sexta-feira, 3 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Avanço na isenção do IR é vitória política para Lula

Por Folha de S. Paulo

Votação na Câmara mantém a tributação extra dos mais ricos, que, espera-se, evitará perda de receita

É preciso avançar na progressividade dos impostos; popularidade de Lula é maior entre mais pobres, já isentos, e menor nas demais faixas de renda

No projeto do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para elevar a isenção do Imposto de Renda a ganhos mensais até R$ 5.000, o pior que poderia acontecer seria o Congresso Nacional derrubar ou enfraquecer a tributação adicional sobre rendimentos mais altos destinada a manter estável a receita do Tesouro. Isso foi evitado, felizmente, na aprovação do texto pela Câmara dos Deputados.

A despeito de alguns ensaios de resistência por parte da oposição, na quarta-feira (1º) os deputados deram 493 votos favoráveis à medida e nenhum contrário. Com o resultado acachapante, parece provável que o Senado também mantenha a essência da proposta do Executivo. Melhor assim.

Além de ampliar a faixa de isenção do IR, o projeto reduz a cobrança sobre valores até R$ 7.350 mensais —eram R$ 7.000 na versão original. Com essa e outras mudanças, o custo estimado das benesses subiu de 25,8 bilhões para R$ 31,2 bilhões ao ano.

Um governo deficitário e altamente endividado não pode, obviamente, abrir mão desse volume de recursos. Daí ser essencial a compensação por meio de um imposto mínimo de até 10% sobre ganhos a partir de R$ 50 mil mensais, o que também ajuda tornar a tributação mais progressiva e justa. Espera-se que os cálculos oficiais estejam corretos e não haja mesmo perda de receita.

De imediato, o avanço do texto é uma indiscutível vitória política de Lula, que fez da medida uma de suas principais apostas, se não a principal, para a campanha à reeleição no próximo ano.

Atualmente, os rendimentos até R$ 3.036, ou dois salários mínimos, já são isentos do IR, graças a um desconto simplificado aplicado pela Receita Federal. Com seu projeto, portanto, o petista beneficia estratos que não estão na base da pirâmide social, mas tampouco compõem o topo.

As pesquisas do Datafolha mostram que Lula se mantém popular entre os eleitores mais pobres (até dois mínimos, nesse caso considerando a renda familiar), mas suas taxas de reprovação (governo ruim ou péssimo) superam as de aprovação (ótimo ou bom) nas demais faixas de renda.

A oposição, que acumula erros vexatórios recentes como o apoio à PEC da Blindagem e à anistia para condenados por golpismo, não reuniu forças nem argumentos contra a proposta governista. Poupar os mais ricos, como foi aventado, seria apenas uma mostra de irresponsabilidade fiscal.

O mundo político passou longe de um debate aprofundado sobre o tema, dado que resta muito a fazer em busca de um sistema tributário mais progressivo.

No Brasil, a arrecadação pública depende excessivamente de impostos sobre o consumo, que oneram em especial os mais pobres; há subsídios injustificados em favor de regiões e setores influentes no Congresso e no Executivo; o IR tributa de maneira desigual rendimentos equivalentes oriundos do trabalho.

Que a mudança ora a ser aprovada abra caminho para o enfrentamento dessas distorções.

CNH mais flexível

Por Folha de S. Paulo

Projeto que elimina exigência de aulas em autoescolas pode ampliar acesso da população de baixa renda

O custo médio segundo a pasta dos Transportes para obter a CNH gira em torno de R$ 3.000, sendo que 77% do valor é gasto com autoescola

Uma das lições dadas por países desenvolvidos é a de que o Estado tem papel fundamental na regulação do ambiente econômico, mas que excessos nessa atuação tendem a criar reservas de mercado e engessar a atividade, perpetuando desigualdades e embotando a produtividade.

As exigências para obter o documento que autoriza a condução de veículos são exemplo disso, já que, além de meios de mobilidade, carros e motos também são ferramentas de trabalho.

Nesse sentido, a ideia do Ministério dos Transportes de flexibilizar o acesso à Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no país é promissora e recebeu aval de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta semana. O governo abriu consulta pública sobre o projeto, que pode ser aperfeiçoado.

O texto final será avaliado pelo Conselho Nacional de Trânsito, responsável por instituir a medida por meio de resolução.

A proposta elimina a obrigatoriedade de frequentar cursos teóricos e práticos em centros de formação de condutores (CFCs), as autoescolas, nas categorias A e B da CNH. Hoje, 45 horas e 20 horas de aulas, respectivamente, devem ser cumpridas nesses locais.

