terça-feira, 29 de julho de 2025

A perda de brilho da estrela do progressismo ocidental - Edward Luce

Financial Times / Valor Econômico

Intolerância e falta de convicção são defeitos de caráter que trazem maus presságios para partidos de centro e centro-esquerda

As leis da hidráulica foram quebradas. O índice de aprovação de Donald Trump caiu para o menor patamar de seu segundo mandato, mas o do Partido Democrata caiu ainda mais. Os democratas deveriam estar em alta. Apenas um terço dos americanos os aprova. Praticamente o mesmo pode ser dito dos partidos de centro e centro-esquerda pelo Ocidente. A exceção é o Canadá. Isso porque o Partido Liberal, de Mark Carney, é o mais firme defensor da soberania canadense — a oposição estava apegada demais a Trump. O Canadá, entretanto, é uma exceção à regra. O progressismo ocidental ainda está em debandada.

Nos lugares em que os partidos democráticos progressistas estão no poder, as leis normais da hidráulica ainda funcionam. Um ano após assumir o cargo, o Partido Trabalhista, de Keir Starmer, tem sorte quando chega consegue chegar a 25% nas pesquisas. Por sua vez, o populista Partido Reforma, de Nigel Farage, com apenas sete anos de existência, já atrai quase um terço dos eleitores. Na Alemanha, menos de três meses após assumir o governo, os dois principais partidos estão cabeça a cabeça com o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão). Isso apesar (ou talvez por causa) do fato de que a inteligência alemã recentemente classificou o AfD como extremista de direita.

Na França, da mesma forma, o partido de extrema direita Reunião Nacional, de Marine Le Pen, lidera com ampla margem as pesquisas, apesar de Le Pen estar impedida de concorrer na próxima eleição presidencial.

O maior índice de aprovação entre as grandes economias europeias é o de Giorgia Meloni, da extrema direita italiana. Mesmo Trump, afundando em um marasmo criado por ele mesmo, ainda mantém a cabeça fora d'água. Sua recente aprovação de 37% na pesquisa Gallup é bem maior que a do Partido Democrata. Quando a esquerda está no poder, os populistas prosperam. Quando a direita está no poder, a esquerda raramente o faz. Quem quiser mais evidências, basta ver os casos de Benjamin Netanyahu, em Israel, e de Narendra Modi, na Índia.

O fato de as mazelas do progressismo ocidental terem múltiplas causas torna mais difícil corrigi-lo. A complexidade estimula brigas internas. Taylor Swift já vai estar aposentada há anos, e os democratas ainda vão estar discutindo se Joe Biden estava velho demais para concorrer ou se foi egoísta demais por não ter cedido antes. Talvez também ainda estarão a debater se a esquerda é muito ou pouco “woke” [o movimento pelo “despertar” da consciência racial e social]. Será que a esquerda no poder é capaz de fazer mais para melhorar a economia para a classe trabalhadora? A imigração enriquece a sociedade ou espreme ainda mais os trabalhadores? Deveria haver um imposto sobre grandes fortunas? Israel comete crimes de guerra? Perguntas do tipo, invariavelmente, causarão divisões.

Além das divisões internas, o progressismo contemporâneo tem dois defeitos de caráter que trazem maus presságios quanto a seu eventual ressurgimento. O primeiro é a falta de convicção. Está muito bem apontar os perigos representados por Trump, Farage, Le Pen e outros. Seria negligente deixar de fazê-lo. No entanto, limitar-se a fazer a argumentação negativa não basta. Ninguém nunca ganhou um concurso de beleza dizendo “talvez eu não seja bonita, mas você já reparou como quem está do meu lado é feia?”. Lemas como “Mais fortes juntos” ou “Quando lutamos, vencemos” não conseguem disfarçar a incerteza que existe por trás deles. Como Bill Clinton disse uma vez: o forte e errado sempre vence o fraco e certo. Fazer reuniões de grupos focais não resolverá isso.

O segundo defeito do progressismo ocidental é a intolerância.

Durante a pandemia, os progressistas americanos estiveram em seu pior momento. O fato de que os conservadores antivacina eram ainda mais insanos não deveria servir de consolo. A impressão era que, certo dia, o doutor Anthony Fauci dizia que máscaras não eram essenciais e que, no outro, Rochelle Walensky, então chefe do Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC, em inglês), dizia para crianças de dois anos usarem máscara o tempo todo. Qualquer pessoa cogitando a teoria de que o vírus pudesse ter saído de um laboratório em Wuhan era descartada como sinofóbica ou pior. Em dezembro de 2020, quando as vacinas se tornaram disponíveis, o Sindicato dos Professores de Chicago tuitou: “A pressão para reabrir as escolas está enraizada no sexismo, racismo e misoginia.”

Na época, todos pareciam concordar que a normalmente progressista Suécia estava sendo tola ao seguir o caminho da imunidade de rebanho. O fato de que a Suécia acabou exibindo um dos menores índices de mortalidade da Europa não recebeu o mesmo destaque. A covid-19 não é história antiga. Qualquer pesquisa que tente entender por que tantos jovens passaram a olhar para a direita e ignore a experiência da pandemia está perdendo tempo. O caminho da recuperação começa olhando-se no espelho. O livro fundamental “In Covid’s Wake: How Our Politics Failed Us” [algo como “Na esteira da covid-19: como nossa política nos deixou na mão”, em inglês], de dois acadêmicos de Princeton, deveria ser leitura obrigatória em todo o espectro ideológico. O fato de que a maioria dos grandes jornais sequer o tenha resenhado é preocupante.

Foram-se as regras de distanciamento social, também se vai a liberdade de expressão entre os progressistas.

Os progressistas diziam “siga a ciência”, confundindo ciência com fé. A ciência é um processo de tentativa e erro que só funciona com abertura à dissidência. O mesmo vale para o debate político nos campi universitários, dentro dos jornais, nos centros de estudos e na sociedade em geral. Para muitos jovens eleitores, em particular os homens, o establishment progressista atual parece mais com um establishment conservador. Elites com alta formação criam ortodoxias sobre o que devemos dizer e fazer. A semelhança com o alto vitorianismo não é apenas aparente. Os vitorianos regulavam os modos de agir e a etiqueta. Também tinham pavor das massas.

Religiões em expansão buscam convertidos. Religiões em declínio caçam hereges. Na forma e no conteúdo, o progressismo ocidental está perigosamente próximo da segunda categoria.

A boa notícia é que o progressismo já se reergueu antes, mesmo após perder a fé em si próprio. A má notícia é que foi preciso uma Segunda Guerra Mundial genocida para que sua necessidade fosse redescoberta. Nutrir a esperança de que a humanidade aprenda com seus erros não serve como estratégia. Ainda se espera ouvir a argumentação positiva pela democracia progressista no mundo de hoje.

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