Avanço na isenção do IR é vitória política para Lula
Por Folha de S. Paulo
Votação na Câmara mantém a tributação extra
dos mais ricos, que, espera-se, evitará perda de receita
É preciso avançar na progressividade dos
impostos; popularidade de Lula é maior entre mais pobres, já isentos, e menor
nas demais faixas de renda
No projeto do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
para elevar a isenção do Imposto de
Renda a ganhos mensais até R$ 5.000, o pior que poderia
acontecer seria o Congresso
Nacional derrubar ou enfraquecer a tributação adicional sobre
rendimentos mais altos destinada a manter estável a receita do Tesouro. Isso
foi evitado, felizmente, na aprovação do texto pela Câmara dos
Deputados.
A despeito de alguns ensaios de resistência
por parte da oposição, na quarta-feira (1º) os deputados deram 493
votos favoráveis à medida e nenhum contrário. Com o resultado
acachapante, parece provável que o Senado também
mantenha a essência da proposta do Executivo. Melhor assim.
Além de ampliar a faixa de isenção do IR, o projeto reduz a cobrança sobre valores até R$ 7.350 mensais —eram R$ 7.000 na versão original. Com essa e outras mudanças, o custo estimado das benesses subiu de 25,8 bilhões para R$ 31,2 bilhões ao ano.
Um governo deficitário e altamente endividado
não pode, obviamente, abrir mão desse volume de recursos. Daí ser essencial a
compensação por meio de um imposto mínimo de até 10% sobre ganhos a partir de
R$ 50 mil mensais, o que também ajuda tornar a tributação mais progressiva e
justa. Espera-se que os cálculos oficiais estejam corretos e não haja mesmo
perda de receita.
De imediato, o avanço do texto é uma
indiscutível vitória política de Lula, que fez da medida uma de suas principais
apostas, se não a principal, para a campanha à reeleição no próximo ano.
Atualmente, os rendimentos até R$ 3.036, ou
dois salários mínimos, já são isentos do IR, graças a um desconto simplificado
aplicado pela Receita
Federal. Com seu projeto, portanto, o petista beneficia estratos que
não estão na base da pirâmide social, mas tampouco compõem o topo.
As pesquisas do Datafolha mostram que Lula se
mantém popular entre os eleitores mais pobres (até dois mínimos, nesse caso
considerando a renda familiar), mas suas taxas de reprovação (governo ruim ou
péssimo) superam as de aprovação (ótimo ou bom) nas demais faixas de renda.
A oposição, que acumula erros
vexatórios recentes como o apoio à PEC da Blindagem e à anistia
para condenados por golpismo, não reuniu forças nem argumentos contra a
proposta governista. Poupar os mais ricos, como foi aventado, seria apenas uma
mostra de irresponsabilidade fiscal.
O mundo político passou longe de um debate aprofundado
sobre o tema, dado que resta muito a fazer em busca de um sistema tributário
mais progressivo.
No Brasil, a arrecadação pública depende
excessivamente de impostos sobre o consumo, que oneram em especial os mais
pobres; há subsídios injustificados em favor de regiões e setores influentes no
Congresso e no Executivo; o IR tributa de maneira desigual rendimentos
equivalentes oriundos do trabalho.
Que a mudança ora a ser aprovada abra caminho
para o enfrentamento dessas distorções.
CNH mais flexível
Por Folha de S. Paulo
Projeto que elimina exigência de aulas em
autoescolas pode ampliar acesso da população de baixa renda
O custo médio segundo a pasta dos Transportes
para obter a CNH gira em torno de R$ 3.000, sendo que 77% do valor é gasto com
autoescola
Uma das lições dadas por países desenvolvidos
é a de que o Estado tem papel fundamental na regulação do ambiente econômico,
mas que excessos nessa atuação tendem a criar reservas de mercado e engessar a
atividade, perpetuando desigualdades e embotando a produtividade.
As exigências para obter o documento que
autoriza a condução de veículos são exemplo disso, já que, além de meios de
mobilidade, carros e motos também são ferramentas de trabalho.
Nesse sentido, a ideia do Ministério dos
Transportes de flexibilizar
o acesso à Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no país é
promissora e recebeu aval de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
nesta semana. O governo abriu
consulta pública sobre o projeto, que pode ser aperfeiçoado.
O texto final será avaliado pelo Conselho
Nacional de Trânsito,
responsável por instituir a medida por meio de resolução.
A proposta elimina a obrigatoriedade de
frequentar cursos teóricos e práticos em centros de formação de condutores
(CFCs), as autoescolas, nas categorias A e B da CNH. Hoje, 45 horas e 20 horas
de aulas, respectivamente, devem ser cumpridas nesses locais.
