomunicações roubados ou furtados.

As penas seriam majoradas entre 30% e 50%, variando da mínima de 4 anos à máxima de 12 anos —pela lei atual, elas vão de 3 a 8. Seriam instituídos os crimes de furto qualificado por encomenda para fins comerciais, e de receptação entre familiares —hoje, quem compra item roubado de um parente pode não ser punido.

Contudo não há evidências de que medidas baseadas em populismo penal, como essa, gerem resultados significativos. Mais importante é a real perspectiva de punição dos criminosos, o que depende de fortalecimento da inteligência policial e de investigação das estruturas, sobretudo econômicas, das organizações criminosas responsáveis por esse mercado ilegal.

A proposta contrasta com outra ação da pasta da Justiça lançada neste mês, dentro do Programa Celular Seguro: a pessoa que reativar uma nova linha telefônica num aparelho furtado ou roubado receberá notificação para entregá-lo a uma delegacia; caso contrário, será investigada.

A iniciativa produziu bons resultados no Piauí, onde já havia sido aplicada, mas é complementar a políticas mais estruturais.

Ao governo federal, cabe incentivar a formação das polícias e o apoio com dados sobre o crime organizado. Já as gestões estaduais devem fortalecer investigação, com protocolos e tecnologia, além de distribuir agentes do policiamento ostensivo em cidades e e por bairros a partir de diagnósticos de vulnerabilidade.

A administração petista continua sem boas respostas na segurança pública, tema que se tornou uma das principais preocupações dos brasileiros. O setor tem sido eficientemente explorado pela oposição, mas em geral com mais propostas populistas.

As emendas Pix têm de acabar

O Estado de S. Paulo

Dino cobra transparência sobre o destino de bilhões de reais em emendas, mas isso é praticamente impossível em se tratando de um sistema desenhado para evitar o escrutínio público

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino tem se destacado por seu esforço para moralizar o dispêndio de bilhões de reais em recursos públicos por meio de emendas parlamentares – uma batalha que muitos antes de sua chegada ao STF julgaram estar perdida. Desde que assumiu a relatoria de ações em trâmite no Supremo que questionam a falta de transparência na indicação e no gasto dessas emendas, Dino tem sido tratado como um desafeto por alas do Congresso Nacional dispostas a tudo para manter o controle sobre cerca de R$ 60 bilhões do Orçamento da União apenas em 2025 ao abrigo de qualquer escrutínio.

Na terça-feira passada o ministro, corretamente, aumentou um tanto mais o grau de irritação dos cupins da República, tanto com o STF como com ele, em particular. Dino determinou que, no prazo de 90 dias a contar do início de abril, Estados e municípios que receberam recursos públicos por meio de “transferências especiais”, as famigeradas emendas Pix, prestem contas de como gastaram um montante de bilhões de reais entre 2020 e 2023 sob essa rubrica orçamentária. As informações – relativas a nada menos que 6.247 planos de trabalho pendentes de envio, fruto de um acordo institucional que envolveu os Três Poderes – deverão ser prestadas a cada um dos ministérios que autorizaram os repasses aos entes federativos.

Transcorrido esse novo prazo, ninguém poderá dizer que Dino não tenha sido razoável nem dado tempo suficiente para que patronos e beneficiários das emendas Pix organizassem a documentação necessária à comprovação do uso lícito desses recursos. Quem não cometeu irregularidade ou crimes – comuns ou eleitorais – na execução dessa dinheirama, em tese, não deve ter dificuldade para apresentar suas prestações de contas até o início de julho, como determinou o ministro. Quem não tem como explicar o destino que deu aos recursos públicos que recebeu, que arque com as consequências políticas e, sobretudo, judiciais de sua displicência, para dizer o mínimo.

