quarta-feira, 1 de outubro de 2025

A visão de Fachin sobre o STF na crise política. Por Fernando Exman

Valor Econômico

Novo presidente do Supremo fez em seu discurso uma forte defesa da independência judicial

Considerando que o ceticismo é atitude fundamental para quem busca sobreviver no ambiente muitas vezes hostil de Brasília, com frequência é preciso evitar cair na tentação de classificar como “coincidência” qualquer sequência aleatória de fatos. No entanto, chamam atenção alguns movimentos que ocorreram antes, durante e depois da posse dos ministros Edson Fachin na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e Alexandre de Moraes na vice.

Poucas horas antes da solenidade realizada na segunda-feira (29), o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), pediu à Corte que o número das bancadas estaduais na Câmara não fosse alterado para as próximas eleições. A despeito da decisão da própria Corte para que a redistribuição das cadeiras fosse feita nesta semana de acordo com o censo, Alcolumbre defendeu que isso só ocorresse para o pleito de 2030. Uma tentativa de reduzir a insatisfação dos deputados, que pressionavam pela derrubada do veto ao projeto que aumentava o número de deputados e, assim, driblava a determinação do STF.

A fila de cumprimentos a Fachin e Moraes ainda era longa, quando o ministro Luiz Fux atendeu ao pedido em caráter liminar e enviou o caso para o plenário. No dia seguinte já houve unanimidade para manter a atual distribuição das bancadas na eleição de 2026, em um ato capaz de distensionar as relações entre os Poderes.

Em outra decisão, Moraes autorizou a progressão do regime prisional do ex-deputado Daniel Silveira, de semiaberto para aberto, após condenação do bolsonarista em 2022 por crimes contra o Estado Democrático de Direito com incitação à violência e coação no curso do processo. É um caso emblemático, sempre lembrado quando se fala dos limites da imunidade parlamentar em tempos de “PEC da blindagem” e, também, de anistia ou indulto presidencial aos envolvidos nos atentados contra a democracia.

Um dia depois de ser condenado pelo STF, Silveira recebeu um indulto do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Em maio de 2023, a Corte concluiu que houve desvio de finalidade na concessão do benefício a um aliado político e anulou o perdão.

Seu caso também mostra a disposição da Justiça em manter-se vigilante em relação ao respeito a medidas cautelares. Silveira chegou a obter a liberdade condicional em dezembro, mas voltou para a cadeia depois de descumpri-las. Não se deve ignorar isso, em momento de discussão no Parlamento de redução das penas dos envolvidos nos atos golpistas.

Tem mais. Em meio aos preparativos para a cerimônia, Moraes determinou a notificação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por edital sobre a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por coação à Justiça em sua atuação nos Estados Unidos. Para o ministro, o parlamentar estaria criando dificuldades para ser notificado para evitar eventual responsabilização judicial. Isolado, cada vez menos correligionários defendem o filho do ex-presidente.

Durante a posse, Fachin fez em seu discurso uma forte defesa da independência judicial. Tratou-a como condição republicana e destacou que um Judiciário submisso, ainda que ao populismo, perde credibilidade. Portanto, sublinhou, sua atuação exige contenção.

Em outro momento, prometeu alimentar o diálogo entre os Poderes. Mas, em uma palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso no início de agosto, em São Paulo, foi além.

Segundo ele, resgatar a história do processo político brasileiro ajuda a perceber que o país talvez não viva uma crise aguda da democracia, mas sim uma crise dos partidos políticos - momento que só começará a se atenuar com a consolidação do quadro partidário e a plena aplicação da cláusula de barreira, a partir de 2030.

Ao citar a doutrina clássica segundo a qual a liberdade depende da divisão entre Legislativo, Executivo e Judiciário, tendo cada Poder limitado por freios e contrapesos, o ministro argumentou que é possível considerar insuficiente essa formulação para as “democracias de partidos”. Ou seja, sistemas em que o poder efetivo não se distribui apenas entre órgãos estatais, mas segue linhas partidárias. E no caso do Brasil a complexidade é grande, pois o presidencialismo de coalizão criou uma fragmentação partidária que dissolve o modelo clássico de separação de Poderes.

Em seu lugar, prosseguiu, surgiu um tabuleiro de negociações partidárias que atravessa Executivo e Legislativo. Proteger a democracia exige evitar que uma força política, mesmo transitória, consiga cristalizar vantagens institucionais que impeçam a renovação democrática.

Ponderando que o STF não deve substituir a arena política, pois fazê-lo desloca o custo do conflito do espaço partidário para o Judiciário e corrói a legitimidade do sistema, ele acrescentou que também não se pode reforçar assimetrias partidárias duradouras. “O STF deve reconhecer que o risco democrático não está apenas na violação direta da Constituição, mas também na cristalização de arranjos partidários que bloqueiem o funcionamento plural da política”, pontuou. “Pensar a separação de Poderes como separação de partidos permite ao Supremo se perceber não como vanguarda permanente da política, mas como garantidor do espaço em que a política pode se renovar.”

Não se falou na posse dos processos envolvendo as emendas parlamentares ao Orçamento. Mas esse dia chegará em breve. Parafraseando uma expressão de Fachin, pode-se dizer que as emendas mostraram nas últimas eleições municipais que são exatamente instrumentos capazes de cristalizar vantagens institucionais que dificultam a renovação democrática.

 

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