quarta-feira, 1 de outubro de 2025

O que Lula pode tirar de Trump neste mundo de império americano sem freio. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Um acordo bem-sucedido com os EUA aumentaria a confusão nas direitas extremas

Governo do Brasil vai negociar mais do que crise comercial e ataques políticos

Um encontro bem-sucedido entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump causaria novos embaraços para as direitas, pelo menos para a extrema direita e para bolsonaristas em geral.

Decerto as redes bolsonaristas parecem capazes de engolir quase qualquer ficção —Jair Bolsonaro lá aparece como defensor da vida e da família. Mas seria difícil elaborar o insucesso da vassalagem de Trump e do MAGA, a reviravolta em tese simpática a Lula e o fracasso da conspiração dos Bolsonaro e sua bandeira americana na avenida Paulista.

Uma definição de "bem-sucedido" poderia ser um acordo em que o Brasil não cedesse anéis e dedos. Mas facilidades de investimentos em minerais críticos e data centers ou benefícios para "big techs" talvez não sejam suficientes para Trump, um butim.

Seria também um sucesso atenuar ameaças de sanção financeira (contra bancos, mais grave do que "tarifaço"). Seria interessante um armistício suficiente para conter a campanha do Departamento de Estado (de Marco Rubio), de alas extremistas do governo e do MAGA contra este governo (contra esquerdas), coisa que vai além de Trump.

Em resumo, mesmo que Lula seja capaz de afastar ameaças diretas e imediatas, o Brasil ainda terá de lidar com as consequências do trumpismo —o combate a qualquer ordem baseada em regras pactuadas.

O sucesso da diplomacia, importante para a conjuntura política brasileira, não é independente do projeto de Trump de destruir a república americana e o resto de ordem global. Nesta terça, disse aos generais americanos que as tropas do império, até aqui constitucionais, têm de ser uma guarda imperial, fiel e dedicada a fazer as vontades do imperador até dentro de Roma (intervenções em cidades democratas seriam campos de treinamento militar).

Além disso, Trump arruína possibilidades já mínimas de avanço de planos civilizatórios pelo mundo, que dependem de cooperação internacional.

Trump apoia extremas direitas de vários países contra as democracias, estimulando a eleição de nacionalismos autoritários. Sabota acordos do clima e sanitários; talvez sabote o acordo tácito pelo qual o mundo financia o excesso de consumo americano, público e privado.

Ora não há hipótese de conversa sobre tributação de ricos e sobre evasão fiscal de megacorporações, como se esboçava mui timidamente até o ano passado.

Sob Trump, os EUA agem como império sem freios, que ignora o "multilateralismo" ou quaisquer consultas formais organizadas na decisão do que será feito de territórios estrangeiros. Vide o acordo que pretendeu fazer com a Ucrânia e o que quer fazer com a Palestina.

Não quer dizer que o plano vá dar certo, que não possa haver resistência nos EUA, quem sabe contrapressão internacional, no futuro. Mas tudo isso dá o que pensar nos acordos que o Brasil pode fechar com os EUA e sobre as ameaças econômicas e políticas que pesam sobre o mundo inteiro. Vide o que já ocorre com os "acordos" de extração imperial que Trump tem fechado, à base de porretes tarifários e ameaça de corte de auxílio militar.

Isto é, contratos preferenciais de extração e fornecimento de minerais estratégicos, exigências de investimento nos EUA, direcionamento de investimentos e restrições a relacionamentos comerciais (por meio de sanções diretas ou pressões sobre empresas americanas).

Lula não vai negociar apenas o caso do Brasil. Vai lidar contra o grande ataque ao pouco que havia de ordem mundial civilizada.

 

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