O estudo da parte teórica poderá ser feito em CFCs ou com material digital disponibilizado gratuitamente; já o da parte prática, em CFCs ou com instrutor credenciado pelo Detran.

Por óbvio, avaliar conhecimentos é mais importante do que obrigar que o aprendizado seja feito num local específico. O texto mantém a exigência das provas, que precisam ser rigorosas em um país com elevada taxa de mortes no trânsito.

Dado que o custo médio estimado pela pasta dos Transportes para obter a CNH gira em torno de R$ 3.000, e que 77% do montante é gasto com autoescola, a flexibilização tem potencial para democratizar o acesso ao documento, ampliando oportunidades de geração de renda —na França, mudança similar de 2015 reduziu o custo em quase 50%.

Ademais, um dos efeitos nefastos de regulações muito rígidas é a ilegalidade. No caso das motos, bastante usadas por estratos pobres para locomoção e trabalho, relatório do governo de 2024 mostra que, dos 34,2 milhões de proprietários do veículo, 17,5 milhões (53,8%) não tinham CNH.

Evidências sugerem que reduzir o peso estatal na permissão para dirigir é capaz de expandir acesso, reduzir gastos de condutores e arejar o ambiente de trocas comerciais. Quanto mais técnico for o projeto, baseado em diagnósticos e experiências, maiores serão as chances de êxito.

Reforma do IR é avanço, mas ainda preserva distorções

Por  O Globo

Aprovação unânime mostra acerto da estratégia política. Falta, contudo, rever regimes especiais

Por unanimidade — com o voto favorável de 493 deputados presentes —, o plenário da Câmara aprovou a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, estipulou taxas menores para quem ganha até R$ 7.350 e impôs alíquotas mínimas de 5% a 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil. A votação unânime foi apresentada como conquista de “justiça social” e representou um esforço dos deputados para compensar o desgaste causado pelo que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chamou de “pautas tóxicas” — caso da malograda PEC da Blindagem, derrubada no Senado.

É evidentemente um avanço que o Parlamento passe enfim a tratar de questões de interesse da população em vez de cuidar apenas da preservação de regalias e privilégios da classe política. O texto da reforma do IR, relatado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), representa sem dúvida um passo correto, na medida em que corrige distorções inaceitáveis na taxação dos brasileiros. Ele cria um mecanismo engenhoso de ajuste das alíquotas na declaração anual de IR, permitindo cobrar mais de quem se beneficia de isenções e regimes especiais. Tratando-se de tema politicamente sensível, não há como deixar de reconhecer que a unanimidade reflete o acerto da alternativa adotada. Mas é preciso pontuar também que ela está longe de alcançar a tão proclamada “justiça tributária” de que o governo e o Congresso têm se vangloriado.

A taxa média paga pelos brasileiros, calculada depois dos descontos permitidos — conhecida como “alíquota efetiva” — sobe à medida que aumenta o rendimento até chegar ao redor de 12% para rendas de R$ 10,6 mil mensais, segundo análise do economista Sérgio Gobetti, do Ipea. A partir daí, para os 5% que mais ganham, cai até por volta de 7%. A reforma beneficiará com isenção e descontos 15,5 milhões de contribuintes de menor renda e compensará os R$ 25,8 bilhões que o governo deixará de arrecadar impondo alíquotas mais justas aos cerca de 150 mil de maior renda, ou menos de 0,1% dos contribuintes. Embora essa compensação seja ainda incerta e a proposta não tenha corrigido toda a tabela do IR, a medida é bem-vinda. Ela toma o cuidado de evitar a sobretaxação de empresários e investidores, criando um limite para a alíquota total paga por sócios de empresas como pessoas físicas e como pessoas jurídicas.

Infelizmente, a reforma ainda fica aquém de corrigir as maiores distorções que tornam a tributação brasileira injusta. Na extensa lista de renúncias fiscais do governo federal — previstas em R$ 544,5 bilhões no Orçamento deste ano, ou 4,8% do PIB —, as maiores são regimes especiais de impostos, como Simples Nacional e Lucro Presumido. Criados originalmente para beneficiar pequenos e médios empresários, eles passaram a ser usados por advogados, médicos, executivos e profissionais de alta renda para reduzir seu nível de tributação. Enquanto no regime do Lucro Real a alíquota efetiva cobrada das empresas é de 22,4% (ou 30,7% para bancos e instituições financeiras), a média é 3,3% no Simples e 10,6% no Lucro Presumido, de acordo com a análise de Gobetti. Repousa hoje aí a maior distorção na tributação da renda brasileira, e a reforma aprovada nada faz para corrigi-la. Ainda que o tema não desperte unanimidade, precisa ser enfrentado pelo Parlamento — assim como todas as renúncias fiscais.

