sexta-feira, 4 de abril de 2025

Lula repetirá o feito de 20 anos atrás? - Andrea Jubé

Valor Econômico

No mega evento dessa quinta-feira, em novo esforço para recuperar popularidade, Lula anunciou bondades

“Os políticos parecem seres de outra natureza, que lhes endurece o couro”. A observação é do jornalista Ricardo Kotscho em seu livro de memórias, onde relatou fatos do período em que foi secretário de Imprensa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro mandato. Ao relembrar os meses de turbulência da crise do mensalão, afirmou que Lula sempre tirou forças para reagir em momentos desafiadores, como nas greves no ABC paulista, e após as sucessivas derrotas eleitorais.

Há duas décadas, no segundo semestre de 2005, Lula vivia uma realidade de terra arrasada. O então deputado federal Roberto Jefferson, presidente do PTB, acusara o governo de pagar um mensalão aos deputados, deflagrando uma crise materializada em duas comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e na cassação do próprio delator e do ex-todo-poderoso chefe da Casa Civil José Dirceu. Mais do que ameaçar a reeleição de Lula, estimulou um movimento pelo impeachment do petista, que não prosperou.

Em 2005, em razão da conjuntura dramática, Lula era a imagem da desesperança. Kotscho narra que em julho, na tradicional festa junina na Granja do Torto, Lula, reconhecido pela disposição para falar, contas piadas e dançar, estava amuado. “Em vez de sorrindo querer dizer alguma coisa com os olhos, parecia perguntar com um jeito triste ‘o que aconteceu com a gente’”.

No dia 12 de agosto de 2005, pesquisa do instituto Datafolha mostrou que Lula havia atingido a pior avaliação do mandato, perdendo força para a reeleição. Cenário semelhante ao atual.

O percentual de brasileiros que aprovavam o desempenho do presidente nunca esteve tão baixo, em quase empate com os índices de reprovação. Naquele levantamento, Lula tinha 31% de ótimo e bom, 26% de ruim e péssimo, e 41% consideravam o governo regular. Na sondagem para 2006, Lula perderia para o então prefeito de São Paulo, José Serra, no segundo turno.

Mas para lembrar uma expressão usada pelo ex-senador Heráclito Fortes, de que fundo de poço tem mola, Lula reagiu e surpreendeu ao se reeleger em 2006 com 60,8% dos votos válidos. Patamar distante, contudo, dos 50,9% obtidos contra Jair Bolsonaro (PL) no pleito de 2022.

Passados 20 anos, Lula volta a enfrentar uma temporada de alta reprovação do eleitorado. Pesquisa Quaest divulgada nessa quarta-feira mostrou que a desaprovação do governo subiu de 49 para 56% entre janeiro e março, e a aprovação caiu de 47% para 41% no mesmo período. Alguns dados são impactantes, como no Sudeste, que concentra a maior fatia do eleitorado, onde a reprovação ao governo desponta 23 pontos percentuais maior que a aprovação. Segundo o mesmo levantamento, Lula ainda lidera as pesquisas para 2026. Empata com Bolsonaro (que está inelegível) na margem de erro, mas venceria em todos os cenários no segundo turno.

Um observador experiente da cena política lembra que, repetindo 2005, Lula “começou a arrumar a política”. Naquele ano, o ministro de Relações Institucionais era o então deputado Aldo Rebelo na ocasião filiado ao PCdoB. Bem relacionado, ele montou uma força-tarefa para melhorar o diálogo do governo com o Legislativo.

No presente, Lula nomeou a ex-presidente do PT Gleisi Hoffmann para comandar a articulação política do governo. Um governista, que participou do jantar de Lula com senadores na noite dessa quarta-feira, disse à coluna que Gleisi tem agradado pelas qualidades como ser direta, assertiva e ter palavra. Ele também comemorou a disposição de Lula de conversar mais com os parlamentares a partir de agora, hábito do passado que ele não repetiu no terceiro mandato. “A ficha caiu”, avaliou este senador.

A diferença em relação à conjuntura atual é de que 2005 era um tempo de um Executivo forte, muito antes do Palácio do Planalto tornar-se refém do Congresso, que passou a controlar uma fatia expressiva do orçamento. Em 2026, as emendas parlamentares atingirão a cifra de R$ 60 bilhões.

Outra fórmula adotada no passado e reeditada agora ainda não rendeu frutos. Em 2005, Lula colocou o pé na estrada, percorreu os Estados e apostou nos discursos de palanque para reconquistar o povo. Desde que se recuperou do acidente do fim do ano passado, Lula voltou a viajar, a subir no palanque, e também deu mais entrevistas. A super exposição, entretanto, até agora não funcionou.

Fontes do PT e do governo reclamam da falta de disputa política e de uma certa conjuntura de letargia da esquerda e de parte dos ministros. A percepção de uma ala do governo é de que desde a nomeação de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal, não surgiu outro ministro disposto ao embate político e à defesa contundente do governo nas plataformas digitais e junto à população, de forma geral.

No mega evento dessa quinta-feira, em novo esforço para recuperar popularidade, Lula anunciou bondades, como a antecipação do 13º salário dos aposentados e pensionistas, e o lançamento de uma faixa do Minha Casa, Minha Vida voltada à classe média. A isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mira o mesmo público. Se Lula conseguirá repetir o feito de 2005, e chegar com fôlego eleitoral em 2026 ainda é uma incógnita.

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