Capitulação do Hamas é chave em plano de Trump
Por O Globo
Ainda que proposta seja realista dadas as
circunstâncias, é incerto como reagirá o grupo terrorista
O plano de 20 pontos para acabar com a guerra em Gaza apresentado na Casa Branca pelo presidente americano, Donald Trump, ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, representa um avanço inegável. É certo que, no detalhe, desperta dúvidas sobre viabilidade e implementação. Também é verdade que nenhum dos envolvidos no conflito sairá plenamente satisfeito com os termos. Mas trata-se de uma proposta realista dentro das circunstâncias, cujos maiores benefícios imediatos seriam a libertação dos reféns israelenses e o alívio para a população palestina. Inspirada em ideias do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, ela expõe as dificuldades que cercam a solução duradoura do conflito, mas ao mesmo tempo traz esperança.
É preciso louvar que nenhuma das ideias
estapafúrdias atribuídas anteriormente a Trump ou a Netanyahu tenham
prosperado. Não há remoção da população palestina nem limpeza étnica para
erguer uma “Riviera”. Não há anexação de Gaza por Israel. Ao contrário, o plano
prevê a retirada gradual das tropas israelenses, troca de reféns por
prisioneiros, anistia a integrantes do grupo terrorista Hamas que depuserem
armas, uma força internacional para cuidar da segurança e da reconstrução, além
de uma governança técnica para restaurar serviços essenciais, subordinada a um
conselho comandado por Trump. Abrangente e ambiciosa, a proposta reuniu apoio
de países árabes, de europeus que acabam de reconhecer a Palestina, de Israel e
mesmo de palestinos em Gaza. A maior dúvida está no fator crítico para seu
êxito: a reação do Hamas. Trump deu prazo de três a quatro dias para resposta.
O plano impõe a capitulação do Hamas e de
outros grupos terroristas, com entrega imediata de reféns, de armas e renúncia
a exercer qualquer papel no futuro governo de Gaza. É uma condição essencial
para pacificação. Mas é no mínimo incerto que tais termos sejam aceitos por uma
organização terrorista imbricada na sociedade local, que transformou o
território num emaranhado de túneis e arsenais até em escolas e hospitais e
que, mesmo tendo perdido seus principais líderes, tem resistido à avalanche de
bombardeios, à devastação e ao morticínio provocados pelo Exército israelense.
Caso o Hamas recuse a proposta, Netanyahu obteve de Trump carta branca para
prosseguir em sua campanha militar inclemente.
Mas, ainda que os terroristas concordem em
soltar os reféns e depor as armas, a paz duradoura — com os Estados de Israel e
da Palestina convivendo lado a lado — continuaria distante. Depois de declarar
ao plenário esvaziado da ONU que seria loucura “dar um Estado aos palestinos”,
Netanyahu aceitou, mediante várias condicionantes, que “as condições poderão
finalmente estar reunidas para um caminho confiável para a autodeterminação e a
criação de um Estado palestino, que reconhecemos como aspiração do povo
palestino”. Diante da pressão de países árabes sobre Washington, também pediu
desculpas ao Catar pelo ataque a líderes do Hamas abrigados no país.
Expoentes da ultradireita que integram seu
governo, contudo, continuam a defender a ocupação total de Gaza e Cisjordânia.
A maioria dos israelenses e dos palestinos é hoje contrária à ideia dos dois
Estados. Se der certo, portanto, o plano de Trump terá o mérito de pôr fim à
guerra em curso. Mas o avanço concreto só virá com uma solução duradoura.
Sucateamento de agências reguladoras exige
atenção especial do governo
Por O Globo
Sete de 11 organismos responsáveis por
fiscalizar serviços terão em 2026 menos verba do que há dez anos
O sucateamento das agências reguladoras é
preocupante. Todas receberão neste ano menos do que recebiam em 2016, em
valores corrigidos pela inflação, revelou reportagem do GLOBO. De acordo com o
orçamento aprovado para 2026, sete das 11 continuarão na mesma situação no ano
que vem. Enquanto as folhas salariais e demandas da sociedade aumentam,
organismos regulatórios essenciais para a fiscalização da qualidade dos
serviços públicos são estrangulados com verbas insuficientes.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) teve de
interromper por vários dias o monitoramento da qualidade dos combustíveis. A
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ficou momentaneamente sem a
possibilidade de agendar exames teóricos de habilitação para pilotos e
mecânicos. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) demitiu funcionários
e interrompeu serviços de fiscalização. O momento não poderia ser pior. O crime
organizado tem sido contumaz na venda de combustível adulterado. A demanda por
transporte aéreo cresce. Eventos climáticos seguidos de apagão demonstram o
descaso das empresas de distribuição de energia.
