quarta-feira, 1 de outubro de 2025

O país precisa de uma direita republicana. Por Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Há direita republicana com regras, freios e responsabilidade

Conservador pode escolher ordem com garantias, não exceção iliberal

Há duas forças interessadas em borrar a distinção entre direita republicana e extrema direita: a própria extrema direita e setores da esquerda radical. A primeira precisa convencer o eleitor de direita de que sua única alternativa política real é uma plataforma iliberal. A segunda prefere reduzir tudo à sua direita a um rótulo único —"fascismo"— porque isso simplifica o conflito, rende mobilização moral e dispensa distinguir adversários legítimos de inimigos da democracia.

Ao país, porém, essa diferença faz falta: sem direita republicana reconhecida, cresce o espaço para aventuras iliberais.

Também importa separar movimento e eleitorado. Bolsonarismo e trumpismo designam um pacote de crenças e atitudes: personalismo do "homem forte", antipluralismo, punitivismo seletivo, guerra cultural como eixo, tolerância a teorias conspiratórias e, em casos-limite, licença para a violência.

Eleitor de Bolsonaro ou Trump é quem, em determinada conjuntura, optou por essa candidatura por razões diversas: rejeição à alternativa, pauta (segurança, costumes, impostos), voto econômico, voto antipetista/antidemocrata de baixa intensidade, baixa informação. Confundir eleitor com movimento é receita para perder a conversa com milhões de conservadores dispostos a jogar dentro das regras.

Distinguir, entretanto, é necessário. A direita republicana aceita o jogo democrático, a alternância e o controle recíproco entre Poderes. Negocia duro, mas reconhece derrotas, respeita decisões de tribunais e protege direitos de minorias impopulares —inclusive quando discorda delas. A extrema direita relativiza essas âncoras: trata derrotas como fraude, defende "expurgos" institucionais, confunde opositor com inimigo, condiciona direitos e naturaliza a intimidação.

Em face da autoridade, conservadores democratas submetem-se a autoridades impessoais —Constituição, regras eleitorais, tribunais. Extremistas pedem obediência cega e personalista ao líder. A direita republicana fala em lei e ordem, mas com devido processo, proporcionalidade e padrões universais, enquanto a extrema direita abraça o punitivismo seletivo: dureza exemplar para "inimigos", complacência com aliados. Conservadores preferem certos valores, mas convivem com pluralismo e não transformam costumes em ortodoxia estatal; extremistas querem impor uma moral única por currículo, censura e punição.

Há ainda um elemento: o oposicionismo identitário (ou programa por negação). Em vez de formular posições próprias, como faz a direita tradicional, a extrema direita inverte automaticamente o que identifica como bandeiras da esquerda ou dos liberais: se eles defendem ciência, vacina, universidade, política social, laicidade e cultura, nós exibimos rejeição performática e radical a tudo isso. Não é crítica substantiva, é sinalização tribal. O militante nem precisa entender por que agora é contra vacinas, urnas eletrônicas e separação de Poderes; apenas segue o grupo e sabe que não pode conceder nada ao "outro lado".

Por que insistir nisso agora? Porque parte do eleitorado que rejeita a esquerda tem sido enganada: gente como Tarcísio de Freitas ou Zema vende a ideia de que a única direita disponível é a extrema direita. Não é verdade. Existe uma direita republicana —liberal, conservadora ou mista— que valoriza estabilidade institucional, responsabilidade fiscal, ordem pública com garantias, liberdade de expressão para todos e políticas sociais avaliadas por evidência e custo-benefício. O eleitor não precisa aderir ao pacote iliberal para afirmar preferências conservadoras ou de direita.

Quem ganha quando essa distinção volta a valer? A democracia, que recupera competição entre alternativas legítimas sem plebiscitos morais permanentes, sem votos que existem apenas para impedir a vitória do outro lado. O país, que troca paralisia e "jogo duro" destrutivo por barganha responsável e correção de rumos. E até a esquerda, que deixa de plebiscitar a política contra espantalhos e volta a disputar projeto, resultados e alianças no centro ampliado. Reconhecer a direita republicana como parte do pluralismo não dilui convicções progressistas; apenas restabelece o terreno comum onde se perde e se ganha dentro das regras.

Critique o "ismo"; convide o eleitor. Se voltarmos a tratar conservadores como adversários legítimos —e se eles aceitarem os limites do jogo—, isolamos a extrema direita onde deveria estar: fora do comando das regras, sob vigilância das instituições e em minoria política, quando a sociedade assim o decidir.

 

Nenhum comentário: