quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Suprema precarização. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Tribunal decidirá se motoristas e entregadores têm vínculo trabalhista com plataformas

Ao assumir a presidência do Supremo, o ministro Edson Fachin afirmou duas vezes que o Judiciário deve proteger o direito ao “trabalho decente”. Hoje o discurso será submetido ao primeiro teste prático.

Fachin escolheu iniciar sua gestão com o julgamento de recursos apresentados pelas empresas Uber e Rappi. As plataformas querem derrubar decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram vínculo com motoristas e entregadores. Os casos terão repercussão geral — ou seja, a decisão do Supremo valerá para todos os processos que discutem a chamada uberização no país.

Segundo o Banco Central, 2,1 milhões de brasileiros ganham a vida como trabalhadores de aplicativos. O número saltou 170% em uma década, impulsionado pela evolução tecnológica e pela pandemia. Esses profissionais não têm remuneração mínima, seguro contra acidentes ou horário de descanso. Passam dias e noites na rua, sem local fixo para ir ao banheiro e fazer refeições.

As plataformas se eximem de culpa pela precarização. Alegam ser empresas de tecnologia, não de transporte. E tratam os motoristas como “parceiros” livres para escolher quando e onde atuar. “O algoritmo controla a geolocalização, a jornada de trabalho e a remuneração dos trabalhadores. Eles não são autônomos, são subordinados”, contesta o professor Ricardo Festi, da Universidade de Brasília.

“O que pedimos ao Supremo é a garantia de direitos básicos”, diz o entregador Abel Santos, da Associação dos Trabalhadores por Aplicativos do DF. Ele admite que grande parte dos colegas comprou o discurso das empresas contra a CLT. “Muitos acham que viraram empreendedores, patrões de si mesmos. É uma grande ilusão”, critica.

Ontem a Procuradoria-Geral da República apresentou parecer favorável às plataformas. Alegou que a Justiça do Trabalho teria ofendido o princípio da livre-iniciativa. “A União Europeia mandou as empresas reconhecerem os motoristas como funcionários”, lembra o professor Rodrigo Carelli, da UFRJ. “Então não existe liberdade econômica na Europa?”, questiona.

 

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