Não há como negar a gravidade da crise
fiscal. A dívida pública só faz crescer. Representava 71,7% do PIB quando o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2023 e não será surpresa se
romper a barreira de 80% até a posse do próximo presidente em 2027. Mas o
governo resiste a adotar medidas estruturais de controle de gastos e, em vez
disso, para cumprir metas fiscais, prefere compensar o crescimento das despesas
via aumento de receitas e sufoca as agências independentes.
Criadas durante a década de 1990 na reforma
do Estado promovida por Fernando Henrique Cardoso, elas têm papel
insubstituível. Sua atribuição é essencialmente técnica: regular os mercados e
zelar pela qualidade dos serviços, evitando abusos do setor privado e
ingerência política do Executivo. Com mandato fixo e não coincidente com o
calendário eleitoral, seus diretores trabalham de forma autônoma graças à
estabilidade das regras, dando atenção especial ao interesse dos consumidores.
Elas também protegem os investidores por garantir ambiente de negócios
previsível e seguro. Contratos de longo prazo envolvendo cifras bilionárias não
podem ficar à mercê do humor de quem é eleito a cada quatro anos.
Dado o histórico de sucateamento, o presidente da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar), Vinícius Benevides, tem feito pressão por autonomia financeira. Dos R$ 179 bilhões arrecadados pelos órgãos reguladores entre 2010 e 2022, apenas R$ 75 bilhões voltaram a seus orçamentos. Em julho, Benevides entregou ao vice-presidente Geraldo Alckmin um documento com demandas assinado por 80 instituições. “Sei o que os governos passam, chegou já no limite do limite. Está na hora de as agências terem mais autonomia”, disse ao GLOBO. O assunto merece atenção do governo. O país só tem a perder se as agências continuarem na penúria, incapazes de exercer suas funções a contento.
A dura tarefa de rever privilégios
tributários
Por Folha de S. Paulo
Projeto do governo que reduz benefícios deixa
de fora mais de 80% deles; subsídios contam com lobbies
O sistema tributário precisa de reforma em
nome da justiça e da eficiência, não para tapar rombo no Orçamento gerado por
gasto excessivo
É meritória a tentativa do governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
de reduzir o exorbitante volume de incentivos fiscais federais por meio de um corte
linear de 10% em rubricas que oneram o Orçamento.
No entanto mostra-se escassa a disposição de
rever benesses de que gozam setores politicamente influentes, seja por
dificuldades políticas, seja por falta de convicção por parte da própria
administração petista.
Segundo reportagem do jornal Valor Econômico,
nada menos que 82,5% do valor total de R$ 544,4 bilhões (cerca de 5% do PIB) em
subsídios tributários anuais a pessoas físicas, empresas e regiões, devem ficar
fora do projeto a cargo do líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães
(PT-CE). O montante equivale a R$ 449,3 bilhões.
Esses benefícios, não raro mal concedidos e
sem critérios rigorosos de avaliação, florescem graças à prevalência de
interesses particulares nas deliberações do Congresso
Nacional. Lobistas de setores específicos, aliados a bancadas
regionais e por vezes ao governo, transformam o Legislativo em um balcão de
negociações onde o bem público é sacrificado.
O projeto deve poupar integralmente os
maiores dispêndios tributários, entre eles benesses para pessoas físicas e
Microempreendedores Individuais (MEIs), no valor de R$ 126,7 bilhões, Simples
Nacional (R$ 121 bilhões), setor agropecuário (R$ 83 bilhões) e entidades sem
fins lucrativos (R$ 48,1 bilhões), além da Zona Franca de Manaus (ZFM),
que consome quase R$ 30 bilhões.
Em parte dos casos, as mudanças dependeriam
de emenda constitucional, de aprovação mais difícil no Congresso.
O corte de 10% na fatia remanescente poderia,
em tese, gerar arrecadação extra de R$ 9,5 bilhões —melhor do que nada, mas
muito longe do necessário para tornar a tributação nacional menos iníqua. Uma
revisão ampla de benefícios, idealmente, deveria abrir caminho para reduzir os
impostos excessivos sobre a produção e o consumo, que oneram sobretudo os mais
pobres.
Subsídios contam com apoios ferozes e tendem
a se eternizar. O Simples e o MEI, concebidos para fomentar o empreendedorismo,
foram expandidos sem evidências confiáveis de eficácia. Já a ZFM, que deveria
ser provisória, distorce o mercado nacional desde os anos 1960.