Imagens de policiais furtando mostram por que câmeras devem ser obrigatórias

Por O Globo

Policiais do Bope que se tornaram ladrões em blitz só foram flagrados graças a equipamento na farda

São estarrecedores os diálogos e as imagens de agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) durante ação em 15 de janeiro no Complexo do Alemão, no Rio, revelados pelo blog True Crime, do GLOBO. Ao vasculharem uma residência, eles aproveitam para furtar objetos, enchem mochilas com roupas, tênis e outras peças, e um policial chega a comentar: “Se estivesse com a viatura, levava a JBL”, referindo-se a uma caixa de som. Ao longo da blitz, escolhem roupas, experimentam perfumes, mexem em sapatos, como se estivessem num shopping. A desenvoltura com que subtraem o patrimônio alheio é tanta que um dos PMs diz: “Estou precisando de um PlayStation 5. Se alguém encontrar, me avisa que jogo tudo fora”. Na operação, que tinha como alvo um dos principais fornecedores de armas para a facção Comando Vermelho, os encarregados de zelar pela lei se tornam ladrões.

As imagens da incursão foram captadas por uma câmera corporal por acaso. Um dos agentes que participaram da operação aparentemente se esqueceu de desligar o equipamento. Isso fica claro quando um morador da casa pergunta se estavam gravando, e eles respondem que não. Acabaram fornecendo sem querer a prova do próprio crime e do comportamento reprovável de integrantes da famosa tropa de elite fluminense. Segundo a PM, a investigação da Corregedoria sobre o caso já foi concluída e enviada ao Ministério Público. Depois que a reportagem foi publicada, a PM anunciou o afastamento dos oito policiais. Eles cumprirão atividades administrativas enquanto aguardam o processo.

Por mais insólito que possa parecer, não se trata de fato inédito. Em 2024, imagens de câmeras corporais mostraram PMs do Rio achacando comerciantes de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, no episódio que ficou conhecido como “tour da propina”. Às sextas-feiras, em horário de serviço, os agentes usavam as próprias viaturas para ir a estabelecimentos comerciais pegar dinheiro ou mercadorias como frutas ou cerveja. Apesar de usarem câmeras corporais, acreditavam que não seriam flagrados, uma vez que tentavam danificar o equipamento.

O episódio do Alemão comprova mais uma vez por que o uso das câmeras nas fardas deve ser obrigatório. Elas servem não apenas para expor desvios da polícia, mas também para inocentar os policiais de falsas acusações. É claro que o mau comportamento exibido pelos policiais que viraram ladrões não representa a imensa maioria da PM do Rio, corporação cujos integrantes arriscam a vida diariamente em defesa da sociedade — e muitos tombam em meio à guerra diária com os criminosos. Mas não deixa de ser constrangedor que a tropa de elite da PM tenha em suas fileiras agentes que não honram a própria farda. Não se trata de questão de treinamento. Ninguém precisa dizer a um policial que ele não pode se apropriar do que não lhe pertence. O mínimo que se espera é que seja o primeiro a respeitar a lei.

Após um ajuste correto no IR, União tem de corrigir os gastos

Por Valor Econômico

O maior desafio continua sendo o de conter os gastos e o endividamento público

A inédita concordância de todos os deputados presentes (493) à sessão de quarta-feira da Câmara ao votarem a favor da proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil não se deveu tanto às virtudes da proposta, mas até certo ponto à sua necessidade óbvia. Há uma década as faixas do IR não são corrigidas. Quando o foram, nos governos petistas, o percentual aplicado foi, na maior parte dos casos, inferior ao IPCA. Cálculos do Dieese, financiado pelos sindicatos, apontaram que a correção inflacionária da tabela desde o início do Plano Real até 2024 cravaria a isenção na faixa de quem ganha até R$ 5.753. O número redondo (R$ 5 mil) se adequou a um slogan eleitoral, propagado desde a campanha eleitoral de 2022, quando Lula foi eleito.

