terça-feira, 29 de julho de 2025

No mundo dos acordos tristes - Míriam Leitão

O Globo

Acordos com ares de rendição, como os que têm sido firmados por Trump não

A Europa não gostou. Mas sinceramente ninguém sai feliz de uma conversa com Donald Trump. Que tempo é esse em que o presidente americano ataca países aliados, o sistema de comércio e, no nosso caso, a própria democracia e sai contando vantagem? Houve, ontem, uma série de declarações de chefes de Estado da Europa criticando o acordo fechado entre Trump e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. A Europa tem um superávit de mais de US$ 200 bilhões por ano com os Estados Unidos e ela admitiu que é preciso cortar. Mas a que custo?

O acordo foi recebido com sentimentos mistos pelos diferentes países da União Europeia. O primeiro-ministro da França, segunda maior economia do bloco, François Bayrou, teve a mais dura reação contrária. “É um dia sombrio, quando uma aliança de povos livres reunida para afirmar seus valores comuns e defender seus interesses compartilhados se resigna à submissão”, declarou. O ministro do Comércio Exterior francês, Laurent Saint-Martin criticou a atitude da União Europeia na negociação,"Donald Trump só entende a força. Teria sido melhor responder mostrando antes nossa capacidade de retaliação, é provável que o acordo fosse diferente”. O presidente Macron não se manifestou.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez fez questão de deixar claro que o acordo, embora necessário, não lhe agradou. “Reconheço o valor da atitude construtiva e negociadora da presidente da Comissão Europeia e, em todo caso, apoio este acordo comercial, mas o faço sem nenhum entusiasmo.”

O primeiro-ministro da Alemanha, maior economia do continente, Friedrich Merz, disse que “o acordo conseguiu evitar um conflito comercial que teria atingido duramente a economia exportadora alemã”. Adiantou que a indústria automobilística alemã saiu ganhando, porque em lugar de pagar 27,5% de tarifas, pagará 15%. Mas a ministra da Economia, Katherina Reiche definiu o acordo como “desafiador”, sua maior vantagem seria eliminar a incerteza. A Suécia o considerou a “alternativa menos ruim”. A primeira-ministra Giorgia Meloni, da Itália, considerou “positivo que tenha havido um acordo, mas que “sem ver os detalhes não tenho como julgá-lo da melhor forma”.

Houve lugar para misoginia. O notório Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, disse que “isto não é um acordo ... Donald Trump devorou von der Leyen no café da manhã. É o que acontece, e suspeitamos que aconteceria, pois o presidente é um peso-pesado em negociações, enquanto a madame presidente é peso-leve”. Outras autoridades apontaram apenas uma virtude no acordo, que seria a redução da incerteza.

Trump primeiro ameaça os parceiros, depois propõe uma tarifa inaceitável, em seguida fecha o acordo por um imposto menor do que ameaçou e maior do que era antes. E embrulha tudo com toques de rendição para ele se apresentar como vitorioso. Em diplomacia, quando se humilha o outro lado da mesa, não está sendo feito um acordo bom e durável.

No nosso caso não existe qualquer saída boa que não seja o recuo das exigências descabidas e absurdas feitas por Trump. O Brasil vive o caso mais bizarro. A nós, ele não fez demandas comerciais, mas sim institucionais. Por estímulo da extrema direita, o presidente americano ameaçou o Brasil com uma tarifa muito maior do que a estipulada para outros países e exigiu algo impagável: a interferência no funcionamento democrático dos Três Poderes.

Por isso, o Brasil ignora o pedido e fica tentando conversar sobre comércio. Em cada setor que se olhe há sempre uma triste história a contar. A indústria de calçados vendeu um milhão de pares de sapatos para os Estados Unidos em junho. No primeiro semestre foram quase seis milhões de pares. A convicção da Abicalçados é que a venda fica inviabilizada com a tarifa de 50%. E a maior parte da produção sequer pode ser redirecionada para outros mercados, porque são produtos feitos com a marca do cliente. Os importadores suspenderam as compras previstas a partir do dia 1º de agosto. O problema não começará na sexta-feira, ele já começou. A indústria que fornece insumo para o setor colocou trabalhadores em férias coletiva. Implementada sobretaxa, 12 mil empregos estão ameaçados, principalmente no Sul do país.

Histórias assim são contadas na indústria do aço, na produção de laranjas e de aviões. Alguns estados estão sofrendo mais que os outros, como Ceará e Espírito Santo. O pior é pensar que, mesmo no melhor cenário, se a conversa terminar bem, será feito um acordo triste, como os que têm sido feitos com outros países. Que momento difícil o mundo atravessa.

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