O estudo da parte teórica poderá ser feito em
CFCs ou com material digital disponibilizado gratuitamente; já o da parte
prática, em CFCs ou com instrutor credenciado pelo Detran.
Por óbvio, avaliar conhecimentos é mais
importante do que obrigar que o aprendizado seja feito num local específico. O
texto mantém a exigência das provas, que precisam ser rigorosas em um país com
elevada taxa de mortes no trânsito.
Dado que o custo médio estimado pela pasta
dos Transportes para obter a CNH gira em torno de R$ 3.000, e que 77% do
montante é gasto com autoescola, a flexibilização tem potencial para
democratizar o acesso ao documento, ampliando oportunidades de geração de renda
—na França,
mudança similar de 2015 reduziu o
custo em quase 50%.
Ademais, um dos efeitos nefastos de
regulações muito rígidas é a ilegalidade. No caso das motos, bastante usadas
por estratos pobres para locomoção e trabalho, relatório do governo de 2024
mostra que, dos 34,2 milhões de proprietários do veículo, 17,5 milhões (53,8%)
não tinham CNH.
Evidências sugerem que reduzir o peso estatal na permissão para dirigir é capaz de expandir acesso, reduzir gastos de condutores e arejar o ambiente de trocas comerciais. Quanto mais técnico for o projeto, baseado em diagnósticos e experiências, maiores serão as chances de êxito.
Reforma do IR é avanço, mas ainda preserva
distorções
Por O Globo
Aprovação unânime mostra acerto da estratégia
política. Falta, contudo, rever regimes especiais
Por unanimidade — com o voto favorável de 493
deputados presentes —, o plenário da Câmara aprovou a isenção de Imposto de
Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, estipulou taxas menores para quem
ganha até R$ 7.350 e impôs alíquotas mínimas de 5% a 10% para quem ganha mais
de R$ 50 mil. A votação unânime foi apresentada como conquista de “justiça
social” e representou um esforço dos deputados para compensar o desgaste
causado pelo que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chamou de
“pautas tóxicas” — caso da malograda PEC da Blindagem, derrubada no Senado.
É evidentemente um avanço que o Parlamento
passe enfim a tratar de questões de interesse da população em vez de cuidar
apenas da preservação de regalias e privilégios da classe política. O texto da
reforma do IR, relatado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL),
representa sem dúvida um passo correto, na medida em que corrige distorções
inaceitáveis na taxação dos brasileiros. Ele cria um mecanismo engenhoso de
ajuste das alíquotas na declaração anual de IR, permitindo cobrar mais de quem
se beneficia de isenções e regimes especiais. Tratando-se de tema politicamente
sensível, não há como deixar de reconhecer que a unanimidade reflete o acerto
da alternativa adotada. Mas é preciso pontuar também que ela está longe de
alcançar a tão proclamada “justiça tributária” de que o governo e o Congresso
têm se vangloriado.
A taxa média paga pelos brasileiros,
calculada depois dos descontos permitidos — conhecida como “alíquota efetiva” —
sobe à medida que aumenta o rendimento até chegar ao redor de 12% para rendas
de R$ 10,6 mil mensais, segundo análise do economista Sérgio Gobetti, do Ipea.
A partir daí, para os 5% que mais ganham, cai até por volta de 7%. A reforma
beneficiará com isenção e descontos 15,5 milhões de contribuintes de menor
renda e compensará os R$ 25,8 bilhões que o governo deixará de arrecadar
impondo alíquotas mais justas aos cerca de 150 mil de maior renda, ou menos de
0,1% dos contribuintes. Embora essa compensação seja ainda incerta e a proposta
não tenha corrigido toda a tabela do IR, a medida é bem-vinda. Ela toma o
cuidado de evitar a sobretaxação de empresários e investidores, criando um
limite para a alíquota total paga por sócios de empresas como pessoas físicas e
como pessoas jurídicas.
Infelizmente, a reforma ainda fica aquém de
corrigir as maiores distorções que tornam a tributação brasileira injusta. Na
extensa lista de renúncias fiscais do governo federal — previstas em R$ 544,5
bilhões no Orçamento deste ano, ou 4,8% do PIB —, as maiores são regimes
especiais de impostos, como Simples Nacional e Lucro Presumido. Criados
originalmente para beneficiar pequenos e médios empresários, eles passaram a
ser usados por advogados, médicos, executivos e profissionais de alta renda
para reduzir seu nível de tributação. Enquanto no regime do Lucro Real a
alíquota efetiva cobrada das empresas é de 22,4% (ou 30,7% para bancos e
instituições financeiras), a média é 3,3% no Simples e 10,6% no Lucro
Presumido, de acordo com a análise de Gobetti. Repousa hoje aí a maior
distorção na tributação da renda brasileira, e a reforma aprovada nada faz para
corrigi-la. Ainda que o tema não desperte unanimidade, precisa ser enfrentado
pelo Parlamento — assim como todas as renúncias fiscais.