Para se igualar à inflação, as faixas de contribuição do imposto sobre a renda deveriam ser reajustadas em 155%. A aprovação unânime pela Câmara dos Deputados faz que, com a isenção aprovada, mais 15,5 milhões de contribuintes se somem ao contingente de 10,1 milhões de declarantes que não pagaram o imposto, de um total de 42,4 milhões que acertaram suas contas com a Receita Federal no ano passado — agora são 60% dos contribuintes nesta condição.

Segundo o Ministério da Fazenda, a perda de arrecadação decorrente da isenção será compensada pelo aumento da taxação de 141,4 mil pessoas, ou 0,14% dos contribuintes, que hoje recolhem cerca de 2,54% de alíquota efetiva média, muito inferior à dos que pagam os demais contribuintes, em torno de 15%. Haverá um imposto mínimo de 10%, em uma escala a partir dos rendimentos totais, financeiros, inclusive dividendos, de propriedades e do trabalho, acima de R$ 600 mil (R$ 50 mil mensais), em uma escala de 0,8% até 10% para renda anual de R$ 1,2 milhão.

O governo correu o risco de perder receitas caso os deputados aceitassem aprovar a isenção mas não as contrapartidas em receitas. O relator Arthur Lira (PP-AL) só aceitou três de quase uma centena de emendas, e, na votação, nem mesmo a oposição bolsonarista, aglutinada no PL, quis sofrer desgaste político se contrapondo a um projeto claramente popular. Serão abatidas na hora do cálculo do imposto as aplicações financeiras isentas e com tributação exclusiva, caso de LCAs, LCIs, CRAs, CRIs e outros títulos. Essas deduções já constavam do projeto original do governo.

Lira também driblou uma manobra esperta de bolsonaristas e partidos do centrão, que queriam trazer para o projeto do IR as propostas de taxação desses mesmos títulos e de dividendos, inscritas na MP que vence dia 8 de outubro e que foi editada com o objetivo de compensar a derrubada do IOF. Como já haveria aumento do IR para faixas de renda mais alta, seria mais fácil amortecer o aumento de tributação nos títulos antes isentos.

A tributação dos títulos continua por um fio. Em 7 de outubro a Câmara votará a MP, que perderá validade no dia seguinte. O detalhe é que houve aumento do IOF, validado pelo Supremo Tribunal Federal, mas sua compensação continua tramitando em um pacote com o qual o governo espera aumentar a arredação em mais R$ 21 bilhões no ano que vem e que já consta do PLO de 2026.

Para fins eleitorais, o governo juntou na demanda por justiça tributária duas coisas diferentes. Uma é a subtributação das camadas de mais alta renda em relação às demais, uma iniquidade que pede correções progressivas e que poderá agora ser atacada diretamente. A solução desse problema não implica o aumento da isenção do IR, que só ocorreu depois que todos os governos anteriores, inclusive os petistas, na ânsia de arrecadar mais, deixaram de corrigiram a tabela do IR. Sem a correção justa, camadas de baixa renda que seriam isentas passaram a pagar imposto e as demais a subirem na escala das alíquotas por efeito inflacionário, e não de elevação efetiva da renda.

A maior injustiça tributária não está, porém, no IR. Em nota técnica, o Dieese mostra que os impostos diretos consomem 3,1% da renda dos 10% mais pobres e 10,6% dos 10% mais ricos. Mas os primeiros dispendem 23,4% de sua renda bruta com impostos indiretos, enquanto os últimos apenas 8,6% dela. A conclusão é que é essencial uma reforma tributária “que promova maior justiça fiscal, reduzindo a carga sobre o consumo e aumentando a incidência sobre a renda e o patrimônio, garantindo assim um sistema mais equitativo e eficiente para o desenvolvimento do país”.

O Senado deve aprovar sem surpresas a isenção do IR, sem que o governo perca receitas. O maior desafio, porém, continua sendo o de conter os gastos e o endividamento, que jogaram a inflação para longe da meta e elevaram os juros para combatê-la e para garantir a rolagem de uma dívida que cresce sem parar. Com dificuldades para cumprir sua meta neste e no próximo ano, o governo deveria abster-se de lançar novos programas eleitoreiros, que o afastarão cada vez mais de resultado positivo nas contas públicas, meio correto para garantir a estabilidade econômica e perseguir a justiça distributiva.

