quarta-feira, 1 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Capitulação do Hamas é chave em plano de Trump

Por O Globo

Ainda que proposta seja realista dadas as circunstâncias, é incerto como reagirá o grupo terrorista

O plano de 20 pontos para acabar com a guerra em Gaza apresentado na Casa Branca pelo presidente americano, Donald Trump, ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, representa um avanço inegável. É certo que, no detalhe, desperta dúvidas sobre viabilidade e implementação. Também é verdade que nenhum dos envolvidos no conflito sairá plenamente satisfeito com os termos. Mas trata-se de uma proposta realista dentro das circunstâncias, cujos maiores benefícios imediatos seriam a libertação dos reféns israelenses e o alívio para a população palestina. Inspirada em ideias do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, ela expõe as dificuldades que cercam a solução duradoura do conflito, mas ao mesmo tempo traz esperança.

É preciso louvar que nenhuma das ideias estapafúrdias atribuídas anteriormente a Trump ou a Netanyahu tenham prosperado. Não há remoção da população palestina nem limpeza étnica para erguer uma “Riviera”. Não há anexação de Gaza por Israel. Ao contrário, o plano prevê a retirada gradual das tropas israelenses, troca de reféns por prisioneiros, anistia a integrantes do grupo terrorista Hamas que depuserem armas, uma força internacional para cuidar da segurança e da reconstrução, além de uma governança técnica para restaurar serviços essenciais, subordinada a um conselho comandado por Trump. Abrangente e ambiciosa, a proposta reuniu apoio de países árabes, de europeus que acabam de reconhecer a Palestina, de Israel e mesmo de palestinos em Gaza. A maior dúvida está no fator crítico para seu êxito: a reação do Hamas. Trump deu prazo de três a quatro dias para resposta.

O plano impõe a capitulação do Hamas e de outros grupos terroristas, com entrega imediata de reféns, de armas e renúncia a exercer qualquer papel no futuro governo de Gaza. É uma condição essencial para pacificação. Mas é no mínimo incerto que tais termos sejam aceitos por uma organização terrorista imbricada na sociedade local, que transformou o território num emaranhado de túneis e arsenais até em escolas e hospitais e que, mesmo tendo perdido seus principais líderes, tem resistido à avalanche de bombardeios, à devastação e ao morticínio provocados pelo Exército israelense. Caso o Hamas recuse a proposta, Netanyahu obteve de Trump carta branca para prosseguir em sua campanha militar inclemente.

Mas, ainda que os terroristas concordem em soltar os reféns e depor as armas, a paz duradoura — com os Estados de Israel e da Palestina convivendo lado a lado — continuaria distante. Depois de declarar ao plenário esvaziado da ONU que seria loucura “dar um Estado aos palestinos”, Netanyahu aceitou, mediante várias condicionantes, que “as condições poderão finalmente estar reunidas para um caminho confiável para a autodeterminação e a criação de um Estado palestino, que reconhecemos como aspiração do povo palestino”. Diante da pressão de países árabes sobre Washington, também pediu desculpas ao Catar pelo ataque a líderes do Hamas abrigados no país.

Expoentes da ultradireita que integram seu governo, contudo, continuam a defender a ocupação total de Gaza e Cisjordânia. A maioria dos israelenses e dos palestinos é hoje contrária à ideia dos dois Estados. Se der certo, portanto, o plano de Trump terá o mérito de pôr fim à guerra em curso. Mas o avanço concreto só virá com uma solução duradoura.

Sucateamento de agências reguladoras exige atenção especial do governo

Por O Globo

Sete de 11 organismos responsáveis por fiscalizar serviços terão em 2026 menos verba do que há dez anos

O sucateamento das agências reguladoras é preocupante. Todas receberão neste ano menos do que recebiam em 2016, em valores corrigidos pela inflação, revelou reportagem do GLOBO. De acordo com o orçamento aprovado para 2026, sete das 11 continuarão na mesma situação no ano que vem. Enquanto as folhas salariais e demandas da sociedade aumentam, organismos regulatórios essenciais para a fiscalização da qualidade dos serviços públicos são estrangulados com verbas insuficientes.

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) teve de interromper por vários dias o monitoramento da qualidade dos combustíveis. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ficou momentaneamente sem a possibilidade de agendar exames teóricos de habilitação para pilotos e mecânicos. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) demitiu funcionários e interrompeu serviços de fiscalização. O momento não poderia ser pior. O crime organizado tem sido contumaz na venda de combustível adulterado. A demanda por transporte aéreo cresce. Eventos climáticos seguidos de apagão demonstram o descaso das empresas de distribuição de energia.

