sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Aprovação do projeto do IR coroa virada de Lula. Por Vera Magalhães

O Globo

Conjunção de fatores levou a Câmara a ficar sem margem para modificar mais a proposta, que deverá ser o carro-chefe da campanha do petista e lhe confere uma marca de governo

A euforia no governo com a aprovação, da forma como se deu na Câmara, do projeto que isenta do pagamento de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil é tamanha que nem as poucas mudanças no texto original parecem preocupar Planalto e Fazenda. Se passar desse jeito também no Senado, estará ótimo para Lula.

A matéria tem importância tão crucial para definir a narrativa do que terá sido o governo Lula 3 que o sentimento predominante no Executivo era até de certa incredulidade com a unanimidade favorável de 493 deputados. Era esperada a aprovação, ainda mais diante da circunstância especialíssima em que se deu a votação da matéria. Mas a realidade superou as expectativas.

O alinhamento de astros que permitiu a seu principal projeto avançar para o Senado coroa, no entendimento de alguns de seus mais próximos interlocutores, a virada que Lula vem experimentando nos últimos dois meses.

A reação começou, por paradoxal que pareça, com o combo tarifaço e sanções aos integrantes do STF e do governo despejado por Donald Trump sobre o Brasil a partir do trabalho do deputado Eduardo Bolsonaro. Isso deu a Lula o discurso da defesa da soberania e do interesse nacional, que se somou à pregação por justiça tributária e promoção dos interesses dos mais pobres que ele havia começado na polêmica do aumento do IOF sobre algumas transações e agora intensificou com o projeto da isenção do IR.

Como se tivesse saído do inferno astral, Lula superou um primeiro semestre desastroso, em que se acumularam desgastes em temas como a desinformação de que taxaria o Pix e as fraudes do INSS, para receber de graça, em alguns casos, a bola para marcar gols importantes para quem vinha perdendo o jogo.

Não foi só o consórcio Trump-família Bolsonaro que deu a Lula a chance de respirar. A Câmara sob Hugo Motta entrou numa espiral de temas desgastantes para o Parlamento, a ponto de até o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, entender que era hora de se dissociar da agenda dos deputados.

A aprovação expressa e unânime do IR, sem mudanças que vinham sendo dadas como certas, se deveu à necessidade de a Casa sair da lona a que tinha sido levada pela própria soberba, por achar que poderia enfiar goela abaixo da sociedade a própria blindagem sem que houvesse reação. A pressão das ruas e do Senado acelerou o calendário do IR, por mais que Motta e o relator da matéria, Arthur Lira, neguem. E aí os dois entraram com aquilo que sabem fazer muito bem quando querem: avançar as matérias sem ninguém atrapalhar.

Outro sinal de que, pelo jeito, o governo Lula deixou para trás seu pior momento foi a maneira como o presidente e os ministros manejaram a vitória: dividindo-a com a Câmara; na verdade, conferindo ao Legislativo o protagonismo por uma matéria que levará a mais dinheiro no bolso de milhões, uma arma eleitoral poderosíssima não só para o presidente candidato à reeleição, mas para o relator e todos aqueles que votaram a favor. Não há lobby que possa se contrapor a dinheiro no bolso do povo, uma lição que esteve esquecida nos últimos anos, em que o país esteve entregue à pauta da polarização política.

Ministros de Lula esperam que a aproximação com Motta resulte numa aliança de longo prazo. Para isso, será crucial a habilidade de Fernando Haddad e da coordenação política para o Senado entender que está na hora de dar um passo atrás e votar a matéria com igual rapidez e sem muitas mudanças em relação ao que veio da Câmara.

Caso reforce os laços com os presidentes das duas Casas do Congresso, que andaram bastante esgarçados até aqui e levaram a diversas derrotas para o governo, Lula poderá estancar a debandada de partidos do governo e atrapalhar a estratégia eleitoral da oposição — esta já bastante tumultuada pelas agruras pessoais de Jair Bolsonaro, que insiste em atrelar o destino de toda a direita ao seu próprio.

 

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