Lula ganha sua bandeira eleitoral

Por O Estado de S. Paulo

Projeto que aumenta isenção de IR é aprovado por unanimidade na Câmara, porque ninguém seria besta de se opor, mas está longe de ser o necessário para uma verdadeira justiça tributária

É raro ver um projeto passar pela Câmara dos Deputados sem um único voto contrário. Logo, a aprovação, pela Câmara, da proposta que isenta a cobrança do Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil mensais e que estabelece um imposto mínimo de 10% sobre a alta renda é, sem dúvida, uma vitória e tanto do governo Lula da Silva.

Por seu caráter populista, o aval à isenção era bola cantada na Câmara, mas os 493 votos favoráveis ao texto impressionam. Nem mesmo o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, ousou se posicionar contra a proposta, algo que evidenciou a falta de estratégia de uma oposição que, há menos de quatro meses, derrubou um decreto presidencial de Lula sem qualquer dificuldade, o que não ocorria desde 1992.

Decerto, a um ano da eleição, o receio de ser espancado pelas urnas pesou, mas esse aspecto, sozinho, não explica o que ocorreu nesta semana. Fato é que a maré virou para Lula da Silva, que saiu de uma crise que parecia insolúvel e interminável com uma bandeira política a ser explorada à exaustão na disputa pela reeleição no ano que vem.

Ao investir no discurso que opõe ricos e pobres, Sidônio Palmeira, dublê de marqueteiro e ministro da Secretaria de Comunicação Social, pavimentou o caminho para a aprovação do projeto. Mas, se a isenção era palatável aos deputados, a dúvida residia sobre a taxação da alta renda, à qual a oposição resistia. O risco de que a renúncia fiscal passasse sem que houvesse compensação de suas perdas não era trivial, o que seria um desastre para as contas públicas.

Fato é que a estratégia funcionou, e o governo se beneficiou do erro crasso que a Câmara cometeu há duas semanas, ao aprovar a vergonhosa PEC da Bandidagem. Depois que o Senado decidiu arquivá-la após milhares de pessoas irem às ruas para protestar, os deputados precisavam de uma forma rápida e segura de limpar sua barra.

Nesse sentido, um projeto que beneficiará 16 milhões de contribuintes com isenção ou desconto de imposto caiu como uma luva – ninguém seria besta de se opor. Dito isso, Lula tem muito a agradecer ao ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). Relator do projeto e responsável por articular apoio à proposta, ele fez poucas alterações no texto, mantendo a essência do que a equipe econômica defendia, a despeito da posição de enfrentamento que seu partido tem assumido contra o governo.

Profundo conhecedor do Regimento Interno, que utiliza como ninguém para tratorar adversários, e famoso por fazer acordos cujos termos pouco ou nada se sabe, Lira mostrou o quanto Lula, muito a contragosto, ainda depende de sua liderança. Ademais, expôs a fraqueza de Hugo Motta (Republicanos-PB), que continua a viver sob sua sombra, como mostram as imagens da Mesa Diretora ao longo da votação.

O texto ainda precisa passar pelo Senado para entrar em vigor em 2026, mas, por lá, a vida do governo deve ser tranquila. Na semana passada, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado já havia aprovado um projeto de teor muito semelhante em caráter terminativo justamente para pressionar a Câmara. Não por acaso, o texto foi relatado por Renan Calheiros (MDB-AL), adversário de Lira em Alagoas.

Tantos apoios fazem parecer que o texto era realmente capaz de promover justiça tributária num país tão desigual quanto o Brasil. Mas a proposta, longe de ser uma reforma do Imposto de Renda, não passa de um puxadinho construído para sobreviver apenas à disputa eleitoral.

Como já dissemos neste espaço, o correto teria sido atualizar a tabela do Imposto de Renda, congelada desde 2014, aumentar as faixas de tributação e, sobretudo, retomar a tributação sobre lucros e dividendos, extinta desde 1996.

Não que fosse um objetivo fácil, haja vista que tentativas anteriores naufragaram no Congresso durante as administrações de Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas a tributação de lucros e dividendos é praticada pela imensa maioria dos países civilizados do mundo.

Faltaram ambição ao governo e coragem ao Congresso para fazer algo que seria realmente capaz de tornar a carga tributária brasileira mais justa e progressiva. Sobrou demagogia.

