Valor Econômico
Novo presidente do Supremo fez em seu discurso uma forte defesa da independência judicial
Considerando que o ceticismo é atitude
fundamental para quem busca sobreviver no ambiente muitas vezes hostil de
Brasília, com frequência é preciso evitar cair na tentação de classificar como
“coincidência” qualquer sequência aleatória de fatos. No entanto, chamam
atenção alguns movimentos que ocorreram antes, durante e depois da posse dos
ministros Edson Fachin na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e
Alexandre de Moraes na vice.
Poucas horas antes da solenidade realizada na segunda-feira (29), o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), pediu à Corte que o número das bancadas estaduais na Câmara não fosse alterado para as próximas eleições. A despeito da decisão da própria Corte para que a redistribuição das cadeiras fosse feita nesta semana de acordo com o censo, Alcolumbre defendeu que isso só ocorresse para o pleito de 2030. Uma tentativa de reduzir a insatisfação dos deputados, que pressionavam pela derrubada do veto ao projeto que aumentava o número de deputados e, assim, driblava a determinação do STF.
A fila de cumprimentos a Fachin e Moraes
ainda era longa, quando o ministro Luiz Fux atendeu ao pedido em caráter
liminar e enviou o caso para o plenário. No dia seguinte já houve unanimidade
para manter a atual distribuição das bancadas na eleição de 2026, em um ato
capaz de distensionar as relações entre os Poderes.
Em outra decisão, Moraes autorizou a
progressão do regime prisional do ex-deputado Daniel Silveira, de semiaberto
para aberto, após condenação do bolsonarista em 2022 por crimes contra o Estado
Democrático de Direito com incitação à violência e coação no curso do processo.
É um caso emblemático, sempre lembrado quando se fala dos limites da imunidade
parlamentar em tempos de “PEC da blindagem” e, também, de anistia ou indulto
presidencial aos envolvidos nos atentados contra a democracia.
Um dia depois de ser condenado pelo STF,
Silveira recebeu um indulto do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Em maio de
2023, a Corte concluiu que houve desvio de finalidade na concessão do benefício
a um aliado político e anulou o perdão.
Seu caso também mostra a disposição da
Justiça em manter-se vigilante em relação ao respeito a medidas cautelares.
Silveira chegou a obter a liberdade condicional em dezembro, mas voltou para a
cadeia depois de descumpri-las. Não se deve ignorar isso, em momento de
discussão no Parlamento de redução das penas dos envolvidos nos atos golpistas.
Tem mais. Em meio aos preparativos para a
cerimônia, Moraes determinou a notificação do deputado federal Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) por edital sobre a denúncia apresentada pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) por coação à Justiça em sua atuação nos
Estados Unidos. Para o ministro, o parlamentar estaria criando dificuldades
para ser notificado para evitar eventual responsabilização judicial. Isolado,
cada vez menos correligionários defendem o filho do ex-presidente.
Durante a posse, Fachin fez em seu discurso
uma forte defesa da independência judicial. Tratou-a como condição republicana
e destacou que um Judiciário submisso, ainda que ao populismo, perde
credibilidade. Portanto, sublinhou, sua atuação exige contenção.
Em outro momento, prometeu alimentar o
diálogo entre os Poderes. Mas, em uma palestra na Fundação Fernando Henrique
Cardoso no início de agosto, em São Paulo, foi além.
Segundo ele, resgatar a história do processo
político brasileiro ajuda a perceber que o país talvez não viva uma crise aguda
da democracia, mas sim uma crise dos partidos políticos - momento que só
começará a se atenuar com a consolidação do quadro partidário e a plena
aplicação da cláusula de barreira, a partir de 2030.
Ao citar a doutrina clássica segundo a qual a
liberdade depende da divisão entre Legislativo, Executivo e Judiciário, tendo
cada Poder limitado por freios e contrapesos, o ministro argumentou que é
possível considerar insuficiente essa formulação para as “democracias de
partidos”. Ou seja, sistemas em que o poder efetivo não se distribui apenas
entre órgãos estatais, mas segue linhas partidárias. E no caso do Brasil a
complexidade é grande, pois o presidencialismo de coalizão criou uma
fragmentação partidária que dissolve o modelo clássico de separação de Poderes.
Em seu lugar, prosseguiu, surgiu um tabuleiro
de negociações partidárias que atravessa Executivo e Legislativo. Proteger a
democracia exige evitar que uma força política, mesmo transitória, consiga
cristalizar vantagens institucionais que impeçam a renovação democrática.
Ponderando que o STF não deve substituir a
arena política, pois fazê-lo desloca o custo do conflito do espaço partidário
para o Judiciário e corrói a legitimidade do sistema, ele acrescentou que
também não se pode reforçar assimetrias partidárias duradouras. “O STF deve
reconhecer que o risco democrático não está apenas na violação direta da
Constituição, mas também na cristalização de arranjos partidários que bloqueiem
o funcionamento plural da política”, pontuou. “Pensar a separação de Poderes
como separação de partidos permite ao Supremo se perceber não como vanguarda
permanente da política, mas como garantidor do espaço em que a política pode se
renovar.”
Não se falou na posse dos processos
envolvendo as emendas parlamentares ao Orçamento. Mas esse dia chegará em
breve. Parafraseando uma expressão de Fachin, pode-se dizer que as emendas
mostraram nas últimas eleições municipais que são exatamente instrumentos
capazes de cristalizar vantagens institucionais que dificultam a renovação democrática.
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