Não há como negar a gravidade da crise fiscal. A dívida pública só faz crescer. Representava 71,7% do PIB quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2023 e não será surpresa se romper a barreira de 80% até a posse do próximo presidente em 2027. Mas o governo resiste a adotar medidas estruturais de controle de gastos e, em vez disso, para cumprir metas fiscais, prefere compensar o crescimento das despesas via aumento de receitas e sufoca as agências independentes.

Criadas durante a década de 1990 na reforma do Estado promovida por Fernando Henrique Cardoso, elas têm papel insubstituível. Sua atribuição é essencialmente técnica: regular os mercados e zelar pela qualidade dos serviços, evitando abusos do setor privado e ingerência política do Executivo. Com mandato fixo e não coincidente com o calendário eleitoral, seus diretores trabalham de forma autônoma graças à estabilidade das regras, dando atenção especial ao interesse dos consumidores. Elas também protegem os investidores por garantir ambiente de negócios previsível e seguro. Contratos de longo prazo envolvendo cifras bilionárias não podem ficar à mercê do humor de quem é eleito a cada quatro anos.

Dado o histórico de sucateamento, o presidente da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar), Vinícius Benevides, tem feito pressão por autonomia financeira. Dos R$ 179 bilhões arrecadados pelos órgãos reguladores entre 2010 e 2022, apenas R$ 75 bilhões voltaram a seus orçamentos. Em julho, Benevides entregou ao vice-presidente Geraldo Alckmin um documento com demandas assinado por 80 instituições. “Sei o que os governos passam, chegou já no limite do limite. Está na hora de as agências terem mais autonomia”, disse ao GLOBO. O assunto merece atenção do governo. O país só tem a perder se as agências continuarem na penúria, incapazes de exercer suas funções a contento.

A dura tarefa de rever privilégios tributários

Por Folha de S. Paulo

Projeto do governo que reduz benefícios deixa de fora mais de 80% deles; subsídios contam com lobbies

O sistema tributário precisa de reforma em nome da justiça e da eficiência, não para tapar rombo no Orçamento gerado por gasto excessivo

É meritória a tentativa do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de reduzir o exorbitante volume de incentivos fiscais federais por meio de um corte linear de 10% em rubricas que oneram o Orçamento.

No entanto mostra-se escassa a disposição de rever benesses de que gozam setores politicamente influentes, seja por dificuldades políticas, seja por falta de convicção por parte da própria administração petista.

Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, nada menos que 82,5% do valor total de R$ 544,4 bilhões (cerca de 5% do PIB) em subsídios tributários anuais a pessoas físicas, empresas e regiões, devem ficar fora do projeto a cargo do líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE). O montante equivale a R$ 449,3 bilhões.

Esses benefícios, não raro mal concedidos e sem critérios rigorosos de avaliação, florescem graças à prevalência de interesses particulares nas deliberações do Congresso Nacional. Lobistas de setores específicos, aliados a bancadas regionais e por vezes ao governo, transformam o Legislativo em um balcão de negociações onde o bem público é sacrificado.

O projeto deve poupar integralmente os maiores dispêndios tributários, entre eles benesses para pessoas físicas e Microempreendedores Individuais (MEIs), no valor de R$ 126,7 bilhões, Simples Nacional (R$ 121 bilhões), setor agropecuário (R$ 83 bilhões) e entidades sem fins lucrativos (R$ 48,1 bilhões), além da Zona Franca de Manaus (ZFM), que consome quase R$ 30 bilhões.

Em parte dos casos, as mudanças dependeriam de emenda constitucional, de aprovação mais difícil no Congresso.

O corte de 10% na fatia remanescente poderia, em tese, gerar arrecadação extra de R$ 9,5 bilhões —melhor do que nada, mas muito longe do necessário para tornar a tributação nacional menos iníqua. Uma revisão ampla de benefícios, idealmente, deveria abrir caminho para reduzir os impostos excessivos sobre a produção e o consumo, que oneram sobretudo os mais pobres.

Subsídios contam com apoios ferozes e tendem a se eternizar. O Simples e o MEI, concebidos para fomentar o empreendedorismo, foram expandidos sem evidências confiáveis de eficácia. Já a ZFM, que deveria ser provisória, distorce o mercado nacional desde os anos 1960.

