Folha de S. Paulo
Instituições inclusivas têm que funcionar para
todos e assegurar os direitos
Por que alguns países se tornam ricos
enquanto outros permanecem pobres? Essa pergunta acompanha a história da
ciência econômica e já foi respondida de diferentes formas: geografia, clima,
recursos naturais, cultura ou até sorte histórica. Mas a literatura mais
influente das últimas décadas, em especial os trabalhos de Daron Acemoglu e
James Robinson, destaca o papel central das instituições.
Instituições inclusivas têm como princípio funcionar para todos. Elas asseguram direitos de propriedade, garantem que os acordos sejam respeitados e criam um ambiente previsível e seguro para quem quer investir ou empreender. Já as extrativas, geralmente controladas por um grupo pequeno – e poderoso economicamente –, travam o desenvolvimento e reforçam seus próprios privilégios. Não se trata apenas de leis escritas, mas de arranjos que podem moldar incentivos, distribuir oportunidades e limitar o poder.
Em Sapiens, Yuval Harari mostra que
instituições são "ficções compartilhadas": só funcionam porque as
pessoas acreditam nelas. A legitimidade, portanto, não depende apenas da letra
da lei, mas da confiança coletiva de que as regras importam e serão
respeitadas. Quando essa crença se rompe, tudo começa a desandar. Isso afeta o
que chamamos de rule of law (ou "estado de direto"),
entendido como a base da vida institucional, onde a previsibilidade das normas
e a igualdade de aplicação asseguram estabilidade e confiança.
Esse debate é mais atual do que nunca.
O rule of law está sob questionamento em democracias maduras, como os
Estados Unidos e a Europa. A crescente polarização política, as pressões sobre
a independência do Judiciário e dos Bancos Centrais e o enfraquecimento de
regras fiscais demonstram como instituições aparentemente sólidas podem se
corroer quando não são continuamente preservadas. A China, por sua vez,
continua sendo um exemplo de como a ausência de um estado de direito robusto
enfraquece a confiança de longo prazo, indispensável para estimular o
investimento privado.
É exatamente esse ambiente de incerteza
institucional que tem influenciado uma busca maior por diversificação. Não
surpreende que ativos tradicionais, como o ouro e mais recentemente o bitcoin, ganhem
espaço como refúgios em períodos de desconfiança.
A atual crise das instituições multilaterais
também é, em grande medida, consequência da fragilização do rule of law no
mundo. Assim como ocorre dentro das fronteiras nacionais, o colapso da
previsibilidade normativa no cenário internacional alimenta tensões
geopolíticas e enfraquece mecanismos de cooperação que sustentaram o
crescimento global nas últimas décadas.
O Brasil enfrenta esse dilema há tempos, mas
temos piorado na margem. O problema não é que o esforço fiscal feito até aqui
seja insuficiente para estabilizar a dívida pública. O desafio está em como as
regras fiscais são de fato tratadas: as metas são flexibilizadas com frequência
e as exceções se multiplicam, o que desgasta a credibilidade. Soma-se a isso
uma crônica insegurança jurídica: normas tributárias sujeitas a interpretações
"criativas" e revisões inesperadas de jurisprudência e nos marcos
regulatórios.
As transformações atuais tornam a questão
ainda mais urgente. A inteligência artificial promete ganhos de produtividade
sem precedentes, mas sua difusão dependerá de regras claras, que deem segurança
jurídica sem sufocar a inovação. Já a transição energética exigirá contratos de
longo prazo e estabilidade regulatória para atrair capital em grande escala.
Crescimento sustentável não nasce de impulsos
passageiros nem de ventos externos favoráveis. Ele depende, sobretudo, da
qualidade das instituições que escolhemos preservar e fortalecer, e não da
abundância de recursos – nem de ciclos políticos.
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