O Globo
Apesar do placar de 493 a 0, justiça
tributária está longe de ser consenso em Brasília
Por essa, nem o governo esperava. A Câmara
aprovou por unanimidade a proposta que amplia a isenção do Imposto de Renda
para quem ganha até R$ 5 mil por mês. O placar foi acachapante: 493 votos a 0.
O resultado pode dar a impressão de que a
justiça tributária virou consenso em Brasília. Longe disso. Na sessão que varou
a noite de quarta, deputados da oposição deixaram claro que votariam a
contragosto.
“É um projeto eminentemente eleitoreiro”,
protestou o deputado Luiz Carlos Hauly, do Podemos. “É mais uma fake news do
governo Lula”, esbravejou Luiz Lima, do Novo. “Vender isso como presente é
enganar a população”, decretou Júlia Zanatta, do PL.
Quando a proposta de isenção do IR foi apresentada, em novembro de 2024, o mercado financeiro estrilou. A Bolsa caiu e o dólar disparou, ultrapassando a marca dos R$ 6. Houve quem decretasse a morte do ajuste fiscal.
A direita cerrou fileiras no Congresso.
Acusou o governo de populismo e irresponsabilidade fiscal. Profetizou fuga de
capitais e colapso das contas públicas. Reforçou o discurso de que o ministro
da Fazenda só pensa em arrecadar.
“Ninguém aguenta mais pagar imposto”, repetiu
na quarta-feira Cabo Gilberto Silva, do PL. Falava em defesa de 140 mil
contribuintes de alta renda que hoje pagam em média 2,5% de imposto. Para
compensar a medida que beneficiará 16 milhões de brasileiros, esse grupo seleto
passará a recolher uma taxa mínima de de 5% a 10%.
No momento mais pitoresco da noite, o
deputado-cabo se queixou do preço dos celulares de última geração da Apple. “Pagamos
o segundo iPhone mais caro do planeta”, reclamou, como se o produto estivesse
ao alcance da maioria dos eleitores.
Ao fim da votação, o presidente Hugo Motta se
animou a proclamar o fim da luta de classes. “Quando o tema é o bem-estar das
famílias brasileiras, não há lados nem divisões, mas sim o interesse do país”,
decretou.
Antes fosse assim. Deputados acostumados a
apoiar pautas antipopulares não mudaram de lado. Apenas se curvaram à pressão
da rua e das redes. A um ano da eleição, ninguém quis se expor na defesa da
minoria abastada. “Eu vou votar a favor. Quem votar contra é bobo, vai pagar
nas urnas”, resumiu Hauly.
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