Diante dos obstáculos, o governo também propõe elevar a tributação das empresas no regime de lucro presumido, algo que poderia gerar arrecadação adicional de até R$ 10 bilhões em 2026.

Muitas empresas nesse regime, de fato, não passam de veículos para prestação de serviços por profissionais liberais que pagam menos impostos em relação a assalariados. Mesmo assim, a medida seria uma gambiarra.

O sistema tributário precisa de reformas em nome da justiça e da eficiência —não para gerar receitas ocasionais destinadas a tapar rombos no Orçamento provocados por gastos em excesso.

Ultrapassagem perigosa

Por Folha de S. Paulo

Pesquisa mostra que 43% dos motociclistas não respeitam os limites de velocidade na cidade de São Paulo

É preciso modernizar radares, redesenhar mobilidade urbana e reduzir limites em vias expressas, mesmo que medida seja impopular

Entre 2019 e 2025, o número de motocicletas licenciadas no Brasil passou de 23 milhões para 29 milhões. Essa expansão foi impulsionada pelo trabalho de entregas por aplicativos e pelo uso do veículo como alternativa a sistemas de transporte público precários.

Tal fenômeno exige maior atenção do poder público para minimizar riscos no trânsito, já que acidentes com motos apresentam alto nível de letalidade.

No estado de São Paulo, o número de mortes envolvendo motos subiu de 1.259 entre janeiro e junho de 2024 para 1.329 nos seis primeiros meses de 2025 —recorde da série histórica do sistema estadual de monitoramento Infosiga, iniciada em 2015.

Já em sinistros com carros e pedestres, houve queda de 675 a 612 e de 700 a 659, respectivamente. Na capital, o número de óbitos também diminuiu nos casos com motos, de 237 para 219.

Mas pesquisa da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, em parceria com a USP mostra que as autoridades paulistanas ainda precisam melhorar a fiscalização de velocidade dos motociclistas.

A partir de 83.880 observações em vias aleatórias no ano passado, verificou-se que 43% das motos ultrapassaram os limites estabelecidos. Em 2021, início do estudo, foram 33%, com alta para 39% em 2022 e leve queda de 1 ponto percentual em 2023.

Entre veículos leves (carros e utilitários), a taxa de infrações foi bem menor, mas também subiu, de 9% em 2021 para 15% em 2024.

Especialistas apontam dificuldades na fiscalização da velocidade das motocicletas, que, por serem muito leves, podem não ser captadas por sensores no asfalto. Ademais, esse tipo de veículo possui apenas placa traseira, o que impede a captura de imagem por barreiras eletrônicas que realizam registro frontal.

Além de modernizar radares, é preciso reforçar a fiscalização por agentes; mudanças urbanísticas, como estreitamento de vias e sinalizações chamativas, podem induzir a redução da velocidade.

A capital alcançou bons resultados com a faixa azul, que já foi replicada em outras cidades, assim como com a redução dos limites de velocidade nas marginais em 2015, que contribuiu para diminuir em 15% o número de mortes no ano seguinte. A medida, impopular, foi revertida em 2017, mas esse tipo de restrição tem sido usada em metrópoles desenvolvidas como Londres e Paris.

Mesmo assim, na última eleição municipal, tanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB) quanto seu oponente, Guilherme Boulos (PSOL), rejeitaram essa política pública capaz de salvar vidas.

Exceções em profusão desfiguram regime fiscal

Por Valor Econômico

Além das exceções para despesas que não seriam contabilizadas no limite de gastos, o governo estabeleceu regras que geraram a implosão prática do regime fiscal

O regime fiscal instituído em 2023 chegará ao fim do governo Lula sem cumprir suas promessas — estabilizar ao longo do tempo a dívida pública — e corroído por exceções a suas regras que o desfiguraram progressivamente. Recentemente, o Tribunal de Contas de União (TCU) questionou uma fragilidade conhecida do arcabouço: o governo usa o piso da banda de tolerância (0,25% do PIB) para determinar ajustes via contingenciamento e bloqueios, quando o parâmetro de referência deveria ser a meta central, que neste ano é de déficit zero. A meta não será cumprida: no relatório de receitas e despesas do quarto bimestre se prevê um déficit de R$ 30,19 bilhões.

