O Globo
Conjunção de fatores levou a Câmara a ficar
sem margem para modificar mais a proposta, que deverá ser o carro-chefe da
campanha do petista e lhe confere uma marca de governo
A euforia no governo com a aprovação, da forma
como se deu na Câmara, do projeto que isenta do pagamento de Imposto de Renda
quem ganha até R$ 5 mil é tamanha que nem as poucas mudanças no texto original
parecem preocupar Planalto e Fazenda. Se passar desse jeito também no Senado,
estará ótimo para Lula.
A matéria tem importância tão crucial para
definir a narrativa do que terá sido o governo Lula 3 que o sentimento
predominante no Executivo era até de certa incredulidade com a unanimidade
favorável de 493 deputados. Era esperada a aprovação, ainda mais diante da
circunstância especialíssima em que se deu a votação da matéria. Mas a
realidade superou as expectativas.
O alinhamento de astros que permitiu a seu principal projeto avançar para o Senado coroa, no entendimento de alguns de seus mais próximos interlocutores, a virada que Lula vem experimentando nos últimos dois meses.
A reação começou, por paradoxal que pareça,
com o combo tarifaço e sanções aos integrantes do STF e do governo despejado
por Donald Trump sobre o Brasil a partir do trabalho do deputado Eduardo
Bolsonaro. Isso deu a Lula o discurso da defesa da soberania e do interesse
nacional, que se somou à pregação por justiça tributária e promoção dos
interesses dos mais pobres que ele havia começado na polêmica do aumento do IOF
sobre algumas transações e agora intensificou com o projeto da isenção do IR.
Como se tivesse saído do inferno astral, Lula
superou um primeiro semestre desastroso, em que se acumularam desgastes em
temas como a desinformação de que taxaria o Pix e as fraudes do INSS, para
receber de graça, em alguns casos, a bola para marcar gols importantes para
quem vinha perdendo o jogo.
Não foi só o consórcio Trump-família
Bolsonaro que deu a Lula a chance de respirar. A Câmara sob Hugo Motta entrou
numa espiral de temas desgastantes para o Parlamento, a ponto de até o
presidente do Senado, Davi Alcolumbre, entender que era hora de se dissociar da
agenda dos deputados.
A aprovação expressa e unânime do IR, sem
mudanças que vinham sendo dadas como certas, se deveu à necessidade de a Casa
sair da lona a que tinha sido levada pela própria soberba, por achar que poderia
enfiar goela abaixo da sociedade a própria blindagem sem que houvesse reação. A
pressão das ruas e do Senado acelerou o calendário do IR, por mais que Motta e
o relator da matéria, Arthur Lira, neguem. E aí os dois entraram com aquilo que
sabem fazer muito bem quando querem: avançar as matérias sem ninguém
atrapalhar.
Outro sinal de que, pelo jeito, o governo
Lula deixou para trás seu pior momento foi a maneira como o presidente e os
ministros manejaram a vitória: dividindo-a com a Câmara; na verdade, conferindo
ao Legislativo o protagonismo por uma matéria que levará a mais dinheiro no
bolso de milhões, uma arma eleitoral poderosíssima não só para o presidente
candidato à reeleição, mas para o relator e todos aqueles que votaram a favor.
Não há lobby que possa se contrapor a dinheiro no bolso do povo, uma lição que
esteve esquecida nos últimos anos, em que o país esteve entregue à pauta da
polarização política.
Ministros de Lula esperam que a aproximação
com Motta resulte numa aliança de longo prazo. Para isso, será crucial a
habilidade de Fernando Haddad e da coordenação política para o Senado entender
que está na hora de dar um passo atrás e votar a matéria com igual rapidez e
sem muitas mudanças em relação ao que veio da Câmara.
Caso reforce os laços com os presidentes das
duas Casas do Congresso, que andaram bastante esgarçados até aqui e levaram a
diversas derrotas para o governo, Lula poderá estancar a debandada de partidos
do governo e atrapalhar a estratégia eleitoral da oposição — esta já bastante
tumultuada pelas agruras pessoais de Jair Bolsonaro, que insiste em atrelar o
destino de toda a direita ao seu próprio.
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