A leniência que alimentou o PCC

Por O Estado de S. Paulo

Lincoln Gakiya tem razão: SP fracassou em conter o PCC. De Taubaté à Faria Lima, a facção se consolidou como máfia pela negligência, quando não cumplicidade, de agentes públicos paulistas

O promotor Lincoln Gakiya, uma das autoridades mais respeitadas quando se fala em combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC), foi direto em sua avaliação perante a Comissão Especial sobre as Competências Federativas em Segurança Pública, na Câmara dos Deputados. Ao afirmar, no dia 23 passado, que São Paulo “fracassou” na contenção da organização criminosa e precisa fazer um mea culpa, Gakiya disse em alto e bom som aquilo que os fatos já demonstram há muito tempo: seja por incompetência, seja por cumplicidade de seus agentes, o Estado não soube cortar o mal pela raiz. E o resultado, concluiu o promotor, foi a criação da “primeira máfia do Brasil”.

De fato, é incontornável reconhecer a responsabilidade do Estado de São Paulo no fortalecimento do PCC nas últimas três décadas. Um bando formado após uma briga de futebol, no início dos anos 1990, por um punhado de detentos numa penitenciária do interior paulista decerto não se tornaria esta hidra mortal se o poder público, à época, não tivesse sido tão negligente ao permitir que a facção prosperasse intramuros. Tivesse sido esmagado a tempo, o PCC jamais teria sido capaz de atingir um nível de sofisticação delitiva que mobiliza cerca de 40 mil criminosos e fatura bilhões de reais por ano explorando não apenas o tráfico internacional de drogas e outras atividades criminosas, mas, sobretudo, cadeias produtivas inteiras na economia formal, como revelou a Operação Carbono Oculto.

A superlotação de presídios, a falta de monitoramento de lideranças e a corrupção de agentes públicos ofereceram terreno fértil para que o PCC crescesse. Mas tudo isso, na escala inicial, poderia facilmente ter sido controlado, em particular por São Paulo, o Estado mais rico e supostamente mais bem preparado do País para enfrentar o crime organizado. Mas, a cada avanço do PCC, a cada crise na área de segurança pública, sucessivos governos minimizaram a dimensão do problema. Em 2005, o então governador Geraldo Alckmin chegou a declarar que o PCC estava “extinto” como facção criminosa “estruturada”. Pouco depois, em maio de 2006, São Paulo ficou de joelhos após a facção deflagrar um surto de violência, mostrando que o PCC não só existia, como era bem audacioso.

O erro de avaliação repetiu-se em outras ocasiões, o que, naturalmente, refletiu-se na formulação de políticas públicas. Durante a campanha de 2018, o mesmo Alckmin, à época o candidato tucano à Presidência da República, afirmara em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, que o PCC, ora vejam, não comandava o crime organizado de dentro dos presídios paulistas. “Isso aí são coisas que vão sendo repetidas e acabam virando verdade”, disse Alckmin na ocasião. A realidade, mais uma vez, mostrou-se cruel.

Hoje, o PCC é um “problema instalado”, como constatou Gakiya. Já é uma máfia de perfil empresarial. A citada Operação Carbono Oculto revelou o grau de infiltração do PCC em negócios aparentemente legítimos, como o de combustíveis, lavando e multiplicando bilhões de reais por meio de fintechs e gestoras de investimento instaladas em plena Avenida Faria Lima, o centro nervoso do sistema financeiro nacional. Isso, por si só, confirma que o problema deixou de estar circunscrito à segurança pública: o PCC é uma ameaça estrutural ao Estado Democrático de Direito e à economia brasileira. A presença das organizações criminosas na política institucional está sobejamente demonstrada.

O País, portanto, não pode mais se dar ao luxo de errar nem de permitir retrocessos institucionais que agravem o problema. Por sorte, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado cumpriu sua obrigação e enterrou a chamada PEC da Bandidagem, que pretendia blindar parlamentares de investigações e ações criminais. Se promulgado, esse despautério criaria uma casta de inimputáveis, oferecendo abrigo político para membros de facções como o PCC ampliarem seu poder de ação no Congresso.

Em que pese o atraso, ainda é possível corrigir rumos e enfraquecer o poder do PCC e de outras organizações criminosas, como demonstram as recentes operações baseadas em cooperação federativa, espírito público de servidores abnegados e rigor institucional. Basta que o mea culpa sugerido por Gakiya não fique no plano retórico.

O silêncio do Brasil

Por O Estado de S. Paulo

Lula demora a se pronunciar oficialmente sobre o plano de Trump para Gaza, apoiado até pelo papa

Na ONU, o presidente Lula da Silva foi ovacionado ao discursar de maneira contundente, entre outros temas, contra a ação de Israel em Gaza. Mas, quando se abriu a primeira janela de paz real para Gaza, o petista calou-se. Grande na tribuna, pequeno na ação.