O regime fiscal foi mais generoso com os gastos, garantindo-lhes expansão mínima de 0,6% e máxima de 2,5% acima da inflação. Para fazer com que as despesas atinjam o teto permitido, é preciso que as receitas cresçam sempre. O fato de que isso não é possível, como demonstrado pela resistência crescente do Congresso ao aumento da tributação, levou o governo, com ajuda do mesmo Congresso ou do Judiciário, a abrir progressivamente exceções para despesas que não seriam contabilizadas no limite de gastos. Há 19 delas, segundo relatório de consultores do Orçamento da Câmara dos Deputados, criadas seja por determinação do Judiciário, seja por leis e emendas constitucionais aprovadas e pela criação de fundos privados (Valor, 20-9). Dessas exceções, 6 ainda estão em tramitação.

Além das exceções, o governo estabeleceu regras que geraram a implosão prática do regime fiscal. A correção real do salário mínimo e a vinculação à receita corrente de gastos de saúde e educação elevaram de tal forma essas despesas obrigatórias que a margem progressiva de manejo discricionário de recursos pelo governo tende a zero. A perspectiva de paralisia da máquina pública se concretizaria em 2027, se não fosse aprovada a regra de volta dos precatórios ao teto de gastos à lenta cadência de 10% ao ano — outra manobra.

Logo na segunda revisão bimestral o governo eliminou os R$ 20,7 bilhões em contingenciamentos, e deixou claro na revisão do quarto trimestre que buscava o piso da meta de R$ 30,97 bilhões, ao colocar como provável o déficit de R$ 30,19 bilhões no ano. Se a previsão se confirmar, o déficit real será de R$ 76,2 bilhões — R$ 45,3 bilhões estão excluídos da meta — ainda que o objetivo de déficit zero seja dado por cumprido. O estratagema chamou a atenção do TCU, que, além disso, apontou que algumas despesas excluídas não precisariam ser assim e não causariam grandes problemas para a execução orçamentária. Mas teriam de deslocar outros gastos, para dissabor do governo.

O crescimento da economia de 3% por três anos seguidos fez as receitas baterem recordes e os gastos avançarem, de forma que o endividamento bruto desse um salto de 6 pontos do PIB em dois anos e meio do governo Lula. Na meta original do novo regime, a dívida bruta subiria no início para se estabilizar logo em 2026. O governo teria um superávit primário de 0,5% do PIB como meta já em 2025 e outro de 1% do PIB em 2026. O dinheiro economizado cobriria parte da carga de juros, melhorando o déficit nominal e a dívida bruta. Mas a regra foi mudada poucos meses depois para adquirir a configuração atual, em que o presidente Lula encerrará seu mandato em 2026 sem a obrigação de produzir qualquer superávit.

Os resultados de agosto do Tesouro, que consideram o governo central, e os do Banco Central (BC), que incluem estatais e governos regionais, mostram redução do déficit. No do BC, a queda em 12 meses é de 28%, para R$ 61,8 bilhões. No do Tesouro, a queda nominal é de 12,5%, para R$ 86 bilhões. A diferença se deve ao superávit dos governos regionais, diferente dos critérios do Tesouro. Nos 12 meses encerrados em agosto, o déficit primário foi de 0,19% do PIB, ante 0,22% do PIB até julho. A dívida bruta ficou parada em 77,5% do PIB, ante 71,7% ao fim do governo Bolsonaro.

Não há muito segredo no resultado. As receitas tiveram aumento real de 3,9%, enquanto as despesas evoluíram 2,4%, quando no mesmo período do ano passado haviam subido 7,1%. Melhorar o produto fiscal depende de conter despesas, sem mágicas, mas o governo acredita que gastos públicos são o motor do crescimento e do aumento contínuo de receitas, esquecendo-se dos limites de expansão da economia, que foram ultrapassados, e da inflação, que está acima da meta desde 2024.

Com o piso de zero déficit em 2026, as dificuldades aumentam para se atingir a meta. A Instituição Fiscal Independente, do Senado, calcula ser necessário, além dos R$ 40,7 bilhões que dependem de projetos a serem aprovados no Congresso, um esforço adicional extra de obter R$ 79,3 bilhões em receitas, ou 0,55% do PIB. É um resultado difícil, mas não impossível de alcançar, em um ano de desaceleração da economia. Será preciso atenção redobrada nos gastos, mas é pouco provável que o governo, que esteve empenhado em gastar mais até agora, tenha um comportamento sóbrio em pleno ano eleitoral, com o presidente candidato à reeleição.