Imagens de policiais furtando mostram por que
câmeras devem ser obrigatórias
Por O Globo
Policiais do Bope que se tornaram ladrões em
blitz só foram flagrados graças a equipamento na farda
São estarrecedores os diálogos e as imagens
de agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) durante ação em
15 de janeiro no Complexo do Alemão, no Rio, revelados pelo blog True Crime, do
GLOBO. Ao vasculharem uma residência, eles aproveitam para furtar objetos,
enchem mochilas com roupas, tênis e outras peças, e um policial chega a
comentar: “Se estivesse com a viatura, levava a JBL”, referindo-se a uma caixa
de som. Ao longo da blitz, escolhem roupas, experimentam perfumes, mexem em
sapatos, como se estivessem num shopping. A desenvoltura com que subtraem o
patrimônio alheio é tanta que um dos PMs diz: “Estou precisando de um
PlayStation 5. Se alguém encontrar, me avisa que jogo tudo fora”. Na operação,
que tinha como alvo um dos principais fornecedores de armas para a facção
Comando Vermelho, os encarregados de zelar pela lei se tornam ladrões.
As imagens da incursão foram captadas por uma
câmera corporal por acaso. Um dos agentes que participaram da operação
aparentemente se esqueceu de desligar o equipamento. Isso fica claro quando um
morador da casa pergunta se estavam gravando, e eles respondem que não.
Acabaram fornecendo sem querer a prova do próprio crime e do comportamento
reprovável de integrantes da famosa tropa de elite fluminense. Segundo a PM, a
investigação da Corregedoria sobre o caso já foi concluída e enviada ao
Ministério Público. Depois que a reportagem foi publicada, a PM anunciou o
afastamento dos oito policiais. Eles cumprirão atividades administrativas
enquanto aguardam o processo.
Por mais insólito que possa parecer, não se
trata de fato inédito. Em 2024, imagens de câmeras corporais mostraram PMs do Rio
achacando comerciantes de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, no episódio que
ficou conhecido como “tour da propina”. Às sextas-feiras, em horário de
serviço, os agentes usavam as próprias viaturas para ir a estabelecimentos
comerciais pegar dinheiro ou mercadorias como frutas ou cerveja. Apesar de
usarem câmeras corporais, acreditavam que não seriam flagrados, uma vez que
tentavam danificar o equipamento.
O episódio do Alemão comprova mais uma vez por que o uso das câmeras nas fardas deve ser obrigatório. Elas servem não apenas para expor desvios da polícia, mas também para inocentar os policiais de falsas acusações. É claro que o mau comportamento exibido pelos policiais que viraram ladrões não representa a imensa maioria da PM do Rio, corporação cujos integrantes arriscam a vida diariamente em defesa da sociedade — e muitos tombam em meio à guerra diária com os criminosos. Mas não deixa de ser constrangedor que a tropa de elite da PM tenha em suas fileiras agentes que não honram a própria farda. Não se trata de questão de treinamento. Ninguém precisa dizer a um policial que ele não pode se apropriar do que não lhe pertence. O mínimo que se espera é que seja o primeiro a respeitar a lei.
Após um ajuste correto no IR, União tem de
corrigir os gastos
Por Valor Econômico
O maior desafio continua sendo o de conter os
gastos e o endividamento público
A inédita concordância de todos os deputados
presentes (493) à sessão de quarta-feira da Câmara ao votarem a favor da
proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil não se
deveu tanto às virtudes da proposta, mas até certo ponto à sua necessidade
óbvia. Há uma década as faixas do IR não são corrigidas. Quando o foram, nos
governos petistas, o percentual aplicado foi, na maior parte dos casos,
inferior ao IPCA. Cálculos do Dieese, financiado pelos sindicatos, apontaram
que a correção inflacionária da tabela desde o início do Plano Real até 2024
cravaria a isenção na faixa de quem ganha até R$ 5.753. O número redondo (R$ 5
mil) se adequou a um slogan eleitoral, propagado desde a campanha eleitoral de
2022, quando Lula foi eleito.