Com razão, Dino salientou que, malgrado todas as tentativas de conformar a disposição das emendas parlamentares com os princípios mais elementares da Constituição, o Congresso continua recalcitrante em cumprir “deveres básicos” para garantir transparência e rastreabilidade dos recursos públicos envolvidos. Ademais, o ministro comunicou que o eventual desrespeito ao novo prazo concedido por ele “implicará a configuração de impedimento de ordem técnica para execução de emendas parlamentares, sem prejuízo da necessária apuração da responsabilidade dos agentes omissos”. Ou seja, há um novo bloqueio de emendas à vista – e, consequentemente, uma nova frente de batalha entre Legislativo e Judiciário, com efeitos políticos evidentes sobre os rumos do Executivo e, principalmente, da agenda do País.

É quase certo que o prazo não será cumprido. E, se for, é muito improvável que as prestações de conta cheguem aos ministérios com um nível de qualidade técnica que, de fato, dê ensejo a uma avaliação criteriosa sobre o destino que foi dado às emendas Pix entre 2020 e 2023. São duas as razões que nos levam a essa conclusão. Em primeiro lugar, está-se falando de emendas Pix que foram destinadas aos Estados e municípios há quase cinco anos, em alguns casos. Não será surpresa se os dados – supondo que eles existiram – tiverem sido perdidos no período. Ademais, houve mudança nos governos subnacionais de 2020 para cá, o que seguramente será apontado por muitos dos “devedores” dos tais planos de trabalho como pendências de seus antecessores impossíveis de serem sanadas agora – um comportamento de gestor público típico do Brasil.

Em segundo lugar, o que Dino chamou de “desorganização institucional” é a razão de existir das emendas Pix. Fossem rastreáveis, as “transferências especiais”, de livre disposição pelos governos estaduais e municipais e supostamente voltadas ao atendimento de projetos “urgentes”, não despertariam tamanha volúpia entre seus defensores. É ocioso, portanto, esperar transparência nesse tipo de emenda. As emendas Pix simplesmente têm de acabar.

Enxugando gelo contra a inflação

O Estado de S. Paulo

Para levar a inflação ao centro da meta, Banco Central seria obrigado a provocar recessão econômica. Diante da política expansionista do governo, BC faz apenas a contenção de danos

Quando o Banco Central (BC), em seu recente Relatório de Política Monetária, deu como perdida a chance de puxar a inflação para a meta de 3% ao ano no mandato atual de Lula da Silva, não causou surpresas. A indicação de que há uma possibilidade de o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficar próximo disso somente na segunda metade de 2027 tampouco foi motivo de estresse. Na verdade, para muitos economistas a previsão carrega certa dose de otimismo.

Apesar das recorrentes declarações da diretoria do BC – inclusive nos comunicados sobre as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) – de que a autoridade monetária persegue o centro da meta (3%) no “horizonte relevante”, situado em torno de 18 meses, cresce o entendimento de que a mira está de fato apontada para o intervalo de tolerância da meta, 1,5 ponto porcentual acima. Alguns economistas, como Sérgio Werlang, sócio da Sarpen Quant Investments e ex-diretor de Política Econômica do BC, chegam a defender o uso dessa margem “para evitar impor à sociedade um custo elevado demais pela fragilidade fiscal que temos”, como escreveu em artigo no Broadcast/Estadão.

A inflação é hoje, sem dúvida, o ponto de maior vulnerabilidade de um governo que optou pela fragilidade fiscal. E a autoridade monetária tem sido obrigada a atuar apenas na contenção de danos, como salientou o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) Samuel Pessôa em entrevista ao jornal Valor. Pessôa ponderou que, para entregar a meta no horizonte previsto, o BC necessariamente teria de causar uma recessão grande. O mais viável, em sua opinião, é aceitar uma inflação acima de 5% em 2025 e em 2026 e esperar que, com um novo regime de política fiscal, a partir de 2027, possa buscar o centro da meta em 2028.

