Folha de S. Paulo
Ao colocar a lealdade familiar acima de suas
obrigações como deputado federal, Eduardo trai o mandato, que deveria ser
cassado
Obrigações familiares ou deveres
republicanos? Eduardo
Bolsonaro fez sua opção. Quando instigou Donald Trump a
tomar medidas contra a economia brasileira para tentar livrar Jair
Bolsonaro da cadeia, o filho trinigênito e deputado federal por São
Paulo preferiu
agradar papai a honrar seu compromisso de representar os paulistas
na Câmara
dos Deputados.
Dilemas envolvendo lealdades conflitantes não são novidade na história e na literatura humanas. Os gregos os transformaram em matéria-prima para suas tragédias. O caso mais emblemático, como já descrevi aqui, talvez seja o de "Antígona", de Sófocles. A heroína, filha de Édipo e Jocasta, é condenada a ser enterrada viva porque, contrariando proibição imposta pelo rei Creonte, seu tio, deu sepultura ao cadáver do irmão Polinices. Antígona se justifica diante de Creonte dizendo que desafiara o edito real, o "nómos" ou lei positiva humana, para obedecer ao que chama de "justiça divina" ("daímônôn díkê"), que seria uma obrigação moral de ordem superior.
E qual fora o crime de Polinices para ser
privado pelo próprio tio de rituais fúnebres? Antecipando Eduardo em alguns
milênios, ele traíra Tebas, aliando-se a estrangeiros para atacar a própria
cidade.
Não foram só os gregos que viram potencial literário nesse tipo de dilema. Em
"Gênesis", Abraão se dispõe a sacrificar o filho Isaac para
demonstrar obediência a Deus. É a lealdade religiosa se sobrepondo à familiar.
A história só não acaba em tragédia por causa da intervenção de um "Deus
ex machina" literal, que faz interromper o sacrifício.
Voltando a Eduardo Bolsonaro, não há dúvida
de que ele violou suas obrigações como deputado. O mínimo que a Câmara teria de
fazer é cassar-lhe o mandato que ele não foi capaz de honrar.
Pôr o "nómos", a lei positiva, acima de considerações religiosas ou
familiares é inafastável numa
República moderna. A opção de Eduardo de
colocar papai acima de todos, incluindo o Brasil, é priorizar a lógica tribal,
que prevalece em sociedades pré-iluministas e em máfias.
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