O Globo
O presidente americano se considera com
poderes de transferir seus problemas e ideias pessoais para negociações
internacionais
O governo dos Estados Unidos está fechando
acordos tarifários com diversos países e impondo condições draconianas à
maioria deles. Foi assim com a União Europeia, o Japão, as Filipinas, a
Indonésia. Anunciou que todos os países que não fecharem acordo até 1º de
agosto serão tarifados entre 15% e 20%. Mas e o Brasil? Nenhum aceno moderador
recebeu resposta, muito menos os ataques. O presidente Lula vive um período
complicado, se equilibra entre o palácio e o palanque, como definiu com
precisão o comentarista do Estúdio i da GloboNews Octavio Guedes.
Um dia é o populista que recupera prestígio junto a seu público atacando os Estados Unidos; no outro, é o estadista que chama Trump para uma negociação de alto nível. O desacordo com os Estados Unidos demonstra não a importância do Brasil para a economia americana, mas sim nossa desimportância. Claro que alguns setores da economia, como o agropecuário e o da indústria americana, sofrerão e devem estar fazendo pressão interna a nosso favor.
As sanções de Trump têm a ver com a nossa
política externa, com a ligação do Brics com o Irã, também com as big techs,
que não querem se responsabilizar pelo que transmitem, mas a esta altura estou
convencido de que é muito mais uma atitude pessoal, não em defesa do Bolsonaro,
mas em defesa do que ele acha que é correto, numa visão distorcida do que seja
democrático. Ele se vê na pele de Bolsonaro. Já tinha escrito isso dias atrás
numa coluna intitulada “Freud rides again”, e ontem o diretor executivo para as
Américas da consultoria internacional Eurasia, Christopher Garman, disse ao
Estadão que Trump se vê no drama de Bolsonaro, considera um absurdo o que estão
fazendo com o ex-presidente brasileiro, porque fizeram com ele também.
Trump se considera vítima de uma “caça às
bruxas” e não foi por acaso que usou essa expressão na carta enviada ao governo
brasileiro. Aliás, nos Estados Unidos fizeram muito menos com ele do que estão
fazendo aqui no Brasil com Bolsonaro, o que demonstra uma falha na Justiça
americana, que permitiu que Trump se candidatasse à Presidência mesmo
processado. A vitória na eleição suspendeu as ações contra ele na Justiça
americana, e ele está na Casa Branca atazanando o mundo. Dessa maneira, entra
um tom pessoal — uma visão própria de Trump do que sejam a democracia, o Poder
Judiciário, o poder do presidente da República — que impede a negociação.
É uma visão que não se coaduna com a
democracia, como ela é exercida nos países mais civilizados. A dificuldade é
esta: uma questão de foro íntimo do presidente americano, que se considera com
poderes de transferir seus problemas e ideias pessoais para negociações
internacionais. Fica difícil para nós, porque ele quer trocar sua visão de
democracia completamente disfuncional por uma decisão do Judiciário do Brasil,
que é independente. Trump não acredita que o Supremo Tribunal Federal (STF)
seja independente, acha que somos uma republiqueta de bananas, onde o
presidente manda e desmanda.
Essa é a imagem que os bolsonaristas vendem
para o mundo, que é Lula quem controla o STF, e que os dois estão jogando em
parceria. Por isso, Trump acha que, se é assim, ele pode pressionar o
presidente, para que ele pressione o STF. A demora em abrir negociações com o
Brasil deve-se a que não há o que negociar em termos comerciais, pois o Brasil
é deficitário na balança bilateral. Também a ameaça do Brics é apenas uma
suposição futura, tanto assim que Trump está negociando com a China, com a
Rússia e com a Índia. Até mesmo as terras-raras e minérios, que entraram nos
boatos como interesses dos americanos, poderiam ser negociados, mas não sob
chantagem. Mas a premissa da negociação, segundo a carta de Trump que lhe foi
devolvida pelo governo brasileiro, é a liberação de Bolsonaro na Justiça
brasileira. Esse ponto, no entanto, é inegociável, e é o que está emperrando
uma solução.
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