E assim o Banco Central segue enxugando gelo, à espera da definição de um novo governo, tentando frear a inflação enquanto Lula mantém o pé no acelerador dos gastos. Recente reportagem da rede britânica BBC mostrou que o Brasil voltou a ser o país com o maior juro real do mundo, à frente da Rússia, há três anos em guerra, e da Argentina, que tenta sair de uma grave recessão. Durante sessão comemorativa na Câmara dos Deputados pelos 60 anos do Banco Central, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, saiu pela tangente ao ser cobrado pelos parlamentares sobre a necessidade de juros tão altos (14,25% ao ano, com grandes chances de chegar a 15%). Disse ele que alguns países precisam de “doses maiores do remédio” para conseguir o mesmo efeito.

Diplomaticamente, evitou dizer que a dose medicamentosa maior agora tenta combater os efeitos colaterais da política fiscal. O governo Lula da Silva já deu mostras de que não aceita desacelerar a economia, e hoje a grande dúvida é se a série de programas eleitoreiros que têm como pano de fundo o estímulo ao consumo está encerrada.

A prática tem mostrado que, na gestão Lula da Silva, enquanto a política fiscal tem se caracterizado pelo impulso à expansão da economia, a monetária tenta, com aumento dos juros, adequar o crescimento econômico à capacidade de oferta. Lula tem feito a economia rodar a um ritmo superior ao da produção, provocando o sobreaquecimento que tem sido o maior detonador da inflação.

No ano passado, o IPCA acumulou alta de 4,83%, e neste ano pode ultrapassar 5,5%. Desde o início da pandemia, em 2020, a inflação acumulou alta de 33,5%, destacou o economista Márcio Holland, em artigo no Broadcast/Estadão. A inflação de alimentos e bebidas no período foi maior, de 49,6%, e a inflação de alimentos no domicílio, que dá o tom da carestia nas gôndolas dos supermercados, avançou 56% desde 2020.

Holland, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014), é categórico ao afirmar que “a causa primária de grande parte deste descontrole inflacionário” está na forte expansão dos gastos públicos para uma economia que não aumenta a produtividade do trabalho na mesma intensidade. “O tiro saiu pela culatra e o populismo fiscal rendeu a perda de popularidade do governo.” Mais claro, impossível.

Lula perdeu o Nordeste

O Estado de S. Paulo

Petista já não é mais hegemônico em seu tradicional reduto eleitoral, mostra pesquisa

A mais recente pesquisa de opinião sobre o governo Lula da Silva indica que o petista perdeu de vez a hegemonia política na única região do País que lhe era fiel. Agora, o presidente não alcança os índices de popularidade de outrora nem mesmo no Nordeste. Somada à avaliação ruim em todo o País, a queda na região deve ter tirado o sono das cúpulas do Palácio do Planalto e do PT.

De acordo com o levantamento da Genial/Quaest, a aprovação do governo Lula no Nordeste caiu de 59%, em janeiro, para 52%, em março, enquanto a reprovação saltou de 37% para 46%. Num período tão curto de tempo, a distância entre o índice de aprovação e o de reprovação passou de 22 para apenas 6 pontos porcentuais. No jargão estatístico, a boca do jacaré fechou e há empate técnico dentro da margem de erro. Não surpreenderá se, em breve, o governo for mais desaprovado do que aprovado na região.

Não é de hoje que o Planalto tenta contornar a queda vertiginosa da popularidade de Lula. Apesar das mudanças na comunicação e dos anúncios populistas na economia, como a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês ou o incentivo ao crédito consignado para os trabalhadores, as medidas parecem não ter surtido o efeito desejado, haja vista que, em vez de a avaliação de um governo em franca campanha à reeleição melhorar, houve piora onde ele recebia mais apoio.

E esse derretimento se dá numa região onde o PT tem seus poucos atuais governadores (Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte) e de onde saíram caciques que hoje ocupam cargos de destaque na administração federal – Rui Costa (Casa Civil), Camilo Santana (Educação) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social). Ademais, sempre pintado de vermelho, o mapa do Nordeste destoou do restante do Brasil em todas as últimas eleições presidenciais.