Para se igualar à inflação, as faixas de
contribuição do imposto sobre a renda deveriam ser reajustadas em 155%. A
aprovação unânime pela Câmara dos Deputados faz que, com a isenção aprovada,
mais 15,5 milhões de contribuintes se somem ao contingente de 10,1 milhões de
declarantes que não pagaram o imposto, de um total de 42,4 milhões que
acertaram suas contas com a Receita Federal no ano passado — agora são 60% dos
contribuintes nesta condição.
Segundo o Ministério da Fazenda, a perda de
arrecadação decorrente da isenção será compensada pelo aumento da taxação de
141,4 mil pessoas, ou 0,14% dos contribuintes, que hoje recolhem cerca de 2,54%
de alíquota efetiva média, muito inferior à dos que pagam os demais
contribuintes, em torno de 15%. Haverá um imposto mínimo de 10%, em uma escala
a partir dos rendimentos totais, financeiros, inclusive dividendos, de
propriedades e do trabalho, acima de R$ 600 mil (R$ 50 mil mensais), em uma
escala de 0,8% até 10% para renda anual de R$ 1,2 milhão.
O governo correu o risco de perder receitas
caso os deputados aceitassem aprovar a isenção mas não as contrapartidas em
receitas. O relator Arthur Lira (PP-AL) só aceitou três de quase uma centena de
emendas, e, na votação, nem mesmo a oposição bolsonarista, aglutinada no PL,
quis sofrer desgaste político se contrapondo a um projeto claramente popular.
Serão abatidas na hora do cálculo do imposto as aplicações financeiras isentas
e com tributação exclusiva, caso de LCAs, LCIs, CRAs, CRIs e outros títulos. Essas
deduções já constavam do projeto original do governo.
Lira também driblou uma manobra esperta de
bolsonaristas e partidos do centrão, que queriam trazer para o projeto do IR as
propostas de taxação desses mesmos títulos e de dividendos, inscritas na MP que
vence dia 8 de outubro e que foi editada com o objetivo de compensar a
derrubada do IOF. Como já haveria aumento do IR para faixas de renda mais alta,
seria mais fácil amortecer o aumento de tributação nos títulos antes isentos.
A tributação dos títulos continua por um fio.
Em 7 de outubro a Câmara votará a MP, que perderá validade no dia seguinte. O
detalhe é que houve aumento do IOF, validado pelo Supremo Tribunal Federal, mas
sua compensação continua tramitando em um pacote com o qual o governo espera
aumentar a arredação em mais R$ 21 bilhões no ano que vem e que já consta do
PLO de 2026.
Para fins eleitorais, o governo juntou na
demanda por justiça tributária duas coisas diferentes. Uma é a subtributação
das camadas de mais alta renda em relação às demais, uma iniquidade que pede
correções progressivas e que poderá agora ser atacada diretamente. A solução
desse problema não implica o aumento da isenção do IR, que só ocorreu depois
que todos os governos anteriores, inclusive os petistas, na ânsia de arrecadar
mais, deixaram de corrigiram a tabela do IR. Sem a correção justa, camadas de
baixa renda que seriam isentas passaram a pagar imposto e as demais a subirem
na escala das alíquotas por efeito inflacionário, e não de elevação efetiva da
renda.
A maior injustiça tributária não está, porém,
no IR. Em nota técnica, o Dieese mostra que os impostos diretos consomem 3,1%
da renda dos 10% mais pobres e 10,6% dos 10% mais ricos. Mas os primeiros
dispendem 23,4% de sua renda bruta com impostos indiretos, enquanto os últimos
apenas 8,6% dela. A conclusão é que é essencial uma reforma tributária “que
promova maior justiça fiscal, reduzindo a carga sobre o consumo e aumentando a
incidência sobre a renda e o patrimônio, garantindo assim um sistema mais equitativo
e eficiente para o desenvolvimento do país”.
O Senado deve aprovar sem surpresas a isenção do IR, sem que o governo perca receitas. O maior desafio, porém, continua sendo o de conter os gastos e o endividamento, que jogaram a inflação para longe da meta e elevaram os juros para combatê-la e para garantir a rolagem de uma dívida que cresce sem parar. Com dificuldades para cumprir sua meta neste e no próximo ano, o governo deveria abster-se de lançar novos programas eleitoreiros, que o afastarão cada vez mais de resultado positivo nas contas públicas, meio correto para garantir a estabilidade econômica e perseguir a justiça distributiva.
Lula ganha sua bandeira eleitoral
Por O Estado de S. Paulo
Projeto que aumenta isenção de IR é aprovado
por unanimidade na Câmara, porque ninguém seria besta de se opor, mas está
longe de ser o necessário para uma verdadeira justiça tributária
É raro ver um projeto passar pela Câmara dos
Deputados sem um único voto contrário. Logo, a aprovação, pela Câmara, da
proposta que isenta a cobrança do Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil
mensais e que estabelece um imposto mínimo de 10% sobre a alta renda é, sem
dúvida, uma vitória e tanto do governo Lula da Silva.
