O Globo
Insistir na leitura de que a população só não
aprova o governo porque não sabe o que ele faz pode ser erro fatal para Lula
O evento de balanço dos dois anos de Lula 3
já estava marcado quando, na véspera, a mais recente rodada da pesquisa
Genial/Quest mostrou uma terra arrasada para o presidente. Mas não é possível
dissociar a decisão de reembalar o que foi feito desde 2023 da tentativa de
convencer o eleitor de que ele está muito enganado quando avalia negativamente
o governo. O risco é não convencer ninguém e ainda soar teimoso ou arrogante.
Quando 80% dos entrevistados em todo o país dizem que Lula precisa fazer diferente do que vem fazendo, o mais prudente parece ser ouvir e entender, e não dizer que o problema é de comunicação — que há algo de maravilhoso que ninguém consegue entender ou valorizar como deveria.
Basta lembrar que Lula já atingiu níveis de
aprovação a seu trabalho superiores a 80%, e isso resultou na eleição de uma
completa desconhecida do eleitor, Dilma Rousseff. Pesquisas são precisas em
captar se uma gestão funciona, agrada ou entrega o que se espera naquele
momento.
Não necessariamente o que funcionou lá em
2006 ou 2010 é o que os brasileiros esperam em 2025, e é a falta dessa
compreensão que tem feito o governo andar em círculos ou para trás, pelo menos
desde o começo do ano passado.
Um petista muito próximo a Lula desafia o
coro dos contentes em caráter reservado ao advertir que não só o presidente não
conseguiu furar a polarização — ser aceito por quem votou em Jair Bolsonaro em
2022 —, como agora enfrenta uma fissura em sua própria bolha, do eleitorado que
é lulopetista há muito tempo.
O evento de ontem pouco trouxe de respostas a
esse público que, segundo a análise dos aliados, está furioso com a inflação,
receoso de medidas como a desmentida taxação do Pix (desconfiado) e ressentido
de outras como a real taxação do comércio eletrônico de produtos chineses,
popularmente associado às blusinhas.
O que está à mesa para falar ao bolso desse
eleitor que está entre desconfiado, desesperançado e muito pistola só surtirá
efeito a longo prazo, talvez tarde demais para resolver uma eleição que vai se
configurando cada vez mais apertada.
Ministros palacianos ainda acreditam que, de
posse de mais informações sobre o que já foi feito, os eleitores darão valor ao
terceiro mandato de Lula. Também se fiam noutra máxima que já foi verdade
absoluta, mas hoje está em xeque: a vantagem do incumbente em eleições.
Estão aí as eleições recentes aqui mesmo, no
Brasil, mas também em países como Argentina e Estados Unidos para mostrar que
ser incumbente parece hoje ser uma espécie de ônus, dada a dificuldade
crescente de apresentar respostas satisfatórias a problemas econômicos, sociais
e culturais no curto espaço de um mandato.
A segunda parte da pesquisa Quaest, mostrando
que Lula ainda vence os candidatos a herdeiros do bolsonarismo, pode até
parecer uma boa notícia para o presidente, mas só se todo mundo quiser bancar a
Poliana. Isso porque essa vantagem vem declinando, e Bolsonaro empata
tecnicamente com o petista mesmo vivendo seu pior momento, já inelegível, réu e
com uma provável condenação criminal no horizonte. Além disso, os postulantes a
seu espólio ainda são largamente desconhecidos no território nacional.
Dourar a pílula e insistir que o problema de
avaliação de Lula decorre ou de falha de comunicação ou de incompreensão
profunda do eleitor é culpar o mensageiro ou o receptor por falhas do emissor.
Um dado deveria ser objeto de profunda
autoanálise de Lula e de uma mudança para além da espuma de marketing: 50%
acham que, quando o presidente vem a público e fala, as coisas pioram, em vez
de melhorar. Para quem já foi chamado de “o cara” e já parou estádios para se
fazer ouvir, é preciso uma avaliação realista e humilde do que está errado, e
não só colocar um laçarote no que foi entregue e não agradou.
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