O exótico sr. Fachin

Por O Estado de S. Paulo

Ao prometer discrição e apego ao Direito, o novo presidente do STF não faz mais que sua obrigação, mas, nestes tempos em que ministros se esbaldam na mídia e na política, trata-se de algo pitoresco

O ministro Edson Fachin assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) sob o signo da austeridade institucional. Marcada por um entediante recato, como convinha, a própria cerimônia de posse refletiu a postura do chefe do Judiciário pelos próximos dois anos: um magistrado avesso a holofotes, entrevistas e convescotes com lobistas; um juiz que tem a decência de não emitir juízos fora dos limites de seu ofício. Em tempos de ministros pop stars, é compreensível que esse perfil destoe da imagem que parte expressiva da sociedade formou dos membros da Corte. Mas convém ressaltar: em termos republicanos, nada há de notável na discrição de Fachin. Comportar-se como ele é obrigação de qualquer juiz, da primeira à última instância.

Nos últimos anos, alguns ministros do STF tomaram gosto pelo protagonismo, inebriados pela fama. Decisões monocráticas de repercussão nacional, discursos públicos sobre temas alheios à função judicante e participação em eventos promovidos por empresários e clubes recreativos da magistratura – a pretexto de “discutir o Brasil” em Londres, Paris, Lisboa ou Nova York – tornaram-se banais, ao custo da degradação paulatina da reputação do STF. Como se isso não bastasse, parte dos ministros passou a se apresentar como espécie de guias morais da Nação, a “vanguarda iluminista” encarregada de “empurrar a História” e “recivilizar o Brasil”, como chegou a dizer o ministro Luís Roberto Barroso.

O próprio Barroso, aliás, ao transmitir o cargo a Fachin, deu mais uma mostra de como é difícil devolver o gênio da vaidade à lâmpada da autocontenção. O agora ex-presidente do STF quebrou o protocolo e, como se estivesse no palco entre um samba e outro, discursou em uma cerimônia que tinha outro protagonista. Pode parecer pouco, mas são gestos desse tipo que, por acúmulo, reforçam a percepção pública de que a Corte deixou de ser um tribunal colegiado que privilegia a discrição e a racionalidade para se tornar uma fogueira de vaidades que, não raro, queima reputações e chamusca a legitimidade de todo o Judiciário. O exemplo vem de cima, diz o vulgo. E o STF tem dado a entender que juízes podem ser estrelas inconsequentes.

Fachin pretende inverter esse rumo. Em seu discurso de posse, afirmou ser necessário “voltar-se ao básico”, destacando os compromissos de seu mandato: “Racionalidade, diálogo e discernimento”. Mais do que isso, o ministro lembrou qual deve ser a fronteira intransponível entre Poderes. “O nosso compromisso é com a Constituição”, disse Fachin. “Ao Direito o que é do Direito, à política o que é da política.” São palavras que soam como música aos ouvidos cansados da confusão proposital entre papéis e responsabilidades dos ministros do STF. O busílis é que, sozinhas, elas nada garantem.

A autoridade do Supremo não pode depender do perfil deste ou daquele presidente, como se o rumo da Corte como instituição estivesse condicionado aos atributos particulares de seus integrantes. A contenção não pode ser um traço de caráter individual, mas uma prática coletiva, enraizada no plenário. O exemplo de Fachin é obviamente positivo, como este jornal já destacou algumas vezes nesta mesma página, mas insuficiente: se seus pares continuarem a confundir Justiça com ação política e jurisdição com militância, a Corte continuará inexoravelmente a perder a confiança de milhões de seus jurisdicionados.

Essa queda da confiança da sociedade não se explica apenas pela campanha de difamação sistemática promovida pelo bolsonarismo contra o STF. De fato, Jair Bolsonaro e seus camisas pardas, todos desmoralizados com o ex-presidente condenado por golpe de Estado, viram no Supremo o principal anteparo a seu projeto autocrático. E é natural que autocratas, mesmo os fracassados, enxerguem um Judiciário forte e independente como um inimigo figadal.

Mas seria ingênuo creditar somente à ação nefasta dos golpistas o desgaste do Supremo perante a população. Pesquisa do PoderData divulgada há alguns meses mostrou que apenas 12% dos brasileiros avaliavam positivamente o desempenho da Corte. É evidente que todos os ministros têm responsabilidade por essa tragédia. Enquanto a consciência não for coletiva, continuará a haver um abismo entre dois Supremos: o de Fachin e o das ruas.

