Valor Econômico
Como Lula não aceitará humilhação, é
preferível acreditar que o Brasil viverá a guerra do fim do mundo
O primeiro dia de sua viagem aos Estados
Unidos levou a comitiva de senadores a uma conclusão desoladora. Donald Trump
precisará humilhar o presidente brasileiro para se sentir vitorioso, como fez
com Volodymyr Zelensky. Foi isso que ouviram.
Não apenas. O Brasil caminha para ficar fora da vala comum dos 15% a 20% anunciados por Donald Trump e cair mesmo nos 50% de tarifa a partir de 1º de agosto. A questão Jair Bolsonaro é incontornável e Trump tem certeza de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não interfere no processo judicial porque não quer. O processo é definido como um “ponto irritante” da relação porque Trump se identifica com o que vê como uma “perseguição” a Bolsonaro.
Ao longo do dia, os senadores ouviram ainda,
de representantes de 20 empresas reunidos pela Câmara de Comércio
Brasil-Estados Unidos e também de escritórios de advocacia com acesso à Casa
Branca, que Trump precisará sair com a sensação de vitória para entrar em
acordo com o Brasil. Nem que esse acordo não seja assim tão favorável, como se
deu, por exemplo, na Ucrânia, aprovado por 100% do parlamento daquele país.
E tem mais: o Brasil está próximo demais da
China e se quiser negócio com os EUA vai ter que repensar esta relação. Neste
momento, até senadores de direita não puderam deixar de pensar que, não fosse a
China, o Brasil estaria fritinho da Silva.
Como o tarifaço ainda custará a se refletir
nos empregos de empresas brasileiras com atividade nos EUA, a pressão que
parlamentares americanos podem vir a fazer sobre a Casa Branca ainda vai
demorar a colocar a bola do jogo no chão.
São relatos que indicam um cenário de guerra
prolongada, mas - e nisso os parlamentares concordam com o governo brasileiro
-, nem por isso, catastrófica. A 72 horas da entrada em vigor do tarifaço
americano, ninguém no governo brasileiro perdeu o sono. Nem mesmo na empresa
brasileira mais afetada, a Embraer, como disse seu CEO, Francisco Gomes Neto,
ao Valor. A
preocupação é enorme mas está a léguas do desespero. Nem mesmo o acordo fechado
entre a União Europeia e os EUA faz imperar o isolamento.
Um cenário com o qual o governo brasileiro
trabalha é que as reações ao acordo foram tão divisivas que podem gerar algum
espaço para aquele com o Mercosul, efetivamente, engrenar. Vide a fala do
chanceler do país mais resistente ao acordo Mercosul-EU, o primeiro-ministro
francês François Bayrou, que viu “submissão” aos EUA num dia “sombrio” para os
europeus.
Nem na Alemanha, país de origem da comissária
europeia Ursula von der Leyen, que negociou com Trump, o acordo é pacífico. A
percepção geral é de que o acordo, no mínimo, deixou uma situação
desequilibrada. O diretor do Centro de Investigação de Política Comercial do
Instituto de Economia Internacional de Kiel, Julian Hinz, disse que, a despeito
de ter minimizado o dano, o acordo se deu às custas da OMC e, no longo prazo,
vai se mostrar o caminho errado.
“A se deixarem manipular pelos EUA, países
com ideias semelhantes como a EU, o Canadá, o México, o Brasil e a Coreia do
Sul deveriam ter-se unido numa coligação. Então teríamos uma grande influência
em Washington e poderíamos contrariar os direitos aduaneiros”, afirmou Linz ao
jornal Hadelsblatt.
O desgaste que Ursula von der Leyen enfrentou
seria tamanho que a levaria a se dedicar ao Mercosul para responder à pressão
daqueles que não aceitam a Europa à mercê de um acordo desfavorável. É um
cenário. A janela para que isso ocorra é até dezembro, quando o Conselho
Europeu está sob a presidência da Dinamarca, amplamente favorável ao acordo, e
o Mercosul, sob o comando do Brasil. O próximo é o Paraguai, país que tem sido
atraído para a órbita dos satélites americanos.
O sono das autoridades brasileiras não está
preservado apenas em função da condição inegociável imposta por Trump da
renúncia à soberania. Há dados objetivos a sugerir danos administráveis sobre a
economia desde que a ajuda às empresas possa ser tratada dentro das condições
facultadas às despesas urgentes e imprevisíveis contempladas por crédito
extraordinário.
Esses recursos não resolvem tudo. Há setores
seriamente afetados, mas o Brasil já estaria a se beneficiar da redução de
preço de produtos que, nos últimos tempos, ajudaram a pressionar a inflação,
como café e carne. Se competidores como México e a Colômbia forem chamados a
ocupar o espaço que venha a ser deixado pelo Brasil no mercado de laranja e
café, deixarão na mão países que podem vir a ser atendidos pela produção
brasileira.
Além disso, ainda que uma retaliação
generalizada esteja descartada, alguma elevação de tarifa terá de haver para
produtos dos EUA que, como se sabe, têm um saldo comercial largamente positivo
com o Brasil. Isso também ajudaria a arrecadação.
É bem verdade que os EUA, destino de 12,2%
das exportações brasileiras, metade da fatia do início deste século, podem vir
a reduzir ainda mais sua parceria comercial com o Brasil e o PIB não lhe ficará
imune. E, por isso, não pode pairar dúvidas de que o Brasil tenta esgotar todas
as tentativas de negociação.
Ainda que tenha feito provocações
desnecessárias, Lula adotou, nesta segunda, um tom moderado - “Espero que o
presidente dos EUA reflita a importância do Brasil e resolva fazer o que num
mundo civilizado a gente faz: tem divergência? Senta numa mesa, coloca a
divergência de lado e vamos resolver, e não de uma forma abrupta”. Daí a
imaginar que aceite a humilhação, é preferível concluir que o Brasil viverá a
guerra do fim do mundo.
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