Por seu caráter populista, o aval à isenção
era bola cantada na Câmara, mas os 493 votos favoráveis ao texto impressionam.
Nem mesmo o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, ousou se posicionar
contra a proposta, algo que evidenciou a falta de estratégia de uma oposição
que, há menos de quatro meses, derrubou um decreto presidencial de Lula sem
qualquer dificuldade, o que não ocorria desde 1992.
Decerto, a um ano da eleição, o receio de ser
espancado pelas urnas pesou, mas esse aspecto, sozinho, não explica o que
ocorreu nesta semana. Fato é que a maré virou para Lula da Silva, que saiu de
uma crise que parecia insolúvel e interminável com uma bandeira política a ser
explorada à exaustão na disputa pela reeleição no ano que vem.
Ao investir no discurso que opõe ricos e
pobres, Sidônio Palmeira, dublê de marqueteiro e ministro da Secretaria de
Comunicação Social, pavimentou o caminho para a aprovação do projeto. Mas, se a
isenção era palatável aos deputados, a dúvida residia sobre a taxação da alta
renda, à qual a oposição resistia. O risco de que a renúncia fiscal passasse
sem que houvesse compensação de suas perdas não era trivial, o que seria um
desastre para as contas públicas.
Fato é que a estratégia funcionou, e o
governo se beneficiou do erro crasso que a Câmara cometeu há duas semanas, ao
aprovar a vergonhosa PEC da Bandidagem. Depois que o Senado decidiu arquivá-la
após milhares de pessoas irem às ruas para protestar, os deputados precisavam
de uma forma rápida e segura de limpar sua barra.
Nesse sentido, um projeto que beneficiará 16
milhões de contribuintes com isenção ou desconto de imposto caiu como uma luva
– ninguém seria besta de se opor. Dito isso, Lula tem muito a agradecer ao
ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). Relator do projeto e responsável
por articular apoio à proposta, ele fez poucas alterações no texto, mantendo a
essência do que a equipe econômica defendia, a despeito da posição de
enfrentamento que seu partido tem assumido contra o governo.
Profundo conhecedor do Regimento Interno, que
utiliza como ninguém para tratorar adversários, e famoso por fazer acordos
cujos termos pouco ou nada se sabe, Lira mostrou o quanto Lula, muito a
contragosto, ainda depende de sua liderança. Ademais, expôs a fraqueza de Hugo
Motta (Republicanos-PB), que continua a viver sob sua sombra, como mostram as
imagens da Mesa Diretora ao longo da votação.
O texto ainda precisa passar pelo Senado para
entrar em vigor em 2026, mas, por lá, a vida do governo deve ser tranquila. Na
semana passada, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado já havia
aprovado um projeto de teor muito semelhante em caráter terminativo justamente
para pressionar a Câmara. Não por acaso, o texto foi relatado por Renan
Calheiros (MDB-AL), adversário de Lira em Alagoas.
Tantos apoios fazem parecer que o texto era
realmente capaz de promover justiça tributária num país tão desigual quanto o
Brasil. Mas a proposta, longe de ser uma reforma do Imposto de Renda, não passa
de um puxadinho construído para sobreviver apenas à disputa eleitoral.
Como já dissemos neste espaço, o correto
teria sido atualizar a tabela do Imposto de Renda, congelada desde 2014,
aumentar as faixas de tributação e, sobretudo, retomar a tributação sobre
lucros e dividendos, extinta desde 1996.
Não que fosse um objetivo fácil, haja vista
que tentativas anteriores naufragaram no Congresso durante as administrações de
Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas a tributação de lucros e dividendos é
praticada pela imensa maioria dos países civilizados do mundo.
Faltaram ambição ao governo e coragem ao
Congresso para fazer algo que seria realmente capaz de tornar a carga
tributária brasileira mais justa e progressiva. Sobrou demagogia.
A leniência que alimentou o PCC
Por O Estado de S. Paulo
Lincoln Gakiya tem razão: SP fracassou em
conter o PCC. De Taubaté à Faria Lima, a facção se consolidou como máfia pela
negligência, quando não cumplicidade, de agentes públicos paulistas
O promotor Lincoln Gakiya, uma das
autoridades mais respeitadas quando se fala em combate ao Primeiro Comando da
Capital (PCC), foi direto em sua avaliação perante a Comissão Especial sobre as
Competências Federativas em Segurança Pública, na Câmara dos Deputados. Ao
afirmar, no dia 23 passado, que São Paulo “fracassou” na contenção da
organização criminosa e precisa fazer um mea culpa, Gakiya disse em alto e bom som aquilo que os
fatos já demonstram há muito tempo: seja por incompetência, seja por
cumplicidade de seus agentes, o Estado não soube cortar o mal pela raiz. E o
resultado, concluiu o promotor, foi a criação da “primeira máfia do Brasil”.
