Correio Braziliense
Estive no Oriente Médio por duas vezes. Em
uma delas, em abril de 2023, depois de visitar a fronteira com a Faixa de Gaza
e ver a cerca por onde o Hamas invadiu o sul de Israel em 7 de outubro do mesmo
ano, conheci Ofir Libstein. O político israelense que administrava o Conselho
Regional de Sha'ar HaNegev, região vizinha ao enclave palestino, era
responsável por 9,3 mil moradores de 12 comunidades do "envelope". Vi
em Libstein um visionário e um pacifista. Ele e colegas vislumbravam um futuro
de coexistência pacífica entre judeus e palestinos.
A semente seria plantada nas crianças dos dois povos. Libstein ajudou a fundar o "Bridging", um programa que convidava 25 jovens de Gaza a passarem um dia no sul de Israel e aprofundarem o contato por meio de diálogos e experiências. Libstein foi morto por militantes do Hamas ao tentar defender o kibbutz onde morava e proteger os quatro filhos, abrigados em um quarto seguro.
A proposta de Libstein deveria ser
implementada por Israel e pela Autoridade Palestina, mas contemplando crianças e,
de preferência, depois da efetivação do plano de paz apresentado por Donald
Trump. O problema é que a proposta de 20 pontos para o fim da guerra na Faixa
de Gaz parece frágil e não factível em alguns aspectos: a desmilitarização do
Hamas e seu completo alijamento do poder; a incumbência estrangeira pela
segurança no território palestino; e a ausência de qualquer punição a Benjamin
Netanyahu, primeiro-ministro israelense, aos seus ministros e ao comando das
Forças de Defesa de Israel (IDF).
É como se, depois de dois anos de guerra e de
66 mil palestinos mortos — dos quais pelo menos 49 mil seriam civis sem
qualquer vínculo com o Hamas —, os Estados Unidos fechassem os olhos para as
atrocidades cometidas pelo seu principal aliado. Na verdade, da maneira que foi
forjado, o plano seria quase que como uma recompensa a Israel. Daí a alegria
estampada no semblante de Netanyahu.
Que fique claro: qualquer tentativa de
apaziguamento entre israelenses e palestinos é louvável. No entanto, é mais do
que óbvio que não existirá qualquer perspectiva de paz no Oriente Médio se
Israel não aceitar a criação de um Estado palestino. Netanyahu descarta essa
possibilidade, a qual ele trata como "suicídio nacional".
Ainda que o plano de Trump vingue, coloque
fim à guerra em Gaza e fomente o desenvolvimento do enclave devastado por
Israel, a não criação de um Estado palestino autônomo, soberano e independente
seguirá alimentando o ódio e semeando o terreno para atentados terroristas. É
utópico e ilusório imaginar que um conflito que se estende ao longo de décadas
termine com soluções mágicas, sem que as demandas do povo palestino sejam
completamente atendidas.
A paz não pode ser forjada pela conveniência.
Tolher direitos dos palestinos é deixar escancarada a porta do ressentimento,
da segregação e do ódio. Nesse sentido, Trump deveria colocar Netanyahu contra
a parede. Ou aceita um Estado palestino, ou terá que lidar com um futuro
incerto. Por Libsten e por todos os mortos desde 7 de de outubro.
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