Diante dos obstáculos, o governo também
propõe elevar a tributação das empresas no regime de lucro presumido, algo que
poderia gerar arrecadação adicional de até R$ 10 bilhões em 2026.
Muitas empresas nesse regime, de fato, não
passam de veículos para prestação de serviços por profissionais liberais que
pagam menos impostos em relação a assalariados. Mesmo assim, a medida seria uma
gambiarra.
O sistema tributário precisa
de reformas em nome da justiça e da eficiência —não para gerar
receitas ocasionais destinadas a tapar rombos no Orçamento provocados por
gastos em excesso.
Ultrapassagem perigosa
Por Folha de S. Paulo
Pesquisa mostra que 43% dos motociclistas não
respeitam os limites de velocidade na cidade de São Paulo
É preciso modernizar radares, redesenhar
mobilidade urbana e reduzir limites em vias expressas, mesmo que medida seja
impopular
Entre 2019 e 2025, o número de motocicletas
licenciadas no Brasil passou de 23 milhões para 29 milhões. Essa expansão foi
impulsionada pelo trabalho de entregas por aplicativos e pelo uso do veículo
como alternativa a sistemas de transporte público precários.
Tal fenômeno exige maior atenção do poder
público para minimizar riscos no trânsito,
já que acidentes com motos apresentam alto nível de letalidade.
No estado de São Paulo,
o número de mortes envolvendo motos subiu de 1.259 entre janeiro e junho de
2024 para 1.329
nos seis primeiros meses de 2025 —recorde da série histórica do
sistema estadual de monitoramento Infosiga, iniciada em 2015.
Já em sinistros com carros e pedestres, houve
queda de 675 a 612 e de 700 a 659, respectivamente. Na capital, o número de
óbitos também diminuiu nos casos com motos, de 237 para 219.
Mas pesquisa da Universidade Johns Hopkins,
dos Estados
Unidos, em parceria com a USP mostra
que as autoridades paulistanas ainda precisam melhorar a fiscalização de
velocidade dos motociclistas.
A partir de 83.880 observações em vias
aleatórias no ano passado, verificou-se que 43% das motos
ultrapassaram os limites estabelecidos. Em 2021, início do estudo,
foram 33%, com alta para 39% em 2022 e leve queda de 1 ponto percentual em
2023.
Entre veículos leves (carros e utilitários),
a taxa de infrações foi bem menor, mas também subiu, de 9% em 2021 para 15% em
2024.
Especialistas apontam dificuldades na
fiscalização da velocidade das motocicletas, que, por serem muito leves, podem
não ser captadas por sensores no asfalto. Ademais, esse tipo de veículo possui
apenas placa traseira, o que impede a captura de imagem por barreiras
eletrônicas que realizam registro frontal.
Além de modernizar radares, é preciso
reforçar a fiscalização por agentes; mudanças urbanísticas, como estreitamento
de vias e sinalizações chamativas, podem induzir a redução da velocidade.
A capital alcançou bons resultados com a
faixa azul, que já foi replicada em outras cidades, assim como com a redução
dos limites de velocidade nas marginais em 2015, que contribuiu para diminuir
em 15% o número de mortes no ano seguinte. A medida, impopular, foi revertida
em 2017, mas esse tipo de restrição tem sido usada em metrópoles desenvolvidas
como Londres e Paris.
Mesmo assim, na última eleição municipal, tanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB) quanto seu oponente, Guilherme Boulos (PSOL), rejeitaram essa política pública capaz de salvar vidas.
Exceções em profusão desfiguram regime fiscal
Por Valor Econômico
Além das exceções para despesas que não
seriam contabilizadas no limite de gastos, o governo estabeleceu regras que
geraram a implosão prática do regime fiscal
O regime fiscal instituído em 2023 chegará ao
fim do governo Lula sem cumprir suas promessas — estabilizar ao longo do tempo
a dívida pública — e corroído por exceções a suas regras que o desfiguraram
progressivamente. Recentemente, o Tribunal de Contas de União (TCU) questionou
uma fragilidade conhecida do arcabouço: o governo usa o piso da banda de
tolerância (0,25% do PIB) para determinar ajustes via contingenciamento e
bloqueios, quando o parâmetro de referência deveria ser a meta central, que
neste ano é de déficit zero. A meta não será cumprida: no relatório de receitas
e despesas do quarto bimestre se prevê um déficit de R$ 30,19 bilhões.