De fato, é incontornável reconhecer a
responsabilidade do Estado de São Paulo no fortalecimento do PCC nas últimas
três décadas. Um bando formado após uma briga de futebol, no início dos anos
1990, por um punhado de detentos numa penitenciária do interior paulista
decerto não se tornaria esta hidra mortal se o poder público, à época, não
tivesse sido tão negligente ao permitir que a facção prosperasse intramuros. Tivesse
sido esmagado a tempo, o PCC jamais teria sido capaz de atingir um nível de
sofisticação delitiva que mobiliza cerca de 40 mil criminosos e fatura bilhões
de reais por ano explorando não apenas o tráfico internacional de drogas e
outras atividades criminosas, mas, sobretudo, cadeias produtivas inteiras na
economia formal, como revelou a Operação Carbono Oculto.
A superlotação de presídios, a falta de
monitoramento de lideranças e a corrupção de agentes públicos ofereceram
terreno fértil para que o PCC crescesse. Mas tudo isso, na escala inicial,
poderia facilmente ter sido controlado, em particular por São Paulo, o Estado
mais rico e supostamente mais bem preparado do País para enfrentar o crime
organizado. Mas, a cada avanço do PCC, a cada crise na área de segurança
pública, sucessivos governos minimizaram a dimensão do problema. Em 2005, o
então governador Geraldo Alckmin chegou a declarar que o PCC estava “extinto”
como facção criminosa “estruturada”. Pouco depois, em maio de 2006, São Paulo
ficou de joelhos após a facção deflagrar um surto de violência, mostrando que o
PCC não só existia, como era bem audacioso.
O erro de avaliação repetiu-se em outras
ocasiões, o que, naturalmente, refletiu-se na formulação de políticas públicas.
Durante a campanha de 2018, o mesmo Alckmin, à época o candidato tucano à
Presidência da República, afirmara em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, que o
PCC, ora vejam, não comandava o crime organizado de dentro dos presídios
paulistas. “Isso aí são coisas que vão sendo repetidas e acabam virando
verdade”, disse Alckmin na ocasião. A realidade, mais uma vez, mostrou-se
cruel.
Hoje, o PCC é um “problema instalado”, como
constatou Gakiya. Já é uma máfia de perfil empresarial. A citada Operação
Carbono Oculto revelou o grau de infiltração do PCC em negócios aparentemente
legítimos, como o de combustíveis, lavando e multiplicando bilhões de reais por
meio de fintechs e gestoras de investimento instaladas em plena Avenida Faria
Lima, o centro nervoso do sistema financeiro nacional. Isso, por si só,
confirma que o problema deixou de estar circunscrito à segurança pública: o PCC
é uma ameaça estrutural ao Estado Democrático de Direito e à economia
brasileira. A presença das organizações criminosas na política institucional está
sobejamente demonstrada.
O País, portanto, não pode mais se dar ao
luxo de errar nem de permitir retrocessos institucionais que agravem o
problema. Por sorte, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado cumpriu sua
obrigação e enterrou a chamada PEC da Bandidagem, que pretendia blindar
parlamentares de investigações e ações criminais. Se promulgado, esse
despautério criaria uma casta de inimputáveis, oferecendo abrigo político para
membros de facções como o PCC ampliarem seu poder de ação no Congresso.
Em que pese o atraso, ainda é possível
corrigir rumos e enfraquecer o poder do PCC e de outras organizações
criminosas, como demonstram as recentes operações baseadas em cooperação
federativa, espírito público de servidores abnegados e rigor institucional.
Basta que o mea culpa sugerido
por Gakiya não fique no plano retórico.
O silêncio do Brasil
Por O Estado de S. Paulo
Lula demora a se pronunciar oficialmente
sobre o plano de Trump para Gaza, apoiado até pelo papa
Na ONU, o presidente Lula da Silva foi
ovacionado ao discursar de maneira contundente, entre outros temas, contra a
ação de Israel em Gaza. Mas, quando se abriu a primeira janela de paz real para
Gaza, o petista calou-se. Grande na tribuna, pequeno na ação.