Na segunda-feira, o presidente americano, Donald Trump, apresentou a proposta mais abrangente até agora para solucionar o conflito. Aceita por Israel, ela responde consistentemente a duas questões cruciais: como encerrar o combate, com a devolução imediata dos reféns israelenses, e como organizar a reconstrução e a governança de Gaza com vistas à criação de um Estado palestino. Seria de esperar que Lula abraçasse efusivamente a oportunidade. Mas, pelo jeito, ele prefere perorar sobre o “genocídio” a encerrá-lo.

Na quarta-feira, numa comunicação em audiência na Câmara, o chanceler Mauro Vieira fez longas recriminações a Israel, mas não citou o plano. Segundo apuração de O Globo, a diretriz era esperar a posição do Hamas, o que seria condicionar a reação oficial do Brasil ao veredicto de um grupo terrorista. Questionado pelos deputados, Vieira se resignou a dizer que estava “acompanhando” o plano e pretendia “aplaudi-lo”. Quando este editorial foi ao prelo, a única nota recente do Itamaraty sobre o conflito era uma condenação a Israel por impedir uma flotilha de ativistas pró-palestinos de chegar a Gaza a pretexto de entregar ajuda humanitária.

Quando o governo se dignou a tomar conhecimento da proposta – segundo Vieira, na tarde de 30/9, mais de 24 horas após ser lançada –, ela já fora endossada, com ofertas de apoio, pela Autoridade Palestina, por grandes nações islâmicas e ocidentais, por potências como China, Rússia e Índia, por organismos multilaterais como a ONU e por lideranças religiosas, como o papa. Enquanto o Hamas sofre pressão máxima do mundo – incluindo patronos como Catar e Turquia –, o governo que se gaba de ser voz “ativa e altiva” no “Sul Global” silencia.

Assim como Lula nunca desce do palanque no Brasil, nunca desce do púlpito fora dele. Eis a diplomacia reduzida a espetáculo de autopromoção: verborrágica ao posar de tribuno anti-imperialista, mas titubeante quando os fatos exigem pragmatismo; indignada contra Israel, mas condescendente com Hamas, Irã ou Hezbollah; furiosa ao cobrar protagonismo, mas tímida quando pode ser protagonista. O multilateralismo é exaltado na teoria e descartado na prática, justamente quando uma articulação internacional se materializa.

Para Lula, o desfecho do drama importa menos que o figurino dos atores. Se os “fascistas” Trump e o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, rubricam a embalagem do remédio, para Lula ele vira veneno.

Enquanto o mundo desperta e pressiona o Hamas a escolher entre a rendição que pode alicerçar um futuro digno para Gaza ou a imolação que pode soterrá-lo, Lula hesita. Quem mais perde não é Trump nem Netanyahu: são os palestinos, mantidos como peças num tabuleiro em que Brasília só joga para consumo interno.

De nada servem proclamações “históricas” se, quando a História bate à porta, o Brasil emudece. Esta é a hora em que estadistas trocam aplausos por ações. Mas a diplomacia lulista não se guia por avanços no terreno, só por flashes no palco. O resto é silêncio.

Saúde mental: mais demanda e resposta fragmentada

Por Correio Braziliense

A demanda por cuidados aumentou nos últimos anos, mas persistem obstáculos como os estigmas e as respostas públicas fragmentadas.

A saúde mental no Brasil, de maneira geral, atravessa uma encruzilhada: a demanda por cuidados aumentou nos últimos anos, mas persistem obstáculos como os estigmas e as respostas públicas fragmentadas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1 bilhão de pessoas vivem com transtornos mentais no planeta, sendo a depressão e a ansiedade os problemas mais prevalentes — uma realidade que se reflete com intensidade no Brasil. 

A prevalência de depressão ao longo da vida acomete em torno de 15,5% da população brasileira, uma das  maiores taxas na América Latina. A pandemia da covid-19 e o cenário econômico agravaram o sofrimento psíquico, elevando a procura por serviços e o uso de medicamentos psicotrópicos, avaliam especialistas. 

Segundo o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), de 2013 a 2023, a ingestão desses fármacos aumentou mais de 50% e o atendimento psicossocial em unidades do SUS dobrou. Ainda assim, há municípios sem cobertura adequada e filas para atendimento especializado, o que empurra pessoas para a esfera privada ou para o uso inadequado de medicamentos.