O regime fiscal foi mais generoso com os
gastos, garantindo-lhes expansão mínima de 0,6% e máxima de 2,5% acima da
inflação. Para fazer com que as despesas atinjam o teto permitido, é preciso
que as receitas cresçam sempre. O fato de que isso não é possível, como
demonstrado pela resistência crescente do Congresso ao aumento da tributação,
levou o governo, com ajuda do mesmo Congresso ou do Judiciário, a abrir
progressivamente exceções para despesas que não seriam contabilizadas no limite
de gastos. Há 19 delas, segundo relatório de consultores do Orçamento da Câmara
dos Deputados, criadas seja por determinação do Judiciário, seja por leis e
emendas constitucionais aprovadas e pela criação de fundos privados (Valor, 20-9). Dessas exceções,
6 ainda estão em tramitação.
Além das exceções, o governo estabeleceu
regras que geraram a implosão prática do regime fiscal. A correção real do
salário mínimo e a vinculação à receita corrente de gastos de saúde e educação
elevaram de tal forma essas despesas obrigatórias que a margem progressiva de
manejo discricionário de recursos pelo governo tende a zero. A perspectiva de
paralisia da máquina pública se concretizaria em 2027, se não fosse aprovada a
regra de volta dos precatórios ao teto de gastos à lenta cadência de 10% ao ano
— outra manobra.
Logo na segunda revisão bimestral o governo
eliminou os R$ 20,7 bilhões em contingenciamentos, e deixou claro na revisão do
quarto trimestre que buscava o piso da meta de R$ 30,97 bilhões, ao colocar
como provável o déficit de R$ 30,19 bilhões no ano. Se a previsão se confirmar,
o déficit real será de R$ 76,2 bilhões — R$ 45,3 bilhões estão excluídos da
meta — ainda que o objetivo de déficit zero seja dado por cumprido. O
estratagema chamou a atenção do TCU, que, além disso, apontou que algumas
despesas excluídas não precisariam ser assim e não causariam grandes problemas
para a execução orçamentária. Mas teriam de deslocar outros gastos, para
dissabor do governo.
O crescimento da economia de 3% por três anos
seguidos fez as receitas baterem recordes e os gastos avançarem, de forma que o
endividamento bruto desse um salto de 6 pontos do PIB em dois anos e meio do
governo Lula. Na meta original do novo regime, a dívida bruta subiria no início
para se estabilizar logo em 2026. O governo teria um superávit primário de 0,5%
do PIB como meta já em 2025 e outro de 1% do PIB em 2026. O dinheiro
economizado cobriria parte da carga de juros, melhorando o déficit nominal e a
dívida bruta. Mas a regra foi mudada poucos meses depois para adquirir a configuração
atual, em que o presidente Lula encerrará seu mandato em 2026 sem a obrigação
de produzir qualquer superávit.
Os resultados de agosto do Tesouro, que
consideram o governo central, e os do Banco Central (BC), que incluem estatais
e governos regionais, mostram redução do déficit. No do BC, a queda em 12 meses
é de 28%, para R$ 61,8 bilhões. No do Tesouro, a queda nominal é de 12,5%, para
R$ 86 bilhões. A diferença se deve ao superávit dos governos regionais,
diferente dos critérios do Tesouro. Nos 12 meses encerrados em agosto, o
déficit primário foi de 0,19% do PIB, ante 0,22% do PIB até julho. A dívida
bruta ficou parada em 77,5% do PIB, ante 71,7% ao fim do governo Bolsonaro.
Não há muito segredo no resultado. As
receitas tiveram aumento real de 3,9%, enquanto as despesas evoluíram 2,4%,
quando no mesmo período do ano passado haviam subido 7,1%. Melhorar o produto
fiscal depende de conter despesas, sem mágicas, mas o governo acredita que
gastos públicos são o motor do crescimento e do aumento contínuo de receitas,
esquecendo-se dos limites de expansão da economia, que foram ultrapassados, e
da inflação, que está acima da meta desde 2024.
Com o piso de zero déficit em 2026, as dificuldades aumentam para se atingir a meta. A Instituição Fiscal Independente, do Senado, calcula ser necessário, além dos R$ 40,7 bilhões que dependem de projetos a serem aprovados no Congresso, um esforço adicional extra de obter R$ 79,3 bilhões em receitas, ou 0,55% do PIB. É um resultado difícil, mas não impossível de alcançar, em um ano de desaceleração da economia. Será preciso atenção redobrada nos gastos, mas é pouco provável que o governo, que esteve empenhado em gastar mais até agora, tenha um comportamento sóbrio em pleno ano eleitoral, com o presidente candidato à reeleição.