A hora da verdade para Gaza

Por O Estado de S. Paulo

O plano de Trump é o mais abrangente para superar a guerra, mas exigirá concessões e vontade política. Cabe ao Hamas provar que prioriza o bem-estar dos palestinos sobre seus delírios jihadistas

O plano do presidente americano Donald Trump para Gaza não é a solução definitiva para o conflito – longe disso –, mas, após dois anos de guerra, é o mais abrangente e concreto apresentado até agora. Mistura, com dureza pragmática, demandas práticas (cessar-fogo, troca de reféns, reconstrução) com um ultimato: se o Hamas recusar, priorizando seus delírios jihadistas em detrimento do bem-estar dos palestinos, Israel terá carta branca para “terminar o serviço”.

O roteiro prevê o cessar-fogo condicionado à devolução integral, em 72 horas, dos reféns israelenses em poder do Hamas, tendo como contrapartida a libertação, por Israel, de milhares de palestinos detidos. Prevê ainda o desarmamento do Hamas, a retirada do exército israelense, mantendo temporariamente um perímetro de segurança, a instalação de um comitê tecnocrático supervisionado por um “Conselho da Paz” internacional e a implantação de uma Força Internacional de Estabilização (ISF) com a participação de nações árabes, acompanhadas por um plano de reconstrução e incentivos econômicos. A promessa pública de não expulsar os palestinos e a oferta de zonas econômicas distinguem esse pacote de propostas anteriores.

Há razões concretas para levá-lo a sério. A sequência estabelecida – soltura dos reféns, desmilitarização, retirada e reconstrução – cria marcos verificáveis; o apoio declarado inédito de países árabes, dispostos inclusive a participar operacionalmente, fortalece a viabilidade; e a combinação de incentivos e pressão oferece alavancas que faltaram em acordos anteriores. Trump se colocou como fiador direto da implementação, assumindo custos para os EUA. Em suma: é uma janela de oportunidade real, não mera retórica.

Mas os obstáculos são igualmente palpáveis. A condição cardeal – que o Hamas entregue todos os reféns e se desarme – pode ser inaceitável para facções que veem as armas como sua essência e a destruição de Israel como objetivo de vida. A meta de 72 horas impõe desafios logísticos e de confiança ainda não resolvidos. A força de estabilização ainda está no papel; mandatos, contingentes e regras de engajamento precisam ser formalizados. A governança tecnocrática pode carecer de legitimidade popular e tornar-se alvo de resistência. E os extremistas que sustentam o governo do premiê Binyamin Netanyahu são uma evidente fonte de incerteza.

Mas convém reconhecer as concessões reais de Israel: libertar presos perigosos, anistiar os terroristas que se renderem, delegar parte da segurança a atores multilaterais, aceitar supervisão externa da reconstrução, renunciar à anexação de Gaza ou da Cisjordânia. Trump obrigou Netanyahu a pedir desculpas ao Catar por operações em seu território e a reconhecer – ainda que ambiguamente – a perspectiva de criação de um Estado palestino, condicionada a reformas verificáveis por parte da Autoridade Palestina.

Somando tudo, trata-se de um evidente passo adiante, que só não será reconhecido como tal por aqueles que se deixam levar pela antipatia por Trump e Netanyahu. A esse propósito, é espantoso que o Itamaraty ainda não tenha se pronunciado sobre o plano.

A hora da verdade exige empenho. Os interessados na paz – Estados árabes, Washington, União Europeia, mediadores regionais e lideranças palestinas moderadas – devem se engajar na cobrança enfática do desarmamento do Hamas e da entrega dos reféns, na constituição da Força Internacional de Estabilização e no financiamento da reconstrução de Gaza, assim como na reforma da Autoridade Palestina. Sem esses elementos, o plano continua um esboço.

Se esses compromissos forem assumidos e respeitados, abrir-se-á um caminho difícil mas real para cessar o calvário dos palestinos e começar a recuperar uma vida possível em Gaza. Se não, ficará claro quem – por fanatismo, política ou cinismo – preferiu a guerra à paz. A hora da verdade chegou: escolher a reconstrução – árdua, complexa e cheia de obstáculos – é aceitar correr riscos para, enfim, assentar as bases de um futuro melhor para os palestinos e para a região; escolher a recusa, pura e simples, é contratar uma tragédia ainda maior.

