Folha de S. Paulo
Entre ilusões coloniais e cálculos políticos,
palestinos continuam à espera de que acordo possa desbloquear futuro
Conjunto de pontos tem lacunas em sua
implementação e, em cada uma delas, uma hipótese de o fazer descarrilar
Por um lado, a situação em
Gaza é tão desesperadora que dá vontade de acreditar em
qualquer nesga de uma solução, por rebuscada que seja. Por outro lado, não
deixa de espantar ver líderes mundiais, em particular aqui na Europa, fazer de
conta que existe um plano de Donald Trump para
Gaza minimamente credível.
"Sim, por favor, qualquer coisa que pare com a matança", diz o coração. A memória, desafortunadamente, tem obrigação de desconfiar.
O que Trump
apresenta para Gaza assemelha-se aos esquemas mais insólitos do
colonialismo do século 19, no tempo dos protetorados ou dos domínios pessoais.
Que Gaza passe a ser ocupada por uma força internacional, gerida por um
conselho de celebridades políticas, sob tutela do próprio Trump, sem condições
claras para qualquer autogoverno por palestinos, já para não falar
de calendário para vir a fazer parte do território da Palestina numa
solução de dois Estados, e que uma parte do mundo ache que isto é um início de
acordo, só nos indica como o século 21 vai ficando cada vez mais longe de
qualquer relação com o sistema internacional herdado da Segunda Guerra Mundial.
Estamos agora no puro domínio do arbitrário.
O que justificará a aparência de
credibilidade emprestada a este plano, uma semana depois do discurso delirante
de Trump na Assembleia-Geral
das Nações Unidas? Cada ator tem uma motivação diferente. O
primeiro-ministro de Israel, Binyamin
Netanyahu, gosta de se apresentar como se estivesse no comando da
situação, e por isso comunica o plano como sendo israelo-americano,
provavelmente à espera que no regresso ao seu país os seus parceiros de governo
acabem por sabotá-lo.
Os líderes europeus
evitam antagonizar Trump e pretendem talvez influenciar o
plano, aproximando-o das propostas de franceses e sauditas para o envolvimento
da Liga Árabe e para uma solução de dois Estados. Os palestinos esperam que a
libertação dos seus prisioneiros possa ajudar a desbloquear a sua própria
situação política. Por outro lado, a extrema
direita israelense e o Hamas,
que é o seu equivalente funcional, podem sempre preferir que o outro lado
rejeite o plano antes de terem de ser eles a fazê-lo.
Crucial, como sempre, é a posição de
Netanyahu. Para alguns, aquilo que Netanyahu mais quer é manter-se no poder e
evitar ser julgado pelos tribunais do seu país, que poderão
condená-lo por corrupção. Para outros, aquilo que Netanyahu mais
quer é manter-se fiel à visão que o anima desde a sua juventude, de procurar
por todos os meios impedir que
os palestinos tenham o seu próprio Estado.
Para mim, aquilo que Netanyahu mais quer é
evitar ter de escolher entre as duas opções anteriores. Por isso navegar o
plano de Trump parece ser a forma mais viável de comprar tempo por agora.
A triste verdade é que este plano —se
considerarmos que é verdadeiramente um plano, não um improviso— tem demasiados
pontos frágeis e lacunas sobre a sua implementação ao longo do
tempo. Em cada uma delas esconde-se uma hipótese de o fazer descarrilar. A
exaustão pode levar-nos a querer acreditar em qualquer coisa que possa
funcionar. Quem dera a crença bastasse.
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