O Globo
STF esteve e continua sob insidioso e
ininterrupto ataque, a partir até dos EUA, inflamado por um deputado
Luiz Edson Fachin não chegou a ser original
ao centrar seu discurso de posse na presidência do Supremo Tribunal Federal
(STF) pregando harmonia entre os Poderes e que o Judiciário, por assim dizer,
adote uma postura de maior comedimento institucional. Além de não ser inédita,
trata-se de uma plataforma praticamente impossível de cumprir e, no momento
atual, questionável do ponto de vista da defesa da própria Corte.
Quem for ler a fala de Fachin à luz do que o
STF fez nos últimos anos depreenderá de muitas das 19 páginas uma crítica, se
não direta, ao menos parcial a decisões, tomadas de posição e iniciativas do
colegiado e de colegas que o antecederam no comando do tribunal. Para não falar
de atos do próprio agora presidente.
Foi Fachin quem relatou a ADPF 572, ajuizada
pela Rede Sustentabilidade contra o inquérito das fake news, relatado por
Alexandre de Moraes, uma das principais fontes das críticas que alegam
usurpação de prerrogativas por parte do Supremo.
Ele fez um voto, que saiu vencedor, pela constitucionalidade do inquérito, determinando medidas para “sanear” alguns aspectos. Só que o inquérito já mudou de nome e objeto, mas segue aberto até hoje. Para ser coerente com sua fala em prol da volta aos fundamentos da atuação do STF, a discussão em torno do encerramento desse feito seria primordial.
Alexandre de Moraes vem a ser o
vice-presidente de Fachin. Os dois fizeram uma tabelinha de plena concórdia
quando repetiram a posição de presidente e vice do Tribunal Superior Eleitoral
em 2022, e muitos integrantes da Corte duvidam de que ele vá mexer nesse
vespeiro.
Quando Fachin coloca como uma das prioridades
de seu biênio no comando do STF a segurança jurídica, imediatamente vêm à cabeça
as vezes em que a Corte que ele agora preside deu um cavalo de pau em
entendimentos por ela consagrados e reiterados.
O exemplo mais acabado é a Lava-Jato,
relatada por ele próprio. Fachin, que fez a defesa incisiva das decisões
colegiadas na posse, anulou, numa decisão monocrática depois confirmada pela
maioria, todas as condenações impostas a Lula, sob o fundamento da
incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Não se trata de discutir, aqui, qual STF
estava certo: o que reiterou a prisão preventiva do mesmo Lula, determinada
pelo mesmo juiz e ratificada antes pelo TRF, ou o que anulou tudo anos depois.
Fica claro é que, nesse caso, certo ou
errado, o STF foi fonte, e não vítima, de insegurança jurídica, pois a decisão
levou a um efeito dominó que se estendeu à anulação de outras condenações,
delações e acordos de leniência. Num país polarizado, uns vibram, outros
xingam, mas quantos são os que de fato entenderam as decisões da mais alta
Corte do país em caso tão importante?
Na frase mais destacada de seu discurso
inaugural, Fachin vaticinou:
— Ao Direito, o que é do Direito; à política,
o que é da política.
Ficou um mal-estar numa ala da audiência
interna. Com isso, ele estaria dizendo que, até aqui, portanto, o Supremo
invadiu a seara da política? Como, se vem votando sistematicamente em todos os
casos em que essa acusação é feita, como a regulação das emendas parlamentares,
a derrubada do marco temporal das terras indígenas etc.? Aliás, são
contenciosos que seguem abertos, sem sinal de que cessarão diante da disposição
manifestada por Fachin.
Tudo que o discreto e bem-intencionado
ministro propugna é correto e desejável, mas é imperioso lembrar que o STF
esteve e continua sob insidioso e ininterrupto ataque, a partir até dos Estados
Unidos, inflamado por um deputado.
A disposição unilateral pelo comedimento pode
passar a ideia de confissão de uma culpa que o STF não merece receber sozinho
pela bagunça institucional do país, uma vez que, sem sua atuação firme, talvez
não houvesse mais nem ordem constitucional a defender ou divisão de Poderes a
assegurar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário