Em 29 de março de 2023, a Assembleia Geral das Nações Unidas fez duas questões ao Tribunal Internacional de Justiça: (1) quais são as obrigações dos Estados de garantir a proteção do sistema climático contra as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa? e (2) quais são as consequências legais para os Estados que violam tais obrigações?
Após intensos meses de trabalho, a Corte
anunciou as respostas em uma decisão unânime de seus quatorze juízes. Feito
inédito.
Em cento e quarenta páginas, o Tribunal faz
uma análise exaustiva das obrigações dos Estados observando os vários tratados
internacionais. O cerne da decisão está na identificação das obrigações dos
Estados sob a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima de 1992, o Protocolo de
Kyoto de 1997 e o Acordo de Paris de 2015 (os tratados climáticos). No entanto,
a Corte também identifica as obrigações dos Estados sob o direito internacional
consuetudinário, que são aplicáveis a todos os países, mesmo aqueles que não
são partes de um e/ou mais dos tratados climáticos.
E o que disse o Tribunal? Cinco opiniões
exemplares: Em primeiro lugar, que os Estados que fazem parte do Acordo de
Paris de 2015 têm a obrigação de preparar, comunicar e manter sucessivas e
progressivas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs do inglês Nationally
determined contributions) que, em conjunto, são os compromissos que os países
assumem para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa como parte da
mitigação das mudanças climáticas, capazes de atingir a meta de limitar o
aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Para atingir esta
meta de temperatura, as emissões de gases com efeito de estufa devem ser
reduzidas o mais rapidamente possível e tanto quanto possível. Para limitar o
aquecimento global a menos de 1,5 °C, as emissões precisam ser reduzidas em
cerca de 50% até 2030.
Importa reter que as emissões de gases de efeito estufa não têm fronteiras: os Estados podem ser responsabilizados até mesmo por emissões que prejudicam as pessoas fora de suas fronteiras. Isso implica que não se pode deixar de regular os atores envolvidos, para não descumprir as NDCs e/ou não interromper quaisquer subsídios aos combustíveis fósseis, pois deixar as obrigações de fazer climáticas podem constituir um ato ilegal sob o direito internacional.
Em segundo lugar, que os Estados têm a
obrigação de evitar danos significativos ao meio ambiente, exercendo a devida
diligência e usando todos os meios à sua disposição para evitar que atividades
dentro de sua jurisdição e/ou controle causem danos significativos ao sistema
climático. Isso, de acordo com suas responsabilidades comuns, mas
diferenciadas, e suas respectivas capacidades.
Em terceiro lugar, que os Estados têm o dever
de cooperar uns com os outros de boa-fé para evitar danos significativos ao
sistema climático, o que requer formas sustentadas e contínuas de cooperação na
adoção de medidas para evitar tais danos.
Em quarto lugar, que os Estados têm a
obrigação de respeitar e garantir o gozo efetivo dos direitos humanos por meio
da adoção de medidas necessárias para proteger o sistema climático.
Em quinto lugar, que a violação por um Estado
das suas obrigações em matéria de alterações climáticas implica a
responsabilidade internacional desse Estado. As consequências de tal violação,
por exemplo, podem incluir a obrigação de reparar o Estado lesado.
Essa opinião consultiva da Corte
Internacional de Justiça é um marco poderoso para a justiça planetária.
Pela primeira vez, o mais alto Tribunal do
mundo deixou claro que os Estados têm responsabilidades legais de agir sobre as
mudanças climáticas.
Embora a Opinião Consultiva sobre as
Obrigações dos Estados em relação às Mudanças Climáticas não seja juridicamente
vinculativa, esse parecer tem um peso moral e intelectual e legal real,
somando-se a um coro crescente de decisões regionais e internacionais.
Ao se retirar fraquezas dos Acordos
Ambientais Internacionais, a posição do Tribunal tacitamente passa a compor
mecanismos jurídicos de sanção pelo descumprimento dos tratados climáticos.
À medida que o impulso global aumenta, os
processos dos tratados climáticos continuam sendo fundamentais para traduzir
esses princípios legais em ações significativas e progresso para as pessoas e o
planeta.
Nas palavras do Tribunal, a mudança climática é um problema existencial de proporções planetárias que põe em risco todas as formas de vida e a própria saúde do nosso planeta. Agora, com um quadro jurídico claro, é tempo de agir.
*Ricardo Marinho é Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.
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