O Globo
Acordos com ares de rendição, como os que têm
sido firmados por Trump não
A Europa não gostou. Mas sinceramente ninguém sai feliz de uma conversa com Donald Trump. Que tempo é esse em que o presidente americano ataca países aliados, o sistema de comércio e, no nosso caso, a própria democracia e sai contando vantagem? Houve, ontem, uma série de declarações de chefes de Estado da Europa criticando o acordo fechado entre Trump e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. A Europa tem um superávit de mais de US$ 200 bilhões por ano com os Estados Unidos e ela admitiu que é preciso cortar. Mas a que custo?
O acordo foi recebido com sentimentos mistos
pelos diferentes países da União
Europeia. O primeiro-ministro da França, segunda maior economia do bloco,
François Bayrou, teve a mais dura reação contrária. “É um dia sombrio, quando
uma aliança de povos livres reunida para afirmar seus valores comuns e defender
seus interesses compartilhados se resigna à submissão”, declarou. O ministro do
Comércio Exterior francês, Laurent Saint-Martin criticou a atitude da União
Europeia na negociação,"Donald Trump só entende a força. Teria sido melhor
responder mostrando antes nossa capacidade de retaliação, é provável que o
acordo fosse diferente”. O presidente Macron não se manifestou.
O primeiro-ministro espanhol, Pedro
Sánchez fez questão de deixar claro que o acordo, embora necessário,
não lhe agradou. “Reconheço o valor da atitude construtiva e negociadora da
presidente da Comissão Europeia e, em todo caso, apoio este acordo comercial,
mas o faço sem nenhum entusiasmo.”
O primeiro-ministro da Alemanha, maior
economia do continente, Friedrich
Merz, disse que “o acordo conseguiu evitar um conflito comercial que teria
atingido duramente a economia exportadora alemã”. Adiantou que a indústria
automobilística alemã saiu ganhando, porque em lugar de pagar 27,5% de tarifas,
pagará 15%. Mas a ministra da Economia, Katherina Reiche definiu o acordo como
“desafiador”, sua maior vantagem seria eliminar a incerteza. A Suécia o
considerou a “alternativa menos ruim”. A primeira-ministra Giorgia Meloni, da
Itália, considerou “positivo que tenha havido um acordo, mas que “sem ver os
detalhes não tenho como julgá-lo da melhor forma”.
Houve lugar para misoginia. O notório Viktor
Orbán, primeiro-ministro da Hungria, disse que “isto não é um acordo ... Donald
Trump devorou von der Leyen no café da manhã. É o que acontece, e suspeitamos
que aconteceria, pois o presidente é um peso-pesado em negociações, enquanto a
madame presidente é peso-leve”. Outras autoridades apontaram apenas uma virtude
no acordo, que seria a redução da incerteza.
Trump primeiro ameaça os parceiros, depois
propõe uma tarifa inaceitável, em seguida fecha o acordo por um imposto menor
do que ameaçou e maior do que era antes. E embrulha tudo com toques de rendição
para ele se apresentar como vitorioso. Em diplomacia, quando se humilha o outro
lado da mesa, não está sendo feito um acordo bom e durável.
No nosso caso não existe qualquer saída boa
que não seja o recuo das exigências descabidas e absurdas feitas por Trump. O
Brasil vive o caso mais bizarro. A nós, ele não fez demandas comerciais, mas
sim institucionais. Por estímulo da extrema direita, o presidente americano
ameaçou o Brasil com uma tarifa muito maior do que a estipulada para outros
países e exigiu algo impagável: a interferência no funcionamento democrático
dos Três Poderes.
Por isso, o Brasil ignora o pedido e fica
tentando conversar sobre comércio. Em cada setor que se olhe há sempre uma
triste história a contar. A indústria de calçados vendeu um milhão de pares de
sapatos para os Estados Unidos em junho. No primeiro semestre foram quase seis
milhões de pares. A convicção da Abicalçados é que a venda fica inviabilizada
com a tarifa de 50%. E a maior parte da produção sequer pode ser redirecionada
para outros mercados, porque são produtos feitos com a marca do cliente. Os importadores
suspenderam as compras previstas a partir do dia 1º de agosto. O problema não
começará na sexta-feira, ele já começou. A indústria que fornece insumo para o
setor colocou trabalhadores em férias coletiva. Implementada sobretaxa, 12 mil
empregos estão ameaçados, principalmente no Sul do país.
Histórias assim são contadas na indústria do
aço, na produção de laranjas e de aviões. Alguns estados estão sofrendo mais
que os outros, como Ceará e Espírito Santo. O pior é pensar que, mesmo no
melhor cenário, se a conversa terminar bem, será feito um acordo triste, como
os que têm sido feitos com outros países. Que momento difícil o mundo
atravessa.
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