No mesmo período, a quantidade de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) cresceu significativamente: 42,7%, chegando a 3.343 estabelecimentos. A presença de psicólogos no SUS, porém, não acompanhou o mesmo ritmo, com a concentração de profissionais diminuindo de 66,8% para 53,1% na década avaliada.

No campo legislativo, há uma movimentação significativa. Projetos que visam ampliar o acesso à atenção pós-pandemia (PL 311/2024), estabelecer diretrizes de saúde mental no trabalho (PL 1.152/2025) e normatizar abordagens policiais humanizadas a pessoas em crise mental (PL 922/2024) estão em tramitação — reflexo de uma agenda pública que começa a reconhecer dimensões sanitárias, laborais e de segurança associadas à saúde mental. A efetividade dependerá da dotação orçamentária, da formação de equipes multiprofissionais e da articulação intersetorial.

No plano laboral e social, o preconceito persiste. Pessoas com transtornos mentais frequentemente enfrentam discriminação nas relações de trabalho: desde dificuldades de contratação e promoção até estigmatização que as expõe a condições de assédio moral e perda de renda. O aumento recente de afastamentos por motivos de saúde mental — dados de 2024 mostram que o país registrou mais de 472 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais, sendo o maior contingente desde 2014, quando esse número alcançou pouco mais de 221 mil registros — revela tanto um maior reconhecimento dos transtornos quanto o custo social e econômico do tratamento inadequado. 

No próximo dia 10, será celebrado o Dia Mundial da Saúde Mental. Fica a reflexão: os principais gargalos são o financiamento insuficiente e a má distribuição de recursos; o deficit de profissionais e a necessidade de capacitação em atenção comunitária; e, por último, o estigma estrutural que perpassa serviços de saúde, trabalho e justiça/segurança pública.

Uma vitória da cidadania

Por O Povo (CE)

Votar projetos de interesse da sociedade, como o da isenção do IR para rendas até R$ 5 mil, eleva a respeitabilidade do Congresso Nacional

A "polarização" no Congresso Nacional não resistiu a uma proposta que vai beneficiar mais de 26 milhões de brasileiros, injustiçados pela tabela da Receita Federal, que favorece os contribuintes de maior renda.

Em raro caso de unanimidade, a Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade o projeto de lei que amplia a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Entre esse valor, até R$ 7.350, haverá redução da alíquota. Nenhum deputado quis expor-se votando contra um projeto, que ganhou a simpatia popular e fará justiça a um segmento majoritário dos contribuintes.

Desde a apresentação da proposição, em março deste ano, críticos da proposta diziam-se a favor, porém com ressalvas. Acusavam o governo de "criar mais impostos", com a taxação dos super-ricos, sugerindo que os recursos para compensar a queda da arrecadação para compensar a isenção deveriam vir do corte de gastos.

No entanto, esses argumentos sucumbiram, devido à pressão popular, e a proposta foi aprovada basicamente da forma apresentada pelo governo. Para compensar a queda de arrecadação, os contribuintes com renda acima de R$ 600 mil por ano passarão a pagar uma alíquota maior de impostos.

A aprovação por unanimidade serviu também para aliviar a péssima imagem da Câmara, após a aprovação da PEC da Blindagem, que tornava extremamente difícil iniciar uma ação penal contra parlamentares. A PEC foi arquivada no Senado, deixando o desgaste para a Câmara. Desta vez, os deputados preferiram não arriscar, pois a isenção seguirá também para o Senado, onde não encontrará dificuldades para ser aprovada.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que andava com a autoridade questionada, aproveitou para firmar-se. Atribuiu a "vitória" à "liderança firme" e à "capacidade de articulação", demonstrando, na visão dele, que o Congresso Nacional "é capaz de promover mudanças que impactam positivamente a vida de todos".

O resultado agradou bastante o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois conseguiu emplacar uma de suas principais promessas de campanha. Assim, ele não quis briga com ninguém.

Comemorou o resultado como "uma vitória em favor da justiça tributária e do combate à desigualdade no Brasil". Na sequência, elogiou Motta e Arthur Lira (PP-AL), relator do projeto, estendendo o cumprimento a todos os deputados, por terem dado que ele chamou de "passo histórico".

São projetos assim, que interessam à sociedade, que elevam a respeitabilidade do Congresso Nacional. Que seja um exemplo para que deputados e senadores "olhem para fora", reprimindo o corporativismo que muitas vezes toma o lugar de assuntos importantes e urgentes.

A aprovação deste projeto, portanto, foi uma vitória da cidadania.

 

 


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