Os problemas de Lula e do PT não se restringem ao Nordeste. Os números da pesquisa da Genial/Quaest mostram que o índice de aprovação do governo também caiu entre as mulheres e os mais pobres.

Ou seja, o lulopetismo vai deixando de ter força em setores da sociedade e em regiões do País onde antes era praticamente imbatível. Muito se pode especular sobre as razões desse fenômeno, mas parece claro, a esta altura, que o cardápio político que o PT e seu demiurgo têm a oferecer a essa freguesia já não tem o mesmo apelo.

Por décadas, praticamente desde que chegou ao poder pela primeira vez, Lula cultivou esse eleitorado com a sedução da transferência forçada de renda. Há cidades do Nordeste, por exemplo, cuja economia é totalmente dependente do Bolsa Família, o que dá a dimensão do impacto que esse tipo de iniciativa teve nas disputas eleitorais desde aquela época. Mas essa fórmula parece estar se esgotando, seja porque o Bolsa Família foi incorporado como política de Estado, e portanto já não se identifica mais com o PT, seja porque os beneficiários já não se contentam mais apenas com esse auxílio: querem prosperar, preferencialmente por conta própria, longe de sindicatos e das amarras do Estado – algo que o PT e Lula não conseguem conceber.

Mortes maternas são sinal de alerta

Correio Braziliense

O mais triste disso é que aproximadamente uma morte é evitável a cada sete segundos e estamos desperdiçando essa chance

O risco de uma mulher morrer por causas relacionadas à maternidade em países em desenvolvimento é 120 vezes maior se compararmos com mulheres na mesma situação em países onde a renda é melhor. Em todo o mundo, 99% das mortes maternas ocorrem nos países de baixa renda. Todos os dias, cerca de 830 mulheres morrem em todo o mundo por complicações relacionadas à gravidez ou parto, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

De posse desses dados, a partir de 7 de abril, Dia Mundial de Saúde, uma campanha começa a ser divulgada em todo o país durante os próximos 365 dias. Com o slogan Inícios saudáveis, futuros esperançosos, o objetivo é chamar a atenção de governos, da comunidade da saúde e da sociedade para a importância de se investir em políticas que reduzam drasticamente tanto as mortes maternas quanto as neonatais. No caso dos bebês, mais de 2 milhões morrem no primeiro mês de vida.

O Brasil está a anos-luz de distância das metas propostas pelas Nações Unidas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Até 2030, a meta do país é reduzir a razão de mortalidade materna (RMM) para, no máximo, 30 mortes a cada 100 mil nascidos vivos.

Mas como reduzir essa estatística se, em anos anteriores, os índices brasileiros giraram em torno de 110 mortes de mulheres a cada 100 mil nascidos vivos (2021), 71,9 (2020) e 57,9 mortes (2019)? Ou seja, estamos em uma crescente quando deveríamos estar diminuindo esses números. Mesmo se repetíssemos os índices de 2019, estaríamos ainda trabalhando praticamente com o dobro de mortes de mulheres do que o acordado para 2030.

O mais triste disso é que aproximadamente uma morte é evitável a cada sete segundos, e estamos desperdiçando essa chance. Globalmente, quatro de cada cinco países estão cada vez mais afastados das metas globais de melhoria da sobrevivência materna. No caso do Brasil, de acordo com informações da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), do Ministério da Saúde, aproximadamente 15% das gestantes são diagnosticadas com pré-eclâmpsia, complicação da gravidez caracterizada por pressão alta e presença de proteína na urina, uma das principais causas de morbimortalidade materna e perinatal, sendo responsável por cerca de 80 mil mortes maternas e 500 mil mortes infantis no mundo.

Fato é que falar em sobrevivência materna é tocar em temas caros aos governos ou que, pelo menos, deveriam ser prioridade nas rodas de discussão das instituições e em organizações não governamentais. Mas o que se vê é a escassez de consultas de pré-natal — que devem ser de, no mínimo, seis —, a falta de apoio físico e emocional às parturientes antes, durante e no pós-parto, bem como aos recém-nascidos.

