Correio Braziliense
O SNE e o novo PNE apresentam boas intenções,
prometem mais recursos, mas carecem de objetivos audaciosos e ações concretas
que implantem a rede de escolas públicas para a educação de qualidade para
todos
Ao longo dos últimos 70 anos, o Brasil adotou 22 programas voltados para a educação básica — da Merenda Escolar, em 1955, ao Pé-de-Meia, em 2025 — incluindo dois Planos Nacionais de Educação (PNEs), com vigência de 10 anos cada. Com esses programas, avançamos rumo à quase universalização das matrículas nas séries iniciais do ensino fundamental. No entanto, progredimos insuficientemente quanto ao número de alunos que concluem a educação básica com formação capaz de atender às exigências do mundo contemporâneo. Apesar dos avanços, nesse período três lacunas se ampliaram: entre ricos e pobres, entre a educação no Brasil e em outros países, e a desconexão entre o que ensinamos e o que precisa ser ensinado.
Embora as matrículas nas séries iniciais
estejam quase universalizadas, convivemos com a absurda realidade de mais de 10
milhões de adultos analfabetos. Apenas 20% da população brasileira conclui a
educação básica com a qualidade necessária para enfrentar os desafios
contemporâneos, com o mapa para buscar a própria felicidade e as ferramentas
para construir um mundo melhor. Não percebemos que matrícula não significa
frequência, nem assistência; tampouco garante permanência ao longo dos anos da
educação básica. E, mesmo quando concluída, essa educação muitas vezes não
prepara o aluno para compreender e participar plenamente da sociedade de seu
tempo.
O país se prepara agora para aprovar mais
dois programas: o PNE III e o SNE — Sistema Nacional de Educação. Ainda que
possam trazer melhorias pontuais, ambos repetem velhas promessas de promover
avanços na qualidade sem indicar a estratégia de como oferecer educação para
todos, independentemente da renda e do endereço. Como afirmou Claudio de Moura
Castro em artigo recente publicado no Estado de S. Paulo, são medidas que dão a
impressão de empenho dos governantes, mas não equipam o Brasil com o necessário
conjunto sistêmico de ações para superar nossa histórica tragédia educacional:
o atraso e a desigualdade.
Assim como os anteriores, o PNE I e o PNE II,
o novo PNE III e também o SNE apresentam boas intenções, prometem mais
recursos, criam conselhos, sugerem cooperação entre estados e municípios, mas
carecem de objetivos audaciosos e ações concretas que implantem a rede de
escolas públicas para a educação de qualidade para todos. Mantém-se a tradição
de tratar a infância como uma responsabilidade municipal, relegando ao governo
federal e seu ministério o papel de apoiadores. Ainda não incorporaram o lema "criança
é questão federal". Falta-lhes a determinação nacional para levar nosso
sistema educacional ao nível de qualidade equivalente aos melhores do mundo e
com plena equidade para todos brasileiros.
Além da recusa em assumir a educação básica
como responsabilidade federal, persiste a preferência por boas intenções, em
vez de ações que conduzam a um salto real em qualidade e equidade. É difícil
entender a opção por repetir intenções sem os instrumentos executivos
necessários para cumpri-las. Seria mais efetivo optar por expandir para todo o
Brasil as escolas federais de educação básica que já apresentam qualidade
satisfatória. Em vez de mais planos e leis para cooperação entre entes
federativos, o país executaria estratégia clara: ampliar o número de escolas federais
até formar um verdadeiro sistema único federal de educação básica.
Mesmo sem considerar o potencial das novas
tecnologias para reduzir custos, nem levando em conta a queda na taxa de
natalidade — que reduzirá o número de alunos dos atuais 50 milhões para cerca
de 38 a 40 milhões nas próximas décadas —, o custo para oferecer uma educação
de qualidade em escolas federais teria um valor até 50% superior ao atual gasto
disperso em quase 6 mil sistemas municipais e estaduais. Considerando uma taxa
de crescimento da economia em 2% ao ano, ao final do período de execução da
estratégia de federalização esse custo representaria menos de 7% do PIB —
abaixo portanto dos 10% estipulados pelo PNE II.
Essa estratégia é viável financeiramente e
poderia ser implementada gradualmente, por meio de blocos de cidades que
optassem por substituir todas as suas escolas municipais por instituições
federais.
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