sexta-feira, 3 de outubro de 2025

'O mercado' ficou com medo de um plano Lula de ônibus grátis para todos. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Finança teria tido dia fraco porque governo venceu no caso do IR e faria mais demagogia fiscal

Presidente pediu estudos sobre problema do transporte público, que pode ser tema de Lula 4

Gente de "o mercado" dizia nesta quinta que a Bolsa caiu porque Luiz Inácio Lula da Silva quer implantar a tarifa zero para o transporte público urbano.

Como a isenção do Imposto de Renda passou lotada de votos na Câmara, o governo estaria animado em soltar um trem de medidas populistas, que atropelaria contas públicas já arrebentadas.

Hum. Essas interpretações de "mercado cai, mercado sobe" não raro são ficção, meio de vender uma tese qualquer.

Faz mais de mês, Lula mandou ministérios estudarem o assunto. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) diz o seguinte: "O que há é um pedido de estudo mais estrutural sobre o problema. Só isso".

Gente do governo diz que inventar um modelo para subsidiar o transporte público é "muito mais difícil" do que o estudo da isenção do IR, que levou quase dois anos, e depende de acertos federativos complexos. No Planalto, se diz que pode ser um plano de campanha de Lula 4.

O cálculo do custo do sistema de transporte público é infernalmente complicado, se por mais não fosse porque cidades pequenas, médias, grandes e monstruosas têm necessidades muito diferentes. O custo de um hipotético subsídio total das viagens do transporte público não é o custo do sistema, de resto.

Depende do tipo de veículos, de como e quando será feita sua reposição, de tamanho da frota, infraestrutura (garagens, terminais), rodagem, remuneração de trabalho e capital etc. E como ficam trens e metrô?

Enfim, para elaborar um modelo, é preciso pensar no nível de qualidade, em estimativa de expansão (que deve ocorrer, com a gratuidade) e de controle do custo da operação —a coisa pega, aí.

O problema é sério. Quem faz meras duas viagens por dia de trabalho em São Paulo paga o equivalente a uns 15% do salário-mínimo por mês.

Quem receberia o benefício? Mais ricos inclusive? Quais trabalhadores? Quem tem direito a Vale Transporte? Informais? PJs? MEIs?

Quanto custaria? A pergunta é vaga, as estimativas são precárias e díspares, quase chutes: por ano, R$ 86 bilhões, R$ 100 bilhões, R$ 120 bilhões.

Mais transporte público resulta em benefícios coletivos, que não são pagos por quem não o utiliza: melhora ambiental, fluidez de trânsito, acesso a comércios e serviços, a educação, saúde.

O transporte privado individual resulta em custos quase simétricos, que talvez não sejam pagos por quem dele se utiliza: poluição, ineficiências do congestionamento.

Para pagar a conta, uma ideia é tributar quem tem meio de transporte individual ou ocupa o chão das ruas com carro particular, táxi —é fácil perceber o tamanho do problema. Outra é usar o dinheiro ora pago no Vale Transporte (descontado em folha) como imposto vinculado ao financiamento do subsídio da tarifa.

Enfim, o custo do subsídio poderia ser compartilhado com o governo federal e o dos estados, com dinheiro genérico de receita tributária (que ora inexiste). Por fim, é preciso pensar no uso alternativo dos recursos. Para dar só um exemplo: mais fundos para a saúde.

Desde a crise de 2014-2016, cai o número de passageiros no transporte público, uns 40%, a depender de estimativa ou conta. Há migração para carro, moto, táxi, aplicativo. A miséria vai a pé.

A qualidade do sistema de transporte subfinanciado piora, relativamente. É um incentivo para a procura de alternativas. O uso do transporte público diminui. Um círculo vicioso. É preciso pensar nisso, apesar de "o mercado" e de ideias fofinhas de certa esquerda.

 

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