Além disso, é importante priorizar o bem-estar de longo prazo das mulheres, seja investindo na estrutura dos serviços — maternidades, hospitais pós-parto (puerpério), casas que promovem a doação de leite materno — seja nos profissionais de saúde que prestam assistência médica a esse público: ginecologistas, obstetras, pediatras, equipes de enfermagem, psicólogos etc. O compromisso precisa ser coletivo. Caso contrário, vamos assistir à elevação no número de mortes maternas e neonatais, índice que já se apresenta alto em grande parte dos países em desenvolvimento.

Tarifaço de Trump aproxima Mercosul da União Europeia

Correio Braziliense

O Brasil pode obter algumas vantagens diante do tarifaço de Trump. Entre todas as possibilidades, a que oferece mais oportunidades a curto prazo é a velha rota comercial do Atlântico

A guerra comercial iniciada por Donald Trump, especialmente com a China, abriu brechas e realinhamentos no comércio internacional que o Brasil pode aproveitar estrategicamente para minimizar os impactos da sobretaxação de 10% sobre os produtos nacionais importados pelos Estados Unidos.

Com as tarifas americanas sobre produtos chineses — e vice-versa —, a China passou a buscar outros fornecedores. O Brasil, com sua forte produção agrícola, torna-se uma alternativa ainda mais robusta em áreas como soja, carne bovina e frango. Na indústria de calçados e manufaturados, em razão da imposição de tarifas sobre produtos chineses, países como os Estados Unidos passaram a buscar fornecedores em outras regiões. A indústria brasileira de calçados também pode ocupar parte desse espaço.

Esses são dois exemplos de como o Brasil pode obter algumas vantagens  diante da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos. As mudanças nas dinâmicas comerciais globais, após a imposição de novas tarifas pelo político republicano, já começaram. Essa perspectiva é compartilhada pelo presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Jorge Viana. Entretanto, enfrentamos desafios logísticos, instabilidade regulatória e carga tributária, que podem limitar nossa competitividade. Há, portanto, que se redesenhar nossas estratégias de comércio exterior.

Entre todas as possibilidades, a que oferece mais oportunidades a curto prazo, porque não tem o desafio logístico dos mercados asiáticos, é a velha rota comercial do Atlântico. E a recente declaração de um porta-voz da União Europeia (UE) destacando que a conclusão de um acordo comercial com o Mercosul seria uma "grande oportunidade" para o bloco europeu sinaliza nesse sentido. Após o anúncio do tarifaço,  António Costa, presidente do Conselho Europeu, afirmou, na rede social X,  ser "o momento de apostar em novas relações comerciais e diversificar a rede do bloco", citando, em seguida, a ratificação do acordo de livre-comércio com o bloco sul-americano.

Com as tarifas impostas pelos EUA, as negociações entre Mercosul e UE podem ser aceleradas, mesmo diante de seus desafios. Países como a França, que sempre expressaram preocupações, especialmente em relação à proteção de seus setores agrícolas e à soberania alimentar, começam a rever suas posições. O presidente francês, Emmanuel Macron, chegou a classificar o pacto como "inaceitável" em sua forma atual. A aprovação da lei da "reciprocidade tarifária" pelo Congresso ajuda institucionalmente.

O acordo com a UE inclui compromissos ambientais alinhados ao Acordo de Paris e prevê medidas para combater o desmatamento. Esses aspectos são cruciais para garantir a sustentabilidade e a aceitação do pacto por todas as partes envolvidas. Nesse aspecto, a COP30, prevista para ocorrer em novembro, em Belém do Pará, pode ser um divisor de águas e superar essa dicotomia entre os interesses comerciais e a agenda ambiental.

Na verdade, as recentes tensões comerciais globais criam uma janela de oportunidade para a conclusão do acordo entre Mercosul e União Europeia. Para isso, é fundamental que as negociações considerem e atendam às preocupações dos diversos atores para assegurar um resultado equilibrado e benéfico para todos.

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