Folha de S. Paulo
Finança teria tido dia fraco porque governo
venceu no caso do IR e faria mais demagogia fiscal
Presidente pediu estudos sobre problema do
transporte público, que pode ser tema de Lula 4
Gente de "o mercado" dizia nesta
quinta que a Bolsa caiu porque Luiz Inácio Lula da
Silva quer implantar a tarifa zero
para o transporte público urbano.
Como a isenção do Imposto de Renda passou lotada de
votos na Câmara, o governo estaria animado em soltar um trem de
medidas populistas, que atropelaria contas públicas já arrebentadas.
Hum. Essas interpretações de "mercado
cai, mercado sobe" não raro são ficção, meio de vender uma tese qualquer.
Faz mais de mês, Lula mandou ministérios estudarem o assunto. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) diz o seguinte: "O que há é um pedido de estudo mais estrutural sobre o problema. Só isso".
Gente do governo diz que inventar um modelo
para subsidiar o transporte
público é "muito mais difícil" do que o estudo da
isenção do IR, que levou quase dois anos, e depende de acertos federativos
complexos. No Planalto, se diz que pode ser um plano de campanha de Lula 4.
O cálculo do custo do sistema de transporte
público é infernalmente complicado, se por mais não fosse porque cidades
pequenas, médias, grandes e monstruosas têm necessidades muito diferentes. O
custo de um hipotético subsídio total das viagens do transporte público não é o
custo do sistema, de resto.
Depende do tipo de veículos, de como e quando
será feita sua reposição, de tamanho da frota, infraestrutura (garagens,
terminais), rodagem, remuneração de trabalho e capital etc. E como ficam trens
e metrô?
Enfim, para elaborar um modelo, é preciso
pensar no nível de qualidade, em estimativa de expansão (que deve ocorrer, com
a gratuidade) e de controle do custo da operação —a coisa pega, aí.
O problema é sério. Quem faz meras duas
viagens por dia de trabalho em São Paulo paga o equivalente a uns 15% do
salário-mínimo por mês.
Quem receberia o benefício? Mais ricos
inclusive? Quais trabalhadores? Quem tem direito a Vale Transporte? Informais?
PJs? MEIs?
Quanto custaria? A pergunta é vaga, as
estimativas são precárias e díspares, quase chutes: por ano, R$ 86 bilhões, R$
100 bilhões, R$ 120 bilhões.
Mais transporte público resulta em benefícios
coletivos, que não são pagos por quem não o utiliza: melhora ambiental, fluidez
de trânsito,
acesso a comércios e serviços, a educação, saúde.
O transporte privado individual resulta em
custos quase simétricos, que talvez não sejam pagos por quem dele se utiliza:
poluição, ineficiências do congestionamento.
Para pagar a conta, uma ideia é tributar quem
tem meio de transporte individual ou ocupa o chão das ruas com carro
particular, táxi —é fácil perceber o tamanho do problema. Outra é usar o
dinheiro ora pago no Vale Transporte (descontado em folha) como imposto
vinculado ao financiamento do subsídio da tarifa.
Enfim, o custo do subsídio poderia ser
compartilhado com o governo federal e o dos estados, com dinheiro genérico de
receita tributária (que ora inexiste). Por fim, é preciso pensar no uso
alternativo dos recursos. Para dar só um exemplo: mais fundos para a saúde.
Desde a crise de 2014-2016, cai o número de
passageiros no transporte público, uns 40%, a depender de estimativa ou conta.
Há migração para carro, moto, táxi, aplicativo. A miséria vai a pé.
A qualidade do sistema de transporte subfinanciado
piora, relativamente. É um incentivo para a procura de alternativas. O uso do
transporte público diminui. Um círculo vicioso. É preciso pensar nisso, apesar
de "o mercado" e de ideias fofinhas de certa esquerda.
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