quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Paz entre Poderes não é para já. Por Vera Magalhães

O Globo

STF esteve e continua sob insidioso e ininterrupto ataque, a partir até dos EUA, inflamado por um deputado

Luiz Edson Fachin não chegou a ser original ao centrar seu discurso de posse na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) pregando harmonia entre os Poderes e que o Judiciário, por assim dizer, adote uma postura de maior comedimento institucional. Além de não ser inédita, trata-se de uma plataforma praticamente impossível de cumprir e, no momento atual, questionável do ponto de vista da defesa da própria Corte.

Quem for ler a fala de Fachin à luz do que o STF fez nos últimos anos depreenderá de muitas das 19 páginas uma crítica, se não direta, ao menos parcial a decisões, tomadas de posição e iniciativas do colegiado e de colegas que o antecederam no comando do tribunal. Para não falar de atos do próprio agora presidente.

Foi Fachin quem relatou a ADPF 572, ajuizada pela Rede Sustentabilidade contra o inquérito das fake news, relatado por Alexandre de Moraes, uma das principais fontes das críticas que alegam usurpação de prerrogativas por parte do Supremo.

Ele fez um voto, que saiu vencedor, pela constitucionalidade do inquérito, determinando medidas para “sanear” alguns aspectos. Só que o inquérito já mudou de nome e objeto, mas segue aberto até hoje. Para ser coerente com sua fala em prol da volta aos fundamentos da atuação do STF, a discussão em torno do encerramento desse feito seria primordial.

Alexandre de Moraes vem a ser o vice-presidente de Fachin. Os dois fizeram uma tabelinha de plena concórdia quando repetiram a posição de presidente e vice do Tribunal Superior Eleitoral em 2022, e muitos integrantes da Corte duvidam de que ele vá mexer nesse vespeiro.

Quando Fachin coloca como uma das prioridades de seu biênio no comando do STF a segurança jurídica, imediatamente vêm à cabeça as vezes em que a Corte que ele agora preside deu um cavalo de pau em entendimentos por ela consagrados e reiterados.

O exemplo mais acabado é a Lava-Jato, relatada por ele próprio. Fachin, que fez a defesa incisiva das decisões colegiadas na posse, anulou, numa decisão monocrática depois confirmada pela maioria, todas as condenações impostas a Lula, sob o fundamento da incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Não se trata de discutir, aqui, qual STF estava certo: o que reiterou a prisão preventiva do mesmo Lula, determinada pelo mesmo juiz e ratificada antes pelo TRF, ou o que anulou tudo anos depois.

Fica claro é que, nesse caso, certo ou errado, o STF foi fonte, e não vítima, de insegurança jurídica, pois a decisão levou a um efeito dominó que se estendeu à anulação de outras condenações, delações e acordos de leniência. Num país polarizado, uns vibram, outros xingam, mas quantos são os que de fato entenderam as decisões da mais alta Corte do país em caso tão importante?

Na frase mais destacada de seu discurso inaugural, Fachin vaticinou:

— Ao Direito, o que é do Direito; à política, o que é da política.

Ficou um mal-estar numa ala da audiência interna. Com isso, ele estaria dizendo que, até aqui, portanto, o Supremo invadiu a seara da política? Como, se vem votando sistematicamente em todos os casos em que essa acusação é feita, como a regulação das emendas parlamentares, a derrubada do marco temporal das terras indígenas etc.? Aliás, são contenciosos que seguem abertos, sem sinal de que cessarão diante da disposição manifestada por Fachin.

Tudo que o discreto e bem-intencionado ministro propugna é correto e desejável, mas é imperioso lembrar que o STF esteve e continua sob insidioso e ininterrupto ataque, a partir até dos Estados Unidos, inflamado por um deputado.

A disposição unilateral pelo comedimento pode passar a ideia de confissão de uma culpa que o STF não merece receber sozinho pela bagunça institucional do país, uma vez que, sem sua atuação firme, talvez não houvesse mais nem ordem constitucional a defender ou divisão de Poderes a assegurar.


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