sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Rule of law em crise no mundo. Por Solange Srour

Folha de S. Paulo

Instituições inclusivas têm que funcionar para todos e assegurar os direitos

Por que alguns países se tornam ricos enquanto outros permanecem pobres? Essa pergunta acompanha a história da ciência econômica e já foi respondida de diferentes formas: geografia, clima, recursos naturais, cultura ou até sorte histórica. Mas a literatura mais influente das últimas décadas, em especial os trabalhos de Daron Acemoglu e James Robinson, destaca o papel central das instituições.

Instituições inclusivas têm como princípio funcionar para todos. Elas asseguram direitos de propriedade, garantem que os acordos sejam respeitados e criam um ambiente previsível e seguro para quem quer investir ou empreender. Já as extrativas, geralmente controladas por um grupo pequeno – e poderoso economicamente –, travam o desenvolvimento e reforçam seus próprios privilégios. Não se trata apenas de leis escritas, mas de arranjos que podem moldar incentivos, distribuir oportunidades e limitar o poder.

Em Sapiens, Yuval Harari mostra que instituições são "ficções compartilhadas": só funcionam porque as pessoas acreditam nelas. A legitimidade, portanto, não depende apenas da letra da lei, mas da confiança coletiva de que as regras importam e serão respeitadas. Quando essa crença se rompe, tudo começa a desandar. Isso afeta o que chamamos de rule of law (ou "estado de direto"), entendido como a base da vida institucional, onde a previsibilidade das normas e a igualdade de aplicação asseguram estabilidade e confiança.

Esse debate é mais atual do que nunca. O rule of law está sob questionamento em democracias maduras, como os Estados Unidos e a Europa. A crescente polarização política, as pressões sobre a independência do Judiciário e dos Bancos Centrais e o enfraquecimento de regras fiscais demonstram como instituições aparentemente sólidas podem se corroer quando não são continuamente preservadas. A China, por sua vez, continua sendo um exemplo de como a ausência de um estado de direito robusto enfraquece a confiança de longo prazo, indispensável para estimular o investimento privado.

É exatamente esse ambiente de incerteza institucional que tem influenciado uma busca maior por diversificação. Não surpreende que ativos tradicionais, como o ouro e mais recentemente o bitcoin, ganhem espaço como refúgios em períodos de desconfiança.

A atual crise das instituições multilaterais também é, em grande medida, consequência da fragilização do rule of law no mundo. Assim como ocorre dentro das fronteiras nacionais, o colapso da previsibilidade normativa no cenário internacional alimenta tensões geopolíticas e enfraquece mecanismos de cooperação que sustentaram o crescimento global nas últimas décadas.

O Brasil enfrenta esse dilema há tempos, mas temos piorado na margem. O problema não é que o esforço fiscal feito até aqui seja insuficiente para estabilizar a dívida pública. O desafio está em como as regras fiscais são de fato tratadas: as metas são flexibilizadas com frequência e as exceções se multiplicam, o que desgasta a credibilidade. Soma-se a isso uma crônica insegurança jurídica: normas tributárias sujeitas a interpretações "criativas" e revisões inesperadas de jurisprudência e nos marcos regulatórios.

As transformações atuais tornam a questão ainda mais urgente. A inteligência artificial promete ganhos de produtividade sem precedentes, mas sua difusão dependerá de regras claras, que deem segurança jurídica sem sufocar a inovação. Já a transição energética exigirá contratos de longo prazo e estabilidade regulatória para atrair capital em grande escala.

Crescimento sustentável não nasce de impulsos passageiros nem de ventos externos favoráveis. Ele depende, sobretudo, da qualidade das instituições que escolhemos preservar e fortalecer, e não da abundância de recursos – nem de ciclos políticos.

 

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