quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Um SNE Efetivo. Por Cristovam Buarque

Correio Braziliense

O SNE e o novo PNE apresentam boas intenções, prometem mais recursos, mas carecem de objetivos audaciosos e ações concretas que implantem a rede de escolas públicas para a educação de qualidade para todos

Ao longo dos últimos 70 anos, o Brasil adotou 22 programas voltados para a educação básica — da Merenda Escolar, em 1955, ao Pé-de-Meia, em 2025 — incluindo dois Planos Nacionais de Educação (PNEs), com vigência de 10 anos cada. Com esses programas, avançamos rumo à quase universalização das matrículas nas séries iniciais do ensino fundamental. No entanto, progredimos insuficientemente quanto ao número de alunos que concluem a educação básica com formação capaz de atender às exigências do mundo contemporâneo. Apesar dos avanços, nesse período três lacunas se ampliaram: entre ricos e pobres, entre a educação no Brasil e em outros países, e a desconexão entre o que ensinamos e o que precisa ser ensinado.

Embora as matrículas nas séries iniciais estejam quase universalizadas, convivemos com a absurda realidade de mais de 10 milhões de adultos analfabetos. Apenas 20% da população brasileira conclui a educação básica com a qualidade necessária para enfrentar os desafios contemporâneos, com o mapa para buscar a própria felicidade e as ferramentas para construir um mundo melhor. Não percebemos que matrícula não significa frequência, nem assistência; tampouco garante permanência ao longo dos anos da educação básica. E, mesmo quando concluída, essa educação muitas vezes não prepara o aluno para compreender e participar plenamente da sociedade de seu tempo.

O país se prepara agora para aprovar mais dois programas: o PNE III e o SNE — Sistema Nacional de Educação. Ainda que possam trazer melhorias pontuais, ambos repetem velhas promessas de promover avanços na qualidade sem indicar a estratégia de como oferecer educação para todos, independentemente da renda e do endereço. Como afirmou Claudio de Moura Castro em artigo recente publicado no Estado de S. Paulo, são medidas que dão a impressão de empenho dos governantes, mas não equipam o Brasil com o necessário conjunto sistêmico de ações para superar nossa histórica tragédia educacional: o atraso e a desigualdade.

Assim como os anteriores, o PNE I e o PNE II, o novo PNE III e também o SNE apresentam boas intenções, prometem mais recursos, criam conselhos, sugerem cooperação entre estados e municípios, mas carecem de objetivos audaciosos e ações concretas que implantem a rede de escolas públicas para a educação de qualidade para todos. Mantém-se a tradição de tratar a infância como uma responsabilidade municipal, relegando ao governo federal e seu ministério o papel de apoiadores. Ainda não incorporaram o lema "criança é questão federal". Falta-lhes a determinação nacional para levar nosso sistema educacional ao nível de qualidade equivalente aos melhores do mundo e com plena equidade para todos brasileiros.

Além da recusa em assumir a educação básica como responsabilidade federal, persiste a preferência por boas intenções, em vez de ações que conduzam a um salto real em qualidade e equidade. É difícil entender a opção por repetir intenções sem os instrumentos executivos necessários para cumpri-las. Seria mais efetivo optar por expandir para todo o Brasil as escolas federais de educação básica que já apresentam qualidade satisfatória. Em vez de mais planos e leis para cooperação entre entes federativos, o país executaria estratégia clara: ampliar o número de escolas federais até formar um verdadeiro sistema único federal de educação básica.

Mesmo sem considerar o potencial das novas tecnologias para reduzir custos, nem levando em conta a queda na taxa de natalidade — que reduzirá o número de alunos dos atuais 50 milhões para cerca de 38 a 40 milhões nas próximas décadas —, o custo para oferecer uma educação de qualidade em escolas federais teria um valor até 50% superior ao atual gasto disperso em quase 6 mil sistemas municipais e estaduais. Considerando uma taxa de crescimento da economia em 2% ao ano, ao final do período de execução da estratégia de federalização esse custo representaria menos de 7% do PIB — abaixo portanto dos 10% estipulados pelo PNE II.

Essa estratégia é viável financeiramente e poderia ser implementada gradualmente, por meio de blocos de cidades que optassem por substituir todas as suas escolas municipais por instituições federais.

 

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