Valor Econômico
No mega evento dessa quinta-feira, em novo esforço para recuperar popularidade, Lula anunciou bondades
“Os políticos parecem seres de outra
natureza, que lhes endurece o couro”. A observação é do jornalista Ricardo
Kotscho em seu livro de memórias, onde relatou fatos do período em que foi
secretário de Imprensa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro
mandato. Ao relembrar os meses de turbulência da crise do mensalão, afirmou que
Lula sempre tirou forças para reagir em momentos desafiadores, como nas greves
no ABC paulista, e após as sucessivas derrotas eleitorais.
Há duas décadas, no segundo semestre de 2005,
Lula vivia uma realidade de terra arrasada. O então deputado federal Roberto
Jefferson, presidente do PTB, acusara o governo de pagar um mensalão aos
deputados, deflagrando uma crise materializada em duas comissões parlamentares
de inquérito (CPIs) e na cassação do próprio delator e do ex-todo-poderoso
chefe da Casa Civil José Dirceu. Mais do que ameaçar a reeleição de Lula,
estimulou um movimento pelo impeachment do petista, que não prosperou.
Em 2005, em razão da conjuntura dramática, Lula era a imagem da desesperança. Kotscho narra que em julho, na tradicional festa junina na Granja do Torto, Lula, reconhecido pela disposição para falar, contas piadas e dançar, estava amuado. “Em vez de sorrindo querer dizer alguma coisa com os olhos, parecia perguntar com um jeito triste ‘o que aconteceu com a gente’”.
No dia 12 de agosto de 2005, pesquisa do
instituto Datafolha mostrou que Lula havia atingido a pior avaliação do
mandato, perdendo força para a reeleição. Cenário semelhante ao atual.
O percentual de brasileiros que aprovavam o
desempenho do presidente nunca esteve tão baixo, em quase empate com os índices
de reprovação. Naquele levantamento, Lula tinha 31% de ótimo e bom, 26% de ruim
e péssimo, e 41% consideravam o governo regular. Na sondagem para 2006, Lula
perderia para o então prefeito de São Paulo, José Serra, no segundo turno.
Mas para lembrar uma expressão usada pelo
ex-senador Heráclito Fortes, de que fundo de poço tem mola, Lula reagiu e
surpreendeu ao se reeleger em 2006 com 60,8% dos votos válidos. Patamar
distante, contudo, dos 50,9% obtidos contra Jair Bolsonaro (PL) no pleito de
2022.
Passados 20 anos, Lula volta a enfrentar uma
temporada de alta reprovação do eleitorado. Pesquisa Quaest divulgada nessa
quarta-feira mostrou que a desaprovação do governo subiu de 49 para 56% entre
janeiro e março, e a aprovação caiu de 47% para 41% no mesmo período. Alguns
dados são impactantes, como no Sudeste, que concentra a maior fatia do
eleitorado, onde a reprovação ao governo desponta 23 pontos percentuais maior
que a aprovação. Segundo o mesmo levantamento, Lula ainda lidera as pesquisas
para 2026. Empata com Bolsonaro (que está inelegível) na margem de erro, mas
venceria em todos os cenários no segundo turno.
Um observador experiente da cena política
lembra que, repetindo 2005, Lula “começou a arrumar a política”. Naquele ano, o
ministro de Relações Institucionais era o então deputado Aldo Rebelo na ocasião
filiado ao PCdoB. Bem relacionado, ele montou uma força-tarefa para melhorar o
diálogo do governo com o Legislativo.
No presente, Lula nomeou a ex-presidente do
PT Gleisi Hoffmann para comandar a articulação política do governo. Um
governista, que participou do jantar de Lula com senadores na noite dessa
quarta-feira, disse à coluna que Gleisi tem agradado pelas qualidades como ser
direta, assertiva e ter palavra. Ele também comemorou a disposição de Lula de
conversar mais com os parlamentares a partir de agora, hábito do passado que
ele não repetiu no terceiro mandato. “A ficha caiu”, avaliou este senador.
A diferença em relação à conjuntura atual é
de que 2005 era um tempo de um Executivo forte, muito antes do Palácio do
Planalto tornar-se refém do Congresso, que passou a controlar uma fatia
expressiva do orçamento. Em 2026, as emendas parlamentares atingirão a cifra de
R$ 60 bilhões.
Outra fórmula adotada no passado e reeditada
agora ainda não rendeu frutos. Em 2005, Lula colocou o pé na estrada, percorreu
os Estados e apostou nos discursos de palanque para reconquistar o povo. Desde
que se recuperou do acidente do fim do ano passado, Lula voltou a viajar, a
subir no palanque, e também deu mais entrevistas. A super exposição,
entretanto, até agora não funcionou.
Fontes do PT e do governo reclamam da falta
de disputa política e de uma certa conjuntura de letargia da esquerda e de
parte dos ministros. A percepção de uma ala do governo é de que desde a
nomeação de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal, não surgiu outro
ministro disposto ao embate político e à defesa contundente do governo nas
plataformas digitais e junto à população, de forma geral.
No mega evento dessa quinta-feira, em novo
esforço para recuperar popularidade, Lula anunciou bondades, como a antecipação
do 13º salário dos aposentados e pensionistas, e o lançamento de uma faixa do
Minha Casa, Minha Vida voltada à classe média. A isenção do Imposto de Renda
para quem ganha até R$ 5 mil mira o mesmo público. Se Lula conseguirá repetir o
feito de 2005, e chegar com fôlego eleitoral em 2026 ainda é uma incógnita.
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