sexta-feira, 3 de outubro de 2025

A favor, mas contra. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Apesar do placar de 493 a 0, justiça tributária está longe de ser consenso em Brasília

Por essa, nem o governo esperava. A Câmara aprovou por unanimidade a proposta que amplia a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês. O placar foi acachapante: 493 votos a 0.

O resultado pode dar a impressão de que a justiça tributária virou consenso em Brasília. Longe disso. Na sessão que varou a noite de quarta, deputados da oposição deixaram claro que votariam a contragosto.

“É um projeto eminentemente eleitoreiro”, protestou o deputado Luiz Carlos Hauly, do Podemos. “É mais uma fake news do governo Lula”, esbravejou Luiz Lima, do Novo. “Vender isso como presente é enganar a população”, decretou Júlia Zanatta, do PL.

Quando a proposta de isenção do IR foi apresentada, em novembro de 2024, o mercado financeiro estrilou. A Bolsa caiu e o dólar disparou, ultrapassando a marca dos R$ 6. Houve quem decretasse a morte do ajuste fiscal.

A direita cerrou fileiras no Congresso. Acusou o governo de populismo e irresponsabilidade fiscal. Profetizou fuga de capitais e colapso das contas públicas. Reforçou o discurso de que o ministro da Fazenda só pensa em arrecadar.

“Ninguém aguenta mais pagar imposto”, repetiu na quarta-feira Cabo Gilberto Silva, do PL. Falava em defesa de 140 mil contribuintes de alta renda que hoje pagam em média 2,5% de imposto. Para compensar a medida que beneficiará 16 milhões de brasileiros, esse grupo seleto passará a recolher uma taxa mínima de de 5% a 10%.

No momento mais pitoresco da noite, o deputado-cabo se queixou do preço dos celulares de última geração da Apple. “Pagamos o segundo iPhone mais caro do planeta”, reclamou, como se o produto estivesse ao alcance da maioria dos eleitores.

Ao fim da votação, o presidente Hugo Motta se animou a proclamar o fim da luta de classes. “Quando o tema é o bem-estar das famílias brasileiras, não há lados nem divisões, mas sim o interesse do país”, decretou.

Antes fosse assim. Deputados acostumados a apoiar pautas antipopulares não mudaram de lado. Apenas se curvaram à pressão da rua e das redes. A um ano da eleição, ninguém quis se expor na defesa da minoria abastada. “Eu vou votar a favor. Quem votar contra é bobo, vai pagar nas urnas”, resumiu Hauly.

 

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