O fracasso foi um bom negócio

Por O Estado de S. Paulo

Gol e Azul desistem de compartilhar voos e enterram fusão. O consumidor agradece

Alguns negócios, quando não dão certo, são um verdadeiro presente para o consumidor. É possível afirmar, sem medo de errar, que esse é o caso da tentativa de fusão entre as companhias aéreas Gol e Azul, frustrada após a abertura do processo de recuperação judicial da Azul nos Estados Unidos. Ganham os consumidores brasileiros, que estavam prestes a ficar à mercê de um duopólio no transporte aéreo.

O mercado de aviação civil é extremamente concentrado, com três empresas dividindo 99,9% da oferta de voos domésticos, tendo a Latam na liderança, de acordo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em maio do ano passado, quando Gol e Azul anunciaram acordo de compartilhamento de voos (codeshare), os rumores sobre a preparação para a fusão ganharam força.

Na época, as empresas falavam em estratégia para melhorar a experiência dos passageiros, com aumento na oferta de destinos. Acordos do tipo permitem que o consumidor que compra passagem para a companhia A embarque na companhia B, mesmo sem aviso prévio. Mas um relatório elaborado em conjunto pelo Procon-SP e a USP em maio deste ano apontava riscos potenciais mais sérios com a fusão, como aumento das tarifas, redução de voos – em especial para cidades menores – e queda na qualidade dos serviços.

Nesse caso específico, chama a atenção o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ter demorado tanto a intervir. No início de setembro, quase 16 meses depois da assinatura do acordo de codeshare, o tribunal do Cade decidiu que o contrato deveria ser notificado ao órgão em até 30 dias. Mesmo não se tratando de fusão, o compartilhamento operacional traz riscos de coordenação entre as empresas, e por isso teria de ser submetido a análise concorrencial. Trata-se de alegação tão lógica e evidente que surpreende um acordo do tipo ter entrado em vigor sem consulta.

É possível que o prazo fixado pelo Cade tenha apressado a rescisão do acordo de codeshare. A negociação, que ambas as companhias confirmaram em janeiro, com a assinatura de um memorando de entendimentos, também foi cancelada. A causa apresentada para a dissolução é pouco esclarecedora, afinal, assim como a Azul, a Gol também passou por processo de recuperação judicial nos Estados Unidos, concluído em junho deste ano, levantando quase US$ 2 bilhões em financiamento. Mas o que importa em toda essa transação é que quem sai ganhando é o consumidor.

Nenhum mercado pode, sob qualquer pretexto, ficar isento de controle, avaliação de qualidade e observância das práticas concorrenciais, inclusive na formação de preços. Em que pesem as dificuldades do setor, como os altos custos de operação, escassez de mão de obra, impactos ambientais e eventos inesperados, como a epidemia de covid, que esvaziou aeroportos, o mercado de aviação tem crescido. Em 2024, a Anac registrou aumento de 5% no total de passageiros e de 1,5% nas decolagens, resultado próximo ao de 2019, antes da covid. Por certo as empresas estão aptas a buscar soluções que não penalizem os consumidores.

Crime organizado é pauta para as eleições

Por Correio Braziliense

Para 2026, as últimas semanas mostram que a ordem do dia precisa passar pelo enfrentamento ao crime organizado.

A cada eleição, a corrida política fica marcada por pautas específicas. Temas como o combate à corrupção, à pandemia e às fake news marcaram os pleitos mais recentes, por exemplo. Para 2026, as últimas semanas mostram que a ordem do dia precisa passar pelo enfrentamento ao crime organizado. 

O último tentáculo exposto do Primeiro Comando da Capital (PCC) mostra que a maior facção criminosa do país pode ter relação com a adulteração de bebidas alcoólicas antes da venda, a partir da mistura desses produtos com o metanol, um líquido incolor e altamente tóxico para o corpo humano, capaz de matar. Até então, um braço do crime organizado que boa parte da população desconhece.

Para além do inquérito aberto pela Polícia Federal na história do metanol; da execução do ex-delegado Ruy Fontes em Praia Grande (SP), em 15 de setembro; e da operação, no começo do mesmo mês, que revelou lavagem de dinheiro nas fintechs da Faria Lima; os fatos das últimas semanas escancaram um paradoxo lamentável: de um lado, estão facções criminosas extremamente organizadas e em plena ascensão, com atuações em mercados diversificados; de outro, um Estado inoperante e falho para representar e proteger a população, ainda que amparado pela Constituição.