Na segunda-feira, o presidente americano,
Donald Trump, apresentou a proposta mais abrangente até agora para solucionar o
conflito. Aceita por Israel, ela responde consistentemente a duas questões
cruciais: como encerrar o combate, com a devolução imediata dos reféns
israelenses, e como organizar a reconstrução e a governança de Gaza com vistas
à criação de um Estado palestino. Seria de esperar que Lula abraçasse
efusivamente a oportunidade. Mas, pelo jeito, ele prefere perorar sobre o
“genocídio” a encerrá-lo.
Na quarta-feira, numa comunicação em
audiência na Câmara, o chanceler Mauro Vieira fez longas recriminações a
Israel, mas não citou o plano. Segundo apuração de O Globo, a diretriz era esperar a posição do
Hamas, o que seria condicionar a reação oficial do Brasil ao veredicto de um
grupo terrorista. Questionado pelos deputados, Vieira se resignou a dizer que
estava “acompanhando” o plano e pretendia “aplaudi-lo”. Quando este editorial
foi ao prelo, a única nota recente do Itamaraty sobre o conflito era uma
condenação a Israel por impedir uma flotilha de ativistas pró-palestinos de
chegar a Gaza a pretexto de entregar ajuda humanitária.
Quando o governo se dignou a tomar
conhecimento da proposta – segundo Vieira, na tarde de 30/9, mais de 24 horas
após ser lançada –, ela já fora endossada, com ofertas de apoio, pela
Autoridade Palestina, por grandes nações islâmicas e ocidentais, por potências
como China, Rússia e Índia, por organismos multilaterais como a ONU e por lideranças
religiosas, como o papa. Enquanto o Hamas sofre pressão máxima do mundo –
incluindo patronos como Catar e Turquia –, o governo que se gaba de ser voz
“ativa e altiva” no “Sul Global” silencia.
Assim como Lula nunca desce do palanque no
Brasil, nunca desce do púlpito fora dele. Eis a diplomacia reduzida a
espetáculo de autopromoção: verborrágica ao posar de tribuno anti-imperialista,
mas titubeante quando os fatos exigem pragmatismo; indignada contra Israel, mas
condescendente com Hamas, Irã ou Hezbollah; furiosa ao cobrar protagonismo, mas
tímida quando pode ser protagonista. O multilateralismo é exaltado na teoria e
descartado na prática, justamente quando uma articulação internacional se
materializa.
Para Lula, o desfecho do drama importa menos
que o figurino dos atores. Se os “fascistas” Trump e o premiê de Israel,
Binyamin Netanyahu, rubricam a embalagem do remédio, para Lula ele vira veneno.
Enquanto o mundo desperta e pressiona o Hamas
a escolher entre a rendição que pode alicerçar um futuro digno para Gaza ou a
imolação que pode soterrá-lo, Lula hesita. Quem mais perde não é Trump nem
Netanyahu: são os palestinos, mantidos como peças num tabuleiro em que Brasília
só joga para consumo interno.
De nada servem proclamações “históricas” se, quando a História bate à porta, o Brasil emudece. Esta é a hora em que estadistas trocam aplausos por ações. Mas a diplomacia lulista não se guia por avanços no terreno, só por flashes no palco. O resto é silêncio.
Saúde mental: mais demanda e resposta
fragmentada
Por Correio Braziliense
A demanda por cuidados aumentou nos últimos
anos, mas persistem obstáculos como os estigmas e as respostas públicas
fragmentadas.
A saúde mental no Brasil, de maneira geral,
atravessa uma encruzilhada: a demanda por cuidados aumentou nos últimos anos,
mas persistem obstáculos como os estigmas e as respostas públicas fragmentadas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1 bilhão de pessoas vivem com
transtornos mentais no planeta, sendo a depressão e a ansiedade os problemas
mais prevalentes — uma realidade que se reflete com intensidade no
Brasil.
A prevalência de depressão ao longo da vida
acomete em torno de 15,5% da população brasileira, uma das maiores taxas
na América Latina. A pandemia da covid-19 e o cenário econômico agravaram o
sofrimento psíquico, elevando a procura por serviços e o uso de medicamentos
psicotrópicos, avaliam especialistas.
Segundo o Instituto de Estudos para Políticas
de Saúde (IEPS), de 2013 a 2023, a ingestão desses fármacos aumentou mais de
50% e o atendimento psicossocial em unidades do SUS dobrou. Ainda assim, há
municípios sem cobertura adequada e filas para atendimento especializado, o que
empurra pessoas para a esfera privada ou para o uso inadequado de medicamentos.
No mesmo período, a quantidade de Centros de
Atenção Psicossocial (Caps) cresceu significativamente: 42,7%, chegando a 3.343
estabelecimentos. A presença de psicólogos no SUS, porém, não acompanhou o
mesmo ritmo, com a concentração de profissionais diminuindo de 66,8% para 53,1%
na década avaliada.
