quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Paz de conveniência. Por Rodrigo Craveiro

Correio Braziliense

Estive no Oriente Médio por duas vezes. Em uma delas, em abril de 2023, depois de visitar a fronteira com a Faixa de Gaza e ver a cerca por onde o Hamas invadiu o sul de Israel em 7 de outubro do mesmo ano, conheci Ofir Libstein. O político israelense que administrava o Conselho Regional de Sha'ar HaNegev, região vizinha ao enclave palestino, era responsável por 9,3 mil moradores de 12 comunidades do "envelope". Vi em Libstein um visionário e um pacifista. Ele e colegas vislumbravam um futuro de coexistência pacífica entre judeus e palestinos.

A semente seria plantada nas crianças dos dois povos. Libstein ajudou a fundar o "Bridging", um programa que convidava 25 jovens de Gaza a passarem um dia no sul de Israel e aprofundarem o contato por meio de diálogos e experiências. Libstein foi morto por militantes do Hamas ao tentar defender o kibbutz onde morava e proteger os quatro filhos, abrigados em um quarto seguro.

A proposta de Libstein deveria ser implementada por Israel e pela Autoridade Palestina, mas contemplando crianças e, de preferência, depois da efetivação do plano de paz apresentado por Donald Trump. O problema é que a proposta de 20 pontos para o fim da guerra na Faixa de Gaz parece frágil e não factível em alguns aspectos: a desmilitarização do Hamas e seu completo alijamento do poder; a incumbência estrangeira pela segurança no território palestino; e a ausência de qualquer punição a Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense, aos seus ministros e ao comando das Forças de Defesa de Israel (IDF).

É como se, depois de dois anos de guerra e de 66 mil palestinos mortos — dos quais pelo menos 49 mil seriam civis sem qualquer vínculo com o Hamas —, os Estados Unidos fechassem os olhos para as atrocidades cometidas pelo seu principal aliado. Na verdade, da maneira que foi forjado, o plano seria quase que como uma recompensa a Israel. Daí a alegria estampada no semblante de Netanyahu.

Que fique claro: qualquer tentativa de apaziguamento entre israelenses e palestinos é louvável. No entanto, é mais do que óbvio que não existirá qualquer perspectiva de paz no Oriente Médio se Israel não aceitar a criação de um Estado palestino. Netanyahu descarta essa possibilidade, a qual ele trata como "suicídio nacional".

Ainda que o plano de Trump vingue, coloque fim à guerra em Gaza e fomente o desenvolvimento do enclave devastado por Israel, a não criação de um Estado palestino autônomo, soberano e independente seguirá alimentando o ódio e semeando o terreno para atentados terroristas. É utópico e ilusório imaginar que um conflito que se estende ao longo de décadas termine com soluções mágicas, sem que as demandas do povo palestino sejam completamente atendidas.

A paz não pode ser forjada pela conveniência. Tolher direitos dos palestinos é deixar escancarada a porta do ressentimento, da segregação e do ódio. Nesse sentido, Trump deveria colocar Netanyahu contra a parede. Ou aceita um Estado palestino, ou terá que lidar com um futuro incerto. Por Libsten e por todos os mortos desde 7 de de outubro.

 

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