Ficam três perguntas principais diante das repercussões dos últimos dias. Como frear o crime organizado diante da complexidade e do poder que o envolve? Com a anuência de quem essas pessoas conseguiram tamanho espaço no poder decisório do país, tendo a ousadia de até mesmo executar um ex-delegado-geral em uma rua movimentada do litoral paulista? Por último e não menos importante: se as facções criminosas estão no mercado financeiro, no tráfico de drogas e de armas, nos postos de combustíveis e, talvez, até mesmo no comércio de bebidas alcoólicas, onde mais atuam?

São perguntas importantes que precisam ser respondidas por quem pretende concorrer nas eleições de 2026. Se a segurança pública depende cada vez mais dos estados, os governadores, administradores das polícias Civil, Militar e Penal, além do Corpo de Bombeiros, precisam apresentar políticas públicas eficientes nessa área, capazes de dar alguma saída para a população desprotegida. 

É preciso pensar, sobretudo, em uma solução para o enorme deficit do sistema carcerário, as divisões de base das facções criminosas. Lá, jovens, principalmente pretos e pardos, entram como traficantes de buchas de maconha e ladrões de celular e saem assaltantes de banco e narcotraficantes.

Aqui, não deve se eximir também a responsabilidade do governo federal e do Congresso Nacional. É necessário lembrar que boa parte da atuação do crime organizado é internacional — portanto, de responsabilidade, sobretudo, da Polícia Federal e da articulação diplomática. 

Com menos ou mais responsabilidade de cada fatia do poder público, o certo é que o enfrentamento ao crime organizado exige uma união de diferentes atores, inclusive da sociedade em sua capacidade de pressão. É preciso se organizar, como as facções já têm feito há anos e anos.

Sindiônibus ameaça com mais cortes de linhas

Por O Povo (CE)

A Prefeitura deveria pedir à Justiça para determinar que os ônibus voltem a circular, negociando, se for o caso, com a frota completa rodando. Aceitar chantagem é impróprio em ambiente democrático

É injustificável, sob qualquer ângulo que se analise, a medida unilateral tomada pelo Sindiônibus (sindicato que representa as empresas de transporte coletivo urbano) ao cortar da noite para o dia 25 linhas de ônibus em Fortaleza. Para completar o malfeito, também foi reduzido o número de coletivos em 29 trajetos.

As empresas não se deram ao trabalho de, ao menos, emitirem um aviso com antecedência, demonstrando completo desprezo pela população fortalezense que depende do transporte coletivo.

Milhares de passageiros foram surpreendidos quando se dirigiam ao trabalho, pois não conseguiam localizar as linhas às quais estavam habituados. O sofrimento na madrugada de segunda-feira levou à busca desesperada por linhas alternativas, com os ônibus ficando ainda mais lotados; pessoas sem saber para onde se dirigir ou a quem recorrer — chegando atrasadas ao trabalho.

Para completar, a medida foi tomada pelas empresas concessionárias de forma arbitrária, surpreendendo também a Empresa de Transporte Urbano do Município (Etufor), que emitiu uma nota afirmando não ter sido avisada da suspensão das linhas.

O presidente do Sindiônibus, Dimas Barreira, alega que o corte foi necessário para "equilibrar as finanças", por isso, não teria mais como manter as rotas. Reclama também que os subsídios pagos pela Prefeitura são insuficientes para manter todos os trajetos.

Entretanto, as empresas não podem romper o contrato de concessão de maneira abrupta, como fizeram, sem considerar as pessoas que dependem do transporte coletivo.

Se ainda não fosse o bastante, Dimas Barreira ameaçou cortar mais linhas, "caso a negociação do subsídio não ande", segundo declarou a este jornal. É inaceitável que o Sindiônibus ponha uma faca no pescoço da Prefeitura e depois fale em "negociar", em uma paródia do estilo Donald Trump.

É de se lembrar não ser esta a primeira vez que o Sindiônibus trata o fortalezense com falta de urbanidade, ou melhor, de humanidade.

Durante muito tempo os passageiros foram humilhados com as chamadas "catracas duplas" ou "elevadas", que provocavam grande constrangimento em pessoas com mobilidade reduzida, gestantes, passageiros usando mochilas ou sacolas, que tinham dificuldade em ultrapassar a barreira. Os entraves foram retirados depois da extensa repercussão negativa que o caso obteve.

Quanto à situação atual, a Prefeitura deveria pedir à Justiça para determinar que os ônibus voltem a circular, negociando, se for o caso, com a frota completa rodando. Aceitar chantagem é impróprio em ambiente democrático.


 

 

 

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