No campo legislativo, há uma movimentação
significativa. Projetos que visam ampliar o acesso à atenção pós-pandemia (PL
311/2024), estabelecer diretrizes de saúde mental no trabalho (PL 1.152/2025) e
normatizar abordagens policiais humanizadas a pessoas em crise mental (PL
922/2024) estão em tramitação — reflexo de uma agenda pública que começa a
reconhecer dimensões sanitárias, laborais e de segurança associadas à saúde
mental. A efetividade dependerá da dotação orçamentária, da formação de equipes
multiprofissionais e da articulação intersetorial.
No plano laboral e social, o preconceito
persiste. Pessoas com transtornos mentais frequentemente enfrentam
discriminação nas relações de trabalho: desde dificuldades de contratação e
promoção até estigmatização que as expõe a condições de assédio moral e perda
de renda. O aumento recente de afastamentos por motivos de saúde mental — dados
de 2024 mostram que o país registrou mais de 472 mil afastamentos do trabalho
por transtornos mentais, sendo o maior contingente desde 2014, quando esse
número alcançou pouco mais de 221 mil registros — revela tanto um maior
reconhecimento dos transtornos quanto o custo social e econômico do tratamento
inadequado.
No próximo dia 10, será celebrado o Dia Mundial da Saúde Mental. Fica a reflexão: os principais gargalos são o financiamento insuficiente e a má distribuição de recursos; o deficit de profissionais e a necessidade de capacitação em atenção comunitária; e, por último, o estigma estrutural que perpassa serviços de saúde, trabalho e justiça/segurança pública.
Uma vitória da cidadania
Por O Povo (CE)
Votar projetos de interesse da sociedade,
como o da isenção do IR para rendas até R$ 5 mil, eleva a respeitabilidade do
Congresso Nacional
A "polarização" no Congresso
Nacional não resistiu a uma proposta que vai beneficiar mais de 26 milhões de
brasileiros, injustiçados pela tabela da Receita Federal, que favorece os
contribuintes de maior renda.
Em raro caso de unanimidade, a Câmara dos Deputados
aprovou por unanimidade o projeto de lei que amplia a isenção do Imposto de
Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Entre esse valor, até R$ 7.350, haverá
redução da alíquota. Nenhum deputado quis expor-se votando contra um projeto,
que ganhou a simpatia popular e fará justiça a um segmento majoritário dos
contribuintes.
Desde a apresentação da proposição, em março
deste ano, críticos da proposta diziam-se a favor, porém com ressalvas.
Acusavam o governo de "criar mais impostos", com a taxação dos super-ricos,
sugerindo que os recursos para compensar a queda da arrecadação para compensar
a isenção deveriam vir do corte de gastos.
No entanto, esses argumentos sucumbiram,
devido à pressão popular, e a proposta foi aprovada basicamente da forma
apresentada pelo governo. Para compensar a queda de arrecadação, os
contribuintes com renda acima de R$ 600 mil por ano passarão a pagar uma
alíquota maior de impostos.
A aprovação por unanimidade serviu também
para aliviar a péssima imagem da Câmara, após a aprovação da PEC da Blindagem,
que tornava extremamente difícil iniciar uma ação penal contra parlamentares. A
PEC foi arquivada no Senado, deixando o desgaste para a Câmara. Desta vez, os
deputados preferiram não arriscar, pois a isenção seguirá também para o Senado,
onde não encontrará dificuldades para ser aprovada.
O presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), que andava com a autoridade questionada, aproveitou para
firmar-se. Atribuiu a "vitória" à "liderança firme" e à
"capacidade de articulação", demonstrando, na visão dele, que o
Congresso Nacional "é capaz de promover mudanças que impactam
positivamente a vida de todos".
O resultado agradou bastante o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, pois conseguiu emplacar uma de suas principais
promessas de campanha. Assim, ele não quis briga com ninguém.
Comemorou o resultado como "uma vitória
em favor da justiça tributária e do combate à desigualdade no Brasil". Na
sequência, elogiou Motta e Arthur Lira (PP-AL), relator do projeto, estendendo
o cumprimento a todos os deputados, por terem dado que ele chamou de
"passo histórico".
São projetos assim, que interessam à
sociedade, que elevam a respeitabilidade do Congresso Nacional. Que seja um
exemplo para que deputados e senadores "olhem para fora", reprimindo
o corporativismo que muitas vezes toma o lugar de assuntos importantes e
urgentes.
A aprovação deste projeto, portanto, foi uma
vitória da cidadania.
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