O exótico sr. Fachin
Por O Estado de S. Paulo
Ao prometer discrição e apego ao Direito, o
novo presidente do STF não faz mais que sua obrigação, mas, nestes tempos em
que ministros se esbaldam na mídia e na política, trata-se de algo pitoresco
O ministro Edson Fachin assumiu a presidência
do Supremo Tribunal Federal (STF) sob o signo da austeridade institucional.
Marcada por um entediante recato, como convinha, a própria cerimônia de posse
refletiu a postura do chefe do Judiciário pelos próximos dois anos: um
magistrado avesso a holofotes, entrevistas e convescotes com lobistas; um juiz
que tem a decência de não emitir juízos fora dos limites de seu ofício. Em
tempos de ministros pop stars, é compreensível que esse perfil destoe da imagem
que parte expressiva da sociedade formou dos membros da Corte. Mas convém
ressaltar: em termos republicanos, nada há de notável na discrição de Fachin.
Comportar-se como ele é obrigação de qualquer juiz, da primeira à última
instância.
Nos últimos anos, alguns ministros do STF
tomaram gosto pelo protagonismo, inebriados pela fama. Decisões monocráticas de
repercussão nacional, discursos públicos sobre temas alheios à função judicante
e participação em eventos promovidos por empresários e clubes recreativos da
magistratura – a pretexto de “discutir o Brasil” em Londres, Paris, Lisboa ou
Nova York – tornaram-se banais, ao custo da degradação paulatina da reputação
do STF. Como se isso não bastasse, parte dos ministros passou a se apresentar
como espécie de guias morais da Nação, a “vanguarda iluminista” encarregada de
“empurrar a História” e “recivilizar o Brasil”, como chegou a dizer o ministro
Luís Roberto Barroso.
O próprio Barroso, aliás, ao transmitir o
cargo a Fachin, deu mais uma mostra de como é difícil devolver o gênio da
vaidade à lâmpada da autocontenção. O agora ex-presidente do STF quebrou o
protocolo e, como se estivesse no palco entre um samba e outro, discursou em
uma cerimônia que tinha outro protagonista. Pode parecer pouco, mas são gestos
desse tipo que, por acúmulo, reforçam a percepção pública de que a Corte deixou
de ser um tribunal colegiado que privilegia a discrição e a racionalidade para
se tornar uma fogueira de vaidades que, não raro, queima reputações e chamusca
a legitimidade de todo o Judiciário. O exemplo vem de cima, diz o vulgo. E o
STF tem dado a entender que juízes podem ser estrelas inconsequentes.
Fachin pretende inverter esse rumo. Em seu
discurso de posse, afirmou ser necessário “voltar-se ao básico”, destacando os
compromissos de seu mandato: “Racionalidade, diálogo e discernimento”. Mais do
que isso, o ministro lembrou qual deve ser a fronteira intransponível entre
Poderes. “O nosso compromisso é com a Constituição”, disse Fachin. “Ao Direito
o que é do Direito, à política o que é da política.” São palavras que soam como
música aos ouvidos cansados da confusão proposital entre papéis e
responsabilidades dos ministros do STF. O busílis é que, sozinhas, elas nada
garantem.
A autoridade do Supremo não pode depender do
perfil deste ou daquele presidente, como se o rumo da Corte como instituição
estivesse condicionado aos atributos particulares de seus integrantes. A
contenção não pode ser um traço de caráter individual, mas uma prática
coletiva, enraizada no plenário. O exemplo de Fachin é obviamente positivo,
como este jornal já destacou algumas vezes nesta mesma página, mas
insuficiente: se seus pares continuarem a confundir Justiça com ação política e
jurisdição com militância, a Corte continuará inexoravelmente a perder a
confiança de milhões de seus jurisdicionados.
Essa queda da confiança da sociedade não se
explica apenas pela campanha de difamação sistemática promovida pelo
bolsonarismo contra o STF. De fato, Jair Bolsonaro e seus camisas pardas, todos
desmoralizados com o ex-presidente condenado por golpe de Estado, viram no
Supremo o principal anteparo a seu projeto autocrático. E é natural que
autocratas, mesmo os fracassados, enxerguem um Judiciário forte e independente
como um inimigo figadal.
Mas seria ingênuo creditar somente à ação
nefasta dos golpistas o desgaste do Supremo perante a população. Pesquisa do
PoderData divulgada há alguns meses mostrou que apenas 12% dos brasileiros
avaliavam positivamente o desempenho da Corte. É evidente que todos os
ministros têm responsabilidade por essa tragédia. Enquanto a consciência não
for coletiva, continuará a haver um abismo entre dois Supremos: o de Fachin e o
das ruas.
A hora da verdade para Gaza
Por O Estado de S. Paulo
O plano de Trump é o mais abrangente para
superar a guerra, mas exigirá concessões e vontade política. Cabe ao Hamas
provar que prioriza o bem-estar dos palestinos sobre seus delírios jihadistas
O plano do presidente americano Donald Trump
para Gaza não é a solução definitiva para o conflito – longe disso –, mas, após
dois anos de guerra, é o mais abrangente e concreto apresentado até agora.
Mistura, com dureza pragmática, demandas práticas (cessar-fogo, troca de
reféns, reconstrução) com um ultimato: se o Hamas recusar, priorizando seus
delírios jihadistas em detrimento do bem-estar dos palestinos, Israel terá
carta branca para “terminar o serviço”.
O roteiro prevê o cessar-fogo condicionado à
devolução integral, em 72 horas, dos reféns israelenses em poder do Hamas,
tendo como contrapartida a libertação, por Israel, de milhares de palestinos
detidos. Prevê ainda o desarmamento do Hamas, a retirada do exército
israelense, mantendo temporariamente um perímetro de segurança, a instalação de
um comitê tecnocrático supervisionado por um “Conselho da Paz” internacional e
a implantação de uma Força Internacional de Estabilização (ISF) com a
participação de nações árabes, acompanhadas por um plano de reconstrução e
incentivos econômicos. A promessa pública de não expulsar os palestinos e a
oferta de zonas econômicas distinguem esse pacote de propostas anteriores.
Há razões concretas para levá-lo a sério. A
sequência estabelecida – soltura dos reféns, desmilitarização, retirada e
reconstrução – cria marcos verificáveis; o apoio declarado inédito de países
árabes, dispostos inclusive a participar operacionalmente, fortalece a
viabilidade; e a combinação de incentivos e pressão oferece alavancas que
faltaram em acordos anteriores. Trump se colocou como fiador direto da
implementação, assumindo custos para os EUA. Em suma: é uma janela de
oportunidade real, não mera retórica.
Mas os obstáculos são igualmente palpáveis. A
condição cardeal – que o Hamas entregue todos os reféns e se desarme – pode ser
inaceitável para facções que veem as armas como sua essência e a destruição de
Israel como objetivo de vida. A meta de 72 horas impõe desafios logísticos e de
confiança ainda não resolvidos. A força de estabilização ainda está no papel;
mandatos, contingentes e regras de engajamento precisam ser formalizados. A
governança tecnocrática pode carecer de legitimidade popular e tornar-se alvo
de resistência. E os extremistas que sustentam o governo do premiê Binyamin
Netanyahu são uma evidente fonte de incerteza.
Mas convém reconhecer as concessões reais de
Israel: libertar presos perigosos, anistiar os terroristas que se renderem,
delegar parte da segurança a atores multilaterais, aceitar supervisão externa
da reconstrução, renunciar à anexação de Gaza ou da Cisjordânia. Trump obrigou
Netanyahu a pedir desculpas ao Catar por operações em seu território e a
reconhecer – ainda que ambiguamente – a perspectiva de criação de um Estado
palestino, condicionada a reformas verificáveis por parte da Autoridade
Palestina.
Somando tudo, trata-se de um evidente passo
adiante, que só não será reconhecido como tal por aqueles que se deixam levar
pela antipatia por Trump e Netanyahu. A esse propósito, é espantoso que o
Itamaraty ainda não tenha se pronunciado sobre o plano.
A hora da verdade exige empenho. Os
interessados na paz – Estados árabes, Washington, União Europeia, mediadores
regionais e lideranças palestinas moderadas – devem se engajar na cobrança
enfática do desarmamento do Hamas e da entrega dos reféns, na constituição da
Força Internacional de Estabilização e no financiamento da reconstrução de
Gaza, assim como na reforma da Autoridade Palestina. Sem esses elementos, o
plano continua um esboço.
Se esses compromissos forem assumidos e
respeitados, abrir-se-á um caminho difícil mas real para cessar o calvário dos
palestinos e começar a recuperar uma vida possível em Gaza. Se não, ficará
claro quem – por fanatismo, política ou cinismo – preferiu a guerra à paz. A
hora da verdade chegou: escolher a reconstrução – árdua, complexa e cheia de
obstáculos – é aceitar correr riscos para, enfim, assentar as bases de um
futuro melhor para os palestinos e para a região; escolher a recusa, pura e
simples, é contratar uma tragédia ainda maior.
O fracasso foi um bom negócio
Por O Estado de S. Paulo
Gol e Azul desistem de compartilhar voos e
enterram fusão. O consumidor agradece
Alguns negócios, quando não dão certo, são um
verdadeiro presente para o consumidor. É possível afirmar, sem medo de errar,
que esse é o caso da tentativa de fusão entre as companhias aéreas Gol e Azul,
frustrada após a abertura do processo de recuperação judicial da Azul nos
Estados Unidos. Ganham os consumidores brasileiros, que estavam prestes a ficar
à mercê de um duopólio no transporte aéreo.
O mercado de aviação civil é extremamente
concentrado, com três empresas dividindo 99,9% da oferta de voos domésticos,
tendo a Latam na liderança, de acordo a Agência Nacional de Aviação Civil
(Anac). Em maio do ano passado, quando Gol e Azul anunciaram acordo de
compartilhamento de voos (codeshare),
os rumores sobre a preparação para a fusão ganharam força.
Na época, as empresas falavam em estratégia
para melhorar a experiência dos passageiros, com aumento na oferta de destinos.
Acordos do tipo permitem que o consumidor que compra passagem para a companhia
A embarque na companhia B, mesmo sem aviso prévio. Mas um relatório elaborado
em conjunto pelo Procon-SP e a USP em maio deste ano apontava riscos potenciais
mais sérios com a fusão, como aumento das tarifas, redução de voos – em
especial para cidades menores – e queda na qualidade dos serviços.
Nesse caso específico, chama a atenção o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ter demorado tanto a
intervir. No início de setembro, quase 16 meses depois da assinatura do acordo
de codeshare, o
tribunal do Cade decidiu que o contrato deveria ser notificado ao órgão em até
30 dias. Mesmo não se tratando de fusão, o compartilhamento operacional traz
riscos de coordenação entre as empresas, e por isso teria de ser submetido a
análise concorrencial. Trata-se de alegação tão lógica e evidente que
surpreende um acordo do tipo ter entrado em vigor sem consulta.
É possível que o prazo fixado pelo Cade tenha
apressado a rescisão do acordo de codeshare.
A negociação, que ambas as companhias confirmaram em janeiro, com a assinatura
de um memorando de entendimentos, também foi cancelada. A causa apresentada
para a dissolução é pouco esclarecedora, afinal, assim como a Azul, a Gol
também passou por processo de recuperação judicial nos Estados Unidos,
concluído em junho deste ano, levantando quase US$ 2 bilhões em financiamento.
Mas o que importa em toda essa transação é que quem sai ganhando é o
consumidor.
Nenhum mercado pode, sob qualquer pretexto, ficar isento de controle, avaliação de qualidade e observância das práticas concorrenciais, inclusive na formação de preços. Em que pesem as dificuldades do setor, como os altos custos de operação, escassez de mão de obra, impactos ambientais e eventos inesperados, como a epidemia de covid, que esvaziou aeroportos, o mercado de aviação tem crescido. Em 2024, a Anac registrou aumento de 5% no total de passageiros e de 1,5% nas decolagens, resultado próximo ao de 2019, antes da covid. Por certo as empresas estão aptas a buscar soluções que não penalizem os consumidores.
Crime organizado é pauta para as eleições
Por Correio Braziliense
Para 2026, as últimas semanas mostram que a
ordem do dia precisa passar pelo enfrentamento ao crime organizado.
A cada eleição, a corrida política fica
marcada por pautas específicas. Temas como o combate à corrupção, à pandemia e
às fake news marcaram os pleitos mais recentes, por exemplo. Para 2026, as
últimas semanas mostram que a ordem do dia precisa passar pelo enfrentamento ao
crime organizado.
O último tentáculo exposto do Primeiro
Comando da Capital (PCC) mostra que a maior facção criminosa do país pode ter
relação com a adulteração de bebidas alcoólicas antes da venda, a partir da
mistura desses produtos com o metanol, um líquido incolor e altamente tóxico
para o corpo humano, capaz de matar. Até então, um braço do crime organizado
que boa parte da população desconhece.
Para além do inquérito aberto pela Polícia
Federal na história do metanol; da execução do ex-delegado Ruy Fontes em Praia
Grande (SP), em 15 de setembro; e da operação, no começo do mesmo mês, que
revelou lavagem de dinheiro nas fintechs da Faria Lima; os fatos das últimas
semanas escancaram um paradoxo lamentável: de um lado, estão facções criminosas
extremamente organizadas e em plena ascensão, com atuações em mercados
diversificados; de outro, um Estado inoperante e falho para representar e
proteger a população, ainda que amparado pela Constituição.
Ficam três perguntas principais diante das
repercussões dos últimos dias. Como frear o crime organizado diante da
complexidade e do poder que o envolve? Com a anuência de quem essas pessoas
conseguiram tamanho espaço no poder decisório do país, tendo a ousadia de até
mesmo executar um ex-delegado-geral em uma rua movimentada do litoral paulista?
Por último e não menos importante: se as facções criminosas estão no mercado
financeiro, no tráfico de drogas e de armas, nos postos de combustíveis e, talvez,
até mesmo no comércio de bebidas alcoólicas, onde mais atuam?
São perguntas importantes que precisam ser
respondidas por quem pretende concorrer nas eleições de 2026. Se a segurança
pública depende cada vez mais dos estados, os governadores, administradores das
polícias Civil, Militar e Penal, além do Corpo de Bombeiros, precisam
apresentar políticas públicas eficientes nessa área, capazes de dar alguma
saída para a população desprotegida.
É preciso pensar, sobretudo, em uma solução
para o enorme deficit do sistema carcerário, as divisões de base das facções
criminosas. Lá, jovens, principalmente pretos e pardos, entram como traficantes
de buchas de maconha e ladrões de celular e saem assaltantes de banco e
narcotraficantes.
Aqui, não deve se eximir também a
responsabilidade do governo federal e do Congresso Nacional. É necessário
lembrar que boa parte da atuação do crime organizado é internacional —
portanto, de responsabilidade, sobretudo, da Polícia Federal e da articulação
diplomática.
Com menos ou mais responsabilidade de cada fatia do poder público, o certo é que o enfrentamento ao crime organizado exige uma união de diferentes atores, inclusive da sociedade em sua capacidade de pressão. É preciso se organizar, como as facções já têm feito há anos e anos.
Sindiônibus ameaça com mais cortes de linhas
Por O Povo (CE)
A Prefeitura deveria pedir à Justiça para
determinar que os ônibus voltem a circular, negociando, se for o caso, com a
frota completa rodando. Aceitar chantagem é impróprio em ambiente democrático
É injustificável, sob qualquer ângulo que se
analise, a medida unilateral tomada pelo Sindiônibus (sindicato que representa as empresas de
transporte coletivo urbano) ao cortar da noite para o dia 25 linhas de ônibus
em Fortaleza. Para completar o malfeito, também foi reduzido o número de
coletivos em 29 trajetos.
As empresas não se deram ao trabalho de, ao
menos, emitirem um aviso com antecedência, demonstrando completo desprezo pela
população fortalezense que depende do transporte coletivo.
Milhares de passageiros foram surpreendidos quando se
dirigiam ao trabalho, pois não conseguiam localizar as linhas às quais estavam
habituados. O sofrimento na madrugada de segunda-feira levou à busca desesperada
por linhas alternativas, com os ônibus ficando ainda mais lotados; pessoas sem
saber para onde se dirigir ou a quem recorrer — chegando atrasadas ao trabalho.
Para completar, a medida foi tomada pelas
empresas concessionárias de forma arbitrária, surpreendendo também a Empresa de
Transporte Urbano do Município (Etufor), que emitiu uma nota afirmando não ter
sido avisada da suspensão das linhas.
O presidente do Sindiônibus, Dimas Barreira,
alega que o corte foi necessário para "equilibrar as finanças", por
isso, não teria mais como manter as rotas. Reclama também que os subsídios
pagos pela Prefeitura são insuficientes para manter todos os trajetos.
Entretanto, as empresas não podem romper o
contrato de concessão de maneira abrupta, como fizeram, sem considerar as
pessoas que dependem do transporte coletivo.
Se ainda não fosse o bastante, Dimas Barreira
ameaçou cortar mais linhas, "caso a negociação do subsídio não ande",
segundo declarou a este jornal. É inaceitável que o Sindiônibus ponha uma faca
no pescoço da Prefeitura e depois fale em "negociar", em uma paródia
do estilo Donald Trump.
É de se lembrar não ser esta a primeira vez
que o Sindiônibus trata o fortalezense com falta de urbanidade, ou melhor, de
humanidade.
Durante muito tempo os passageiros foram
humilhados com as chamadas "catracas duplas" ou "elevadas",
que provocavam grande constrangimento em pessoas com mobilidade reduzida,
gestantes, passageiros usando mochilas ou sacolas, que tinham dificuldade em
ultrapassar a barreira. Os entraves foram retirados depois da extensa
repercussão negativa que o caso obteve.
Quanto à situação atual, a Prefeitura deveria pedir à Justiça para determinar que os ônibus voltem a circular, negociando, se for o caso, com a frota completa rodando. Aceitar chantagem é impróprio em ambiente democrático.
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