Folha de S. Paulo
Um acordo bem-sucedido com os EUA aumentaria
a confusão nas direitas extremas
Governo do Brasil vai negociar mais do que crise comercial e ataques políticos
Um encontro bem-sucedido entre Luiz
Inácio Lula da
Silva e Donald Trump causaria
novos embaraços para as direitas, pelo menos para a extrema direita e para
bolsonaristas em geral.
Decerto as redes bolsonaristas parecem capazes de engolir quase qualquer ficção —Jair Bolsonaro lá aparece como defensor da vida e da família. Mas seria difícil elaborar o insucesso da vassalagem de Trump e do MAGA, a reviravolta em tese simpática a Lula e o fracasso da conspiração dos Bolsonaro e sua bandeira americana na avenida Paulista.
Uma definição de "bem-sucedido"
poderia ser um acordo em que o Brasil não cedesse anéis e dedos. Mas
facilidades de investimentos em minerais críticos e data centers ou benefícios
para "big techs" talvez não sejam suficientes para Trump, um butim.
Seria também um sucesso atenuar ameaças de
sanção financeira (contra bancos, mais grave do que "tarifaço").
Seria interessante um armistício suficiente para conter a campanha do Departamento
de Estado (de Marco Rubio), de alas extremistas do governo e do MAGA contra
este governo (contra esquerdas), coisa que vai além de Trump.
Em resumo, mesmo que Lula seja capaz de
afastar ameaças diretas e imediatas, o Brasil ainda terá de lidar com as
consequências do trumpismo —o combate a qualquer ordem baseada em regras
pactuadas.
O sucesso da diplomacia, importante para a
conjuntura política brasileira, não é independente do projeto de Trump de
destruir a república americana e o resto de ordem global. Nesta terça, disse
aos generais americanos que as tropas do império, até aqui
constitucionais, têm de ser
uma guarda imperial, fiel e dedicada a fazer as vontades do imperador até
dentro de Roma (intervenções em cidades democratas seriam
campos de treinamento militar).
Além disso, Trump arruína possibilidades já
mínimas de avanço de planos civilizatórios pelo mundo, que dependem de
cooperação internacional.
Trump apoia extremas direitas de vários
países contra as democracias, estimulando a eleição de nacionalismos
autoritários. Sabota acordos do clima e sanitários; talvez sabote o acordo
tácito pelo qual o mundo financia o excesso de consumo americano, público e
privado.
Ora não há hipótese de conversa sobre
tributação de ricos e sobre evasão fiscal de megacorporações, como se esboçava
mui timidamente até o ano passado.
Sob Trump, os EUA agem como império sem
freios, que ignora o "multilateralismo" ou quaisquer consultas
formais organizadas na decisão do que será feito de territórios estrangeiros.
Vide o acordo que pretendeu fazer com a Ucrânia e o que quer
fazer com a Palestina.
Não quer dizer que o plano vá dar certo, que
não possa haver resistência nos EUA, quem sabe contrapressão internacional, no
futuro. Mas tudo isso dá o que pensar nos acordos que o Brasil pode fechar com
os EUA e sobre as ameaças econômicas e políticas que pesam sobre o mundo
inteiro. Vide o que já ocorre com os "acordos" de extração imperial
que Trump tem fechado, à base de porretes tarifários e ameaça de corte de
auxílio militar.
Isto é, contratos preferenciais de extração e
fornecimento de minerais estratégicos, exigências de investimento nos EUA,
direcionamento de investimentos e restrições a relacionamentos comerciais (por
meio de sanções diretas ou pressões sobre empresas americanas).
Lula não vai negociar apenas o caso do
Brasil. Vai lidar contra o grande ataque ao pouco